Marcelo D’Almeida
Secretário-geral adjunto – Fórum Macau
Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Começou na Economia, formando-se em Cuba, com especialização em Comércio Externo. Depois, enquanto construía uma extensa carreira internacional, tirou o curso de Gestão de Desenvolvimento, em Washington, além de ter tido Formação Diplomática e Consular em Portugal. O Fórum Macau marca a sua chegada à Ásia, num desafio que abraçou com entusiasmo.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar no Fórum Macau?
Em Janeiro de 2011, o Governo da Guiné-Bissau fez-me o convite, em concertação com a Presidência da República. Telefonaram-me do gabinete do primeiro-ministro e fui lá. Mostraram-me o projecto do Fórum Macau, fui pesquisar e fiquei muito interessado. Até porque estava a desenvolver o mesmo trabalho há vários anos e desejava mudar.
Foi uma mudança radical.
Era um desafio novo, pareceu-me uma experiência estimulante e aceitei.
O que encontrou correspondeu às suas expectativas?
Sim. Estou a trabalhar com pessoas num tipo de administração completamente diferente, tem sido muito gratificante. Há uma sinergia de três administrações, da China, dos países de língua portuguesa e do Gabinete de Apoio da RAEM. É a primeira vez que trabalho num ambiente destes, estou a gostar.
Onde é que o funcionamento do Fórum pode ser melhorado?
O seu funcionamento envolve, como disse, três administrações distintas. Pode ser aperfeiçoado, nomeadamente, de forma a permitir maior fluxo de informações, para que circulem melhor entre nós.
Por ser uma estrutura nova ainda falta alguma dinâmica entre os serviços?
É isso que quero dizer. Estamos na recta dos primeiros dez anos do Fórum, naturalmente há aspectos a melhorar. Mas com o diálogo interno entre todos os parceiros, vamos lá chegar. Está a melhorar de dia para dia.
Qual é a sua intervenção para que o orçamento disponibilizado pela China, através do Fórum, seja eficaz na “redução da pobreza e na criação de riqueza” nos países de língua portuguesa, objectivo que já defendeu em público?
A posição do meu Governo é essa, mas a gestão do fundo cabe ao Banco de Desenvolvimento da China. A nossa intervenção é no sentido de contribuir com ideias, pois não nos compete gerir o fundo. No entanto, antecipamos a expectativa que esse fundo, além dos critérios económicos de viabilidade, seja utilizado nos projectos prioritários de cada país no combate à pobreza e na promoção do desenvolvimento das potencialidades existentes. O fundo ainda não está aplicado, há aspectos técnicos a resolver, mas acredito que falta pouco. É algo que desperta muita expectativa nos países de língua portuguesa.
Tendo em conta as dificuldades históricas nos países de língua portuguesa, nomeadamente em África, quando têm oportunidades de apoio para se desenvolverem, há uma mudança deste paradigma em curso? Como evitar que haja dinheiro desviado do seu propósito?
São problemas muitos difíceis de erradicar, mas os métodos de gestão têm estado a modernizar-se. Hoje, os instrumentos de controle – auditorias, definição clara da utilização dos fundos, orçamentação das acções públicas – são cada vez mais aperfeiçoados. E isso é um elemento dissuasor. A questão do controlo, a elegibilidade do investimento são fundamentais como elemento dissuasor. Porém, não nos podemos esquecer que os vários países de língua portuguesa são diferentes, tal como os seus estados de desenvolvimento.
Com a sua experiência no convívio com as culturas chinesa, africana e portuguesa, como descreve Macau enquanto encontro de culturas?
É uma plataforma natural de encontro de culturas e seria de facto um desperdício não ter sido descoberto este mecanismo. Macau como plataforma é um mecanismo bem encontrado, único. Não conheço outro igual.
Mas quais são as suas impressões do caldo que existe aqui?
É um caldo de facto, um caldo exótico, mas a presença da cultura, dos hábitos e do perfil de consumo de Portugal está muito presente. Há dias almocei no restaurante de comida portuguesa Guincho a Galera, no Hotel Lisboa, e ia com intenção de comer uma açorda de marisco. Disseram-me que não tinham, não entrava muito no paladar local. Então pedi raia à Gomes de Sá, mas o que me trouxeram não era bem a minha percepção de Gomes de Sá, cuja referência que tenho é do bacalhau. O que veio já obedecia ao paladar de Macau. E gostei. Portanto, até nos restaurantes se vê essa simbiose, esse encontro de culturas que resulta em algo novo. Como a galinha africana, que só há aqui, mas tem o seu encanto. E nas pessoas também se vê essa mistura, uma fisionomia portuguesa com traços chineses, por exemplo, os muitos casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes.
Com tanta gente de culturas distintas em Macau, é provável haver no futuro mais conflitos ou o reforço da convivência pacífica?
De longe a convivência pacífica. Eu próprio, quando cheguei, vinha com dúvidas em relação a isso. O complexo de cor existe em toda a parte, não chega necessariamente a ser racismo ou xenofobia, mas marca a diferença. Quando entra, é um preto. Ou um asiático ou um europeu. Mas aqui em Macau, a tendência aponta para uma aproximação de todas as culturas. Depois de mais um ano aqui, não tenho dúvidas que se caminha para aí.
No quadro da globalização, qual é o caminho que vê para que os países tenham uma cooperação justa, com tantas diferenças, em particular económicas?
Há um aspecto de solidariedade muito importante. Hoje, a tendência de globalização e, também, a tendência de haver blocos sub-regionais, como foram surgindo, são amortizadores da diferenciação de níveis de desenvolvimento. Um exemplo concreto é aquele que acontece no Fórum. Temos uma cooperação, temos países com economias muito diferentes, mas estamos aqui irmanados, com voz e voto iguais, com a China, a tentar uma cooperação em que todos saiam a ganhar. A componente da solidariedade tem de estar presente.
Nota-a na prática?
Sim, claro, existe de forma muito concreta. A China avançou com fundos, sustenta o Fórum, essa é uma inegável parte solidária. Nesta cooperação, os acordos que se assinam têm a concordância unânime dos membros do Fórum. Naturalmente que todos, incluindo a China, procuram ganhar, mas isso é o segredo de cada país (risos). Há um ponto inegável: qualquer dos países tem recursos para ser um parceiro útil nesta cooperação.