Texto Patrícia Lemos | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro | Ilustração Rodrigo de Matos
Depois de séculos viradas para o mar, as gentes da Taipa não resistiram ao apelo de um negócio explosivo em terra, no despontar do século XX – os panchões. Esta indústria não dependia das marés e ainda compensava bem quem arriscasse a vida no meio da pólvora. Famílias inteiras responderam à chamada, incluindo as crianças. O negócio prosperou e, em meados do século XX, existiam cinco fábricas na ilha, com cerca de 2000 operários, mais de um terço da população local.
O reinado dos panchões só terminou na segunda metade do século XX, e deixou marcas na vila. A memória mais vincada desse tempo habita as ruínas da antiga fábrica Iec Long. Degradada há várias décadas, é o sonho de muitos arquitectos, o desejo dos saudosistas e nem aos turistas passa despercebida, sobretudo aos que calcorreiam a Rua Direita Carlos Eugénio à procura da Calçada do Carmo. O olhar curioso cai sempre sobre o longo e enigmático muro da fábrica, perfeitamente encaixado nos braços entrelaçados das árvores; como que desperta os sentidos para o cenário exótico e único que é promessa garantida a no cimo da calçada.
O Edifício do Carmo faz as apresentações da arquitectura portuguesa ainda no sopé da escadaria. Ali está plantada a semente da Escola Dom João Paulino que, em 1924, acolheu crianças de várias escolas da ilha da Taipa. Esta velha obra das missionárias ainda hoje dá frutos na Avenida Carlos da Maia, há quase 60 anos.
Já no alto da Calçada do Carmo revela-se o encontro que é cartão-de-visita de Macau. O casamento perfeito entre o Ocidente e o Oriente, não fosse aquele o palco favorito dos noivos de Macau. Mas é sobretudo quando a noite cai que a magia acontece. As luzes acentuam o retorcido das árvores asiáticas dos jardins que cercam o Largo do Carmo, honrando as fachadas iluminadas de três edifícios portugueses, todos eles pioneiros: o estandarte católico da Igreja da Nossa Senhora do Carmo, a primeira Escola Primária Municipal da ilha e a antiga Maternidade.
A imagem postaleira, que é a cereja no topo do bolo da vila da Taipa, culmina nos solares convertidos no final dos anos 90 em Casas-museu e no mangal que é hoje a Avenida da Praia. Ali foram rodadas cenas do filme Amor e Dedinhos de Pé, de 1992, recriando a marginal da Praia Grande do início do século XX. Apesar das casas existirem há quase 100 anos, continuam a ser alvo da admiração de todos. Nem mesmo o grande e moderno resort Venetian, colado no horizonte da avenida, consegue perturbar esse imaginário de embevecido romantismo. E é provável que a moldura da modernidade, que inevitavelmente se cultivará em redor da vila da Taipa, não abale nunca o coração da zona do Carmo que é, afinal, um dos ex-libris da cultura de Macau.
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Escola Dom João Paulino
Na origem desta escola estão várias outras, tanto de rapazes como de raparigas. A sua história remonta ao início do século XX e está ligada ao trabalho das missionárias na Taipa. Abriu as portas em 1924 no Edifício do Carmo, ocupando, anos mais tarde, uma outra casa na Rua Direita Carlos Eugénio. Em 1967, a escola mudou-se da Calçada do Carmo para a Avenida de Carlos da Maia, tendo a administração do ensino pré-primário, primário e secundário ficado a cargo das Franciscanas Missionárias de Maria.
Casa dos Pinheiros
Mandado construir em 1956 pela Federação das Associações dos Operários de Macau, este edifício albergou a clínica comunitária dos operários da vila e fica em frente à sede da Associação de Auxílio Mútuo dos Operários da Taipa. Desde 1994 que funciona como centro de convívio da terceira idade.
Templo I Leng
Uma das maiores relíquias deste discreto templo é a sua porta de madeira corrediça tradicional, imagem de marca das mansões residenciais chinesas. Ali moram as divindades da medicina da China Antiga, porque, para além de ser Deus da Medicina, I Leng pode significar título honorífico. Não são muitos os visitantes deste templo, construído em 1900, talvez por ser pouco convencional. Afinal, até já foi a sede da Sociedade de Beneficência Ka Sin Tong, que prestava cuidados de saúde gratuitos aos mais necessitados. O templo foi restaurado em 1987 e renovado em 2002.
Fábrica de Panchões Iec Long
Desactivada desde os anos 70, esta unidade fabril e as suas oficinas são hoje consideradas os maiores e mais bem preservados marcos da indústria de panchões no Delta Rio das Pérolas. A fábrica obteve licença para operar em 1925 e tomou o lugar de sete edifícios em ruína, sendo ampliada em 1948. Este espaço, que pode vir a ser um parque temático, inclui casas de pólvora, um reservatório, um canal de drenagem, árvores centenárias e pequenos tanques.
Calçada e Edifício do Carmo
Cenário do filme Milagres, de Jackie Chan, no final dos anos 80, os degraus da Calçada do Carmo lembram as ondas do mar; são pontuados por frondosas árvores de pagode, que sobressaem na moldura colorida do Edifício do Carmo. Morada da Escola Dom João Paulino, em 1924, e mais tarde, em 1973, do Asilo de Nossa Senhora do Carmo, este imóvel foi renovado no virar do século, e é hoje a morada do Centro Cultural e Recreativo do Carmo, do IACM.
Maternidade da Junta Local
Construído para integrar a Escola Municipal da Taipa no início do século XX, este edifício seria convertido, em 1956, numa maternidade destinada a mulheres em situação precária. Muitos anos depois, foi transformado num lar de terceira idade, gerido pela Cáritas. Está desocupado há pelo menos 15 anos e é, actualmente, propriedade do IACM.
Escola Municipal da Taipa
Inaugurou como Escola Municipal da Taipa no início do século XX. Em 1993, foi reconstruído para estrear a primeira biblioteca da ilha, servindo ainda de residência a um alto funcionário público local. Ao fim de 11 anos, a biblioteca fechou as portas e, em 2005, abriria, no segundo andar, a Conservatória do Registo Civil da Taipa.
Igreja de Nossa Senhora do Carmo
É a única igreja católica na Taipa e foi construída, em 1885, para servir a pequena comunidade católica residente de apenas 35 cristãos. Esteve em projecto durante dez anos e é provável que nesse período de tempo tenha sido elevado o cruzeiro do adro, para testar o terreno. Reparada em 1893, a imponente igreja dominou a paisagem da ilha por muitas décadas, sendo vista dos hotéis de Macau na primeira metade do século XX.
Jardins Adjacentes
O Jardim Municipal começa nas traseiras da antiga Biblioteca da Taipa e prima pela fonte em formato de cruz e pelas trepadeiras coloridas. Foi profundamente remodelado em 1955, data de conclusão do vizinho jardim da Dra Laurinda Marques Esparteiro, conhecido pelo miradouro e pelos socalcos e canteiros em forma de onda. Estes jardins integram uma das Oito Panorâmicas de Macau, que inclui os edifícios do Largo do Carmo e as Casas-Museu.
Solares da Avenida da Praia
Foram construídas em 1921 para serem moradias de altos funcionários do governo e famílias macaenses. Nos anos 1980, as cinco casas foram recuperadas e, na década seguinte, foram transformadas em espaços museológicos. Uma das mais apreciadas é a réplica de uma casa típica macaense.
Mangal
Depois de construído o Istmo Taipa-Coloane, em 1968, a popular Praia de Nossa Senhora da Esperança transformou-se numa zona pantanosa. As marés encheram as águas de rebentos, formando-se aqui um mangal que, ultimamente, tem perdido a visita regular das garças. Baptizada de Baía Costa, a praia também foi conhecida como Aeroporto, por ter alojado, nos anos 20, um hangar para hidroaviões que faziam a carreira Macau-Hong Kong.