Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
São três da tarde, o céu está encoberto, a chuva ameaça a cidade. Por um momento, é quase possível esquecer o grupo de prédios altos da Avenida da Praia Grande, que se impõe sobre a zona ribeirinha dos lagos Nam Van. Duas gaivotas de dois lugares (em forma de cisne) e um barco amarelo de quatro lugares circulam na água; uma linha de bóias brancas delimita a área de movimento destes barcos recreativos. Para lá dessa linha estão as pequenas ilhas artificiais dos lagos Nam Van; parecem agora mais próximas, mais reais.
Oito barcos permanecem estacionados nas docas e um grupo de funcionários, vestidos de calções vermelhos, pólo amarelo, vão olhando Nam Van, mantêm-se alerta.
Félix Albuquerque aparece de mão dada ao pai. “Eu gosto mais do barco amarelo, é mais rápido”, diz. Félix tem cinco anos, ainda não pode andar nas gaivotas de dois lugares. “Agora eu vou buscar outras coisas”, continua, em jeito de despedida.
O pai, João Albuquerque, veio aproveitar o dia de folga. Por uma volta de meia hora de barco, pagou 40 patacas. “Faltavam em Macau espaços para as pessoas relaxaram e se divertirem”, refere. Os lugares até existem, sublinha, mas é necessário reaproveitá-los. “Há muita falta de utilização destes espaços e podiam fazer-se coisas úteis e engraçadas, como aconteceu em Singapura, onde foram construídas praias”.
Irene Cheung, residente em Hong Kong, acompanhou os dois no passeio de barco. “Estou impressionada com a forma como conseguiram planear esta área, com uma variedade de oferta para as famílias, com cafés e lojas, e que vieram oferecer uma série de oportunidades para a população local”, nota. Irene Cheung, que visita Macau regularmente, sublinha ainda o facto desta iniciativa ter chegado ao centro de Macau. “Em Hong Kong teríamos de ir a um parque temático ou algo maior”, conclui.
Estão mais de 30 graus centígrados, escuta-se um trovão. No centro do lago flutua ainda um cisne branco.
Diversificação turística
Kevin U e Teresa Teng Teng passeiam pela nova livraria que o Instituto Cultural abriu no local. Aqui, os livros circulam gratuitamente, num conceito que pretende fomentar a leitura e a partilha de livros. Kevin e Teresa estão ligados ao Teatro Alternativo Rolling Puppet de Macau, o primeiro grupo de marionetas chinês da cidade. E foi o teatro que os trouxe até Nam Van, contam.
“Um amigo disse-nos que vai abrir aqui um teatro e estávamos a tentar perceber onde é que isso vai acontecer”, diz Teresa. Kevin, o namorado, completa: “Penso que estão a estudar a abertura de um teatro blackbox e gostava de perceber qual a dimensão desse espaço”.
De acordo com o Governo, além de teatro, Nam Van será também palco de outros espectáculos, que vão incluir concertos de fado e de jazz.
Para já, nesta fase inicial, o novo espaço Anim’arte Nam Van tem à disposição uma feira de artesanato, lojas de produtos culturais e criativos e salas de exposições. Um café gerido pelo Instituto de Formação Turística encontra-se em funcionamento temporário até 2017 e serve como local de estágio e formação dos estudantes daquele estabelecimento de ensino.
A MACAU visitou esta nova área recreativa quatro dias depois da inauguração. A 3 de Junho, dia em que foi lançado o espaço, Alexis Tam, secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, referiu que, para transformar Macau num centro mundial de turismo e lazer, a indústria turística da cidade precisa de seguir um desenvolvimento diversificado.
“Isto ainda é o início, mas esperamos que haja muito mais coisas neste local, não apenas artesanato, mas ainda mais restaurantes e lojas”, conclui Kevin U.
Promover Nam Van entre os locais
Julia Zhu chegou de Cantão, na mala trouxe uma colecção de peças de bijutaria. São colares, anéis, pulseiras feitas à mão, adornadas com pedras, e que estão em exposição na feira do artesanato, instalada no local. Directora da marca Beautiful Dreamer, Julia Zhu fala na necessidade de maior promoção entre a população local. “É um bom local para apresentarmos os nossos produtos, mas ainda se vêem poucas pessoas, talvez porque esteja na fase inicial”, vinca.
Na banca ao lado, Leon Liao, também de Cantão, vende capas de telemóvel. São produtos criados pela UFO, a pequena marca que gere.
Estes dois pequenos empresários do Interior da China estão em Macau por uma semana. A participação na feira foi parcialmente subsidiada pelo Governo da RAEM, que se responsabilizou pelo pagamento do alojamento.
“É um bom começo para Macau e é uma forma de apoiar artesãos, que podem promover aqui produtos e ideias criativas”, reforça Leon.
Danda Leong, de Macau, é responsável pela Merry Go Round, uma plataforma online de artigos vintage. Aqui, nesta feira, os clientes podem ver com os próprios olhos os produtos, admite Danda. “Temos uma loja online e geralmente os clientes não têm contacto directo com os artigos”, refere a empresária, admitindo que os preços altos do imobiliário não permitem o arrendamento de um espaço físico em Macau.
Dar voz às minorias
A partilhar a Oficina dos Sorrisos com a Cáritas Macau, a Associação de Reabilitação Fuhong abriu na zona Anim’arte Nam Vam mais um centro de apoio a pessoas com deficiências e distúrbios mentais. O espaço, cedido pelo Governo, vai estar aberto ao longo de um ano a título experimental.
Segundo Jennifer Chau, directora desta organização sem fins lucrativos, a ideia é dar maior visibilidade aos trabalhos desenvolvidos pelos elementos da associação. “Tínhamos uma série de produtos feitos por estas pessoas, mas não havia um canal de venda”, diz a responsável pela Associação de Reabilitação Fuhong que acompanha desde 2003 perto de 300 portadores de deficiências.
Jennifer Chau pega num guarda-chuva; no tecido estão desenhados alguns dos monumentos mais emblemáticos de Macau: o edifício dos correios, o Mercado Vermelho e as Ruínas de São Paulo são alguns deles. Leong Ieng Wai, um jovem com desordens do espectro autista, é o autor de muitos dos artigos que estão à venda no local. Leong é também conhecido por “0.38”, nome que se refere à espessura da caneta que utiliza para desenhar.
“Ele tem muitas dificuldades no discurso, mas um dia descobrimos no nosso abrigo desenhos em papéis amachucados e então tentámos perceber de quem eram”, revela.
Hoje, terça-feira, é dia de folga, mas ao longo da semana quem aqui aparecer pode encontrar a trabalhar dois elementos desta associação. “É uma forma destas pessoas encararem o público e comunicaram com ele”, refere a directora.