O mercado obrigacionista em Macau atingiu valores recorde em 2024, cerca de seis anos depois da primeira instituição financeira de emissão de obrigações ter sido criada na região. O sector é visto como essencial para a diversificação adequada da economia e olha agora para os mercados internacionais para continuar a expandir
Texto Nelson Moura
Durante a recente visita à Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), em Dezembro de 2024, o Presidente Xi Jinping apelou ao Sexto Governo da RAEM que continue a envidar esforços para diversificar a economia local. No âmbito do “Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da RAEM”, o Governo definiu o desenvolvimento do sector financeiro moderno como uma das prioridades, com a aceleração da construção e reforço do mercado obrigacionista local como uma das pedras basilares dessa estratégia.
O último passo foi o lançamento oficial, no final de Janeiro, do serviço de rede e interligação directa entre a Central Moneymarkets Unit de Hong Kong (CMU), operada pela CMU OmniClear Limited – subsidiária detida a 100 por cento pelo Exchange Fund of Hong Kong – e a Central de Depósito de Valores Mobiliários de Macau (CSD), operada pela Central de Depósito e Liquidação de Valores Mobiliários de Macau – Sociedade Unipessoal Limitada (MCSD), empresa de capitais públicos, constituída e totalmente detida pela Autoridade Monetária de Macau (AMCM). A iniciativa visa promover o desenvolvimento integrado dos mercados de obrigações das duas regiões, segundo um comunicado da AMCM.
O regulador financeiro de Macau afirmou ter trabalhado em “estreita colaboração” com a Autoridade Monetária de Hong Kong (HKMA, na sigla em inglês) nos preparativos para o estabelecimento da rede directa, bem como na implementação e definição conjunta das regras e procedimentos operacionais.
Na cerimónia de inauguração, o Presidente do Conselho de Administração da AMCM, Chan Sau San, referiu que “o lançamento oficial da rede e interligação directa entre os mercados obrigacionistas de Hong Kong e Macau concretiza a primeira conexão entre as infra-estruturas do mercado obrigacionista de Macau e uma plataforma central de depósito de valores mobiliários no exterior”.
Segundo a AMCM, a interligação das infra-estruturas dos mercados obrigacionistas de Hong Kong e de Macau proporciona um canal transfronteiriço para financiamento e investimento, permitindo que os investidores de ambas as regiões “participem de forma mais conveniente e eficiente nos mercados obrigacionistas de uma e outra parte”.
A iniciativa, refere a instituição, “representa um avanço significativo” na cooperação financeira entre Hong Kong e Macau, “destacando as vantagens próprias de cada região e exemplificando o desenvolvimento sinérgico da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”.

No âmbito do serviço de rede e interligação directa, a Sucursal de Macau do Banco da China anunciou a emissão de obrigações a dois anos no valor de mil milhões de renminbi, enquanto a Sucursal de Macau do Banco Industrial e Comercial da China emitiu títulos a três anos, no valor de 250 milhões de dólares americanos.
Sector em expansão
Macau acolheu o ano passado um número recorde de listagens de obrigações, aprofundando o seu papel como um centro alternativo para financiamento, nomeadamente para empresas chinesas.
Segundo dados compilados pela agência de notícias financeiras Bloomberg, um total de 28,1 mil milhões de dólares americanos em títulos começou a ser negociado, em 2024, na bolsa da Transacção de Bens Financeiros de Chongwa (Macau), S.A., fundada pelo grupo estatal Nam Kwong e conhecida como MOX. Cerca de 63 por cento dos títulos listados o ano passado são denominados em renminbi, envolvendo, na maioria, fundos institucionais do Interior da China, de Hong Kong e Singapura.
A MOX, fundada em 2018, foi a primeira instituição financeira a nível local a oferecer serviços que abrangem o registo, listagem, negociação e liquidação de títulos.
Estes avanços representaram um progresso significativo para a MOX, cujo valor das listagens de obrigações totalizava pouco mais de 600 milhões de dólares americanos quando foi criada.
De acordo com os dados mais recentes da AMCM, até ao final de Junho de 2024, o total dos activos do sector financeiro de Macau atingiu 2717,4 mil milhões de patacas, representando um aumento de 25 por cento em comparação com 2019.
O organismo refere também que, com a optimização constante das condições do mercado, há cada vez mais instituições financeiras a instalarem-se em Macau. Em comparação com 2019, o número de instituições financeiras autorizadas a operar em Macau aumentou de 15 para 102, incluindo sociedades de locação financeira, sociedades de gestão de fundos de investimento e bancos de investimento.
Estes avanços contribuíram para o desenvolvimento estável do mercado de obrigações local. Até final de Dezembro de 2024, estavam registados um total de 633 obrigações em Macau – emitidas ou listadas localmente –, com um montante equivalente a 567,9 mil milhões de patacas, segundo a AMCM. Do total, 474 obrigações e bilhetes monetários estavam sob custódia da CSD, com um montante de aproximadamente 106,6 mil milhões de patacas. Paralelamente, mais de 100 instituições tinham aberto contas junto da MCSD.

De acordo com o regulador financeiro de Macau, um “marco importante” na evolução do mercado de obrigações local foi o lançamento, no final de 2021, da Central de Depósito de Valores Mobiliários de Macau – conhecida pela sigla CSD –, um sistema que oferece serviços de registo, depósito e liquidação de valores mobiliários, facilitando as operações no mercado local de obrigações.
Progresso gradual
Desde 2019, quando o Governo Central emitiu pela primeira vez obrigações soberanas em renminbi em Macau, a AMCM tem trabalhado na melhoria das infra-estruturas financeiras, visando criar um ambiente mais propício ao crescimento do mercado de títulos de dívida, que ainda se encontra numa fase inicial.
Até ao início de 2025, o Ministério das Finanças da República Popular da China emitiu obrigações governamentais em Macau várias vezes, totalizando um montante acumulado de 15 mil milhões de renminbi.
Em Outubro de 2024, o Ministério das Finanças emitiu obrigações destinadas a investidores profissionais, envolvendo um valor de 5 mil milhões de renminbi. Do total, obrigações no valor de 3 mil milhões de renminbi foram emitidas com prazo de dois anos e uma taxa de juro de 1,83 por cento, enquanto o restante – no valor de 2 mil milhões de renminbi – tem um prazo de cinco anos e uma taxa de juro de 2,05 por cento. A emissão destas obrigações, de acordo com a AMCM, foi bem acolhida pelo mercado, tendo registado uma subscrição excessiva.
“O Governo da Província de Guangdong emitiu também, pelo quarto ano consecutivo, obrigações municipais denominadas em renminbi ‘offshore’ em Macau, com um montante acumulado de 8,7 mil milhões até à data, incluindo obrigações verdes e especiais destinadas a apoiar projectos de infra-estruturas na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”, afirmou a AMCM em declarações à Revista Macau, referindo-se a dados até Janeiro do corrente ano.
Segundo o organismo, a emissão contínua de obrigações em renminbi em Macau “permitirá a optimização contínua do mecanismo de emissão regular de obrigações, contribuindo para a gradual construção de uma curva de rendimentos em Macau, a expansão do âmbito de investidores e a promoção da interligação do mercado obrigacionista de Macau com o mercado internacional, bem como promovendo o desenvolvimento do mercado ‘offshore’ de renminbi e do mercado obrigacionista em Macau”.
Ao longo dos últimos cinco anos, as autoridades locais têm promovido várias iniciativas para impulsionar o mercado obrigacionista local. O Governo da RAEM procedeu à revisão ou elaboração de diversas leis financeiras. Entre estas, o “Regime jurídico da emissão monetária”, o “Regime jurídico do sistema financeiro”, o “Regime jurídico da actividade seguradora”, a “Lei da actividade de mediação de seguros”, o “Regime jurídico das sociedades de locação financeira” e a “Lei da fidúcia”.
O “Regime jurídico do sistema financeiro”, em particular, reformulou o processo de emissão pública de obrigações, uma mudança que substituiu o “regime de aprovação” pelo “regime de registo”, baseado na divulgação de informações, elevando significativamente a eficiência da emissão de títulos em Macau.
Além disso, a proposta de “Lei dos fundos de investimento” está actualmente a ser discutida na generalidade na Assembleia Legislativa, encontrando-se também em curso os trabalhos de elaboração da futura “Lei de valores mobiliários”, segundo a AMCM.
“Para optimizar os mecanismos de gestão de liquidez do mercado monetário de Macau, a AMCM introduziu operações de recompra de obrigações em Fevereiro de 2023”, destacou a instituição.
No âmbito desta nova iniciativa, as obrigações de alta qualidade emitidas em Macau constituem objecto de recompra, designadamente no que diz respeito a títulos de dívida do Estado, títulos de dívida de governos provinciais e títulos emitidos pelos bancos estatais, com o objectivo de oferecer uma maior liquidez em patacas e em renminbi aos bancos locais.
Antes da introdução deste mecanismo, em Dezembro de 2022, a AMCM procedeu, com o apoio do Governo Central, à renovação do Acordo de “Swap” de Moedas, no valor de 30 mil milhões de renminbi, com o Banco Popular da China, tendo como objectivo proporcionar um suporte de liquidez em renminbi “offshore”, a título de reserva, ao mercado financeiro local.
Paralelamente, têm sido introduzidas várias medidas para tornar o mercado obrigacionista local mais atractivo, como a implementação de um processo de registo de cinco dias, bem como a isenção do imposto de selo e do imposto complementar de rendimentos em relação a obrigações emitidas em Macau.
No mesmo âmbito, a MOX assinou, em 2020, um acordo sobre dupla listagem com a Bolsa de Valores do Luxemburgo (LuxSE), permitindo aos emissores listarem simultaneamente obrigações na MOX e na LuxSE.
Novas iniciativas
No final de 2023, a AMCM concluiu a construção de um novo “Sistema de Transacções dos Bilhetes Monetários e Obrigações”, que, através da introdução de procedimentos de compensação automatizados, reforçou a eficiência do processamento das operações, bem como dinamizou o mercado secundário de bilhetes emitidos pela instituição.
Em 2024, a CSD implementou um módulo funcional para a liquidação de fundos em renminbi, oferecendo um regime de “Entrega Contra Pagamento” em tempo real (DvP), alinhado com padrões internacionais.
Segundo a AMCM, esta iniciativa não apenas melhorou a eficiência do sistema de liquidação, mas também proporcionou uma cobertura sistemática para a futura emissão de outros títulos de dívida, incluindo obrigações soberanas e financeiras emitidas por bancos estatais.

À Revista Macau, a AMCM apontou que o mercado de obrigações de Macau se tem expandido progressivamente com a melhoria contínua das infra-estruturas financeiras e a implementação de medidas auxiliares.
“Os tipos de obrigações foram diversificados, abrangendo obrigações soberanas chinesas, obrigações de governos municipais, obrigações de capital de nível 2 e obrigações corporativas. Além disso, estas obrigações são emitidas em várias moedas, incluindo RMB, HKD, MOP e USD”, apontou o regulador financeiro da RAEM.
“A AMCM continuou a avançar com a MCSD nas discussões para cooperação com dois depositários centrais de valores mobiliários internacionais (ICSDs), promovendo uma maior conectividade entre o mercado de obrigações de Macau e o mercado internacional de obrigações”, destaca a AMCM.
A MCSD já é membro, desde 2022, da Associação Internacional de Serviços de Valores Mobiliários (ISSA) e da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancários Mundiais (SWIFT), alinhando o mercado de obrigações de Macau com práticas internacionais.
Adicionalmente, a AMCM é a unidade responsável pela emissão de Números de Identificação Internacional de Valores Mobiliários (ISIN), aumentando a eficiência da emissão de obrigações em Macau.
Abraham Kot, Director-Executivo da A&P Investment Fund Management Company Limited, considera importante que Macau desenvolva um mercado obrigacionista “com uma visão mais abrangente do desenvolvimento financeiro” da cidade, nomeadamente, que “apoie a indústria de gestão de fortunas”.
Abraham Kot é um dos fundadores do “A&P Macau Patacas Money Market Fund”, o primeiro fundo de investimento em patacas, criado em Macau em meados de 2024.
Segundo a Directora-Executiva do Banco Delta Ásia, Au Lai-Chong, muitos clientes procuram produtos com maiores rendimentos, bem como alternativas de menor risco.
“Actualmente, as taxas de depósito estão relativamente altas, e a tendência parece ser de descida, com os investidores a procurarem alternativas com menor risco”, diz a responsável em declarações à Revista Macau.
“Com a incerteza macroeconómica actual, é importante, enquanto consultores de investimento, aconselharmos os nossos clientes a diversificarem os seus portfólios, não apenas com obrigações, mas também com acções e investimentos alternativos”, acrescenta.
Mercado lusófono
A interligação das infra-estruturas dos mercados obrigacionistas de Hong Kong e Macau criou um canal que permite que investidores de ambas as regiões participem de forma mais conveniente e eficiente nos mercados obrigacionistas de cada lado.
Aquando do lançamento oficial em Janeiro, Chan Sau San afirmou que a iniciativa “oferece aos investidores internacionais, incluindo dos países de língua portuguesa, um canal conveniente para participar nos mercados obrigacionistas de Hong Kong e Macau, reforçando ainda mais o papel de Macau como ‘Plataforma de Serviços Financeiros entre a China e os Países de Língua Portuguesa’”.
“A AMCM continuará a construir um mercado obrigacionista que ligue o Interior da China ao mercado internacional, promovendo novas áreas de actividades financeiras e apoiando o desenvolvimento económico diversificado de Macau”, salientou o presidente da instituição.
Macau tem envidado esforços para aprofundar o seu papel como plataforma sino-lusófona para serviços financeiros, visando promover serviços diversificados de investimento e financiamento no âmbito da iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”.
Em Setembro de 2024, Macau foi palco da “2.ª Conferência dos Governadores dos Bancos Centrais e dos Quadros da Área Financeira entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, onde foram discutidas possibilidades de cooperação no sector financeiro.
Na altura, foi noticiado que os bancos centrais de Angola e de Timor-Leste expressaram interesse em emitir dívida pública na RAEM, visando atrair investidores do Interior da China.
“Falámos com o Banco Nacional de Angola e o Banco Central de Timor-Leste. Todos eles estão interessados, mas ainda precisam de estudar as condições”, explicou Lau Hang Kun, membro do Conselho de Administração da AMCM, em comentários aos jornalistas durante a cerimónia de lançamento oficial da rede directa entre Hong Kong e Macau. A mesma responsável realçou que os países lusófonos e os seus investidores poderão utilizar este canal para investir em Macau.