Lawrence Che Fok Sang, um dos fundadores da produtora musical Chessman Entertainment & Production Co. Ltd., não tem dúvidas de que Macau tem as bases para se tornar numa “Cidade de Espectáculos”, um dos objectivos do Governo como parte do plano de diversificação económica. Há mais de 20 anos a trabalhar no sector, o também director da Associação Comercial Federal da Indústria de Convenções e Exposições de Macau fala à Revista Macau sobre o que mudou na indústria do entretenimento local
Texto Stephanie Lai
Como surgiu o interesse pela indústria do entretenimento e como é que isso levou à criação, em 2001, da Chessman Entertainment?
Este percurso começou quando estava no segundo ano do meu curso universitário – com os meus dois parceiros, Siu Lam [Jones Chong Cho Lam] e Siu Fay [Chui Chi Iong]. Na altura, os dois estavam numa banda chamada “C-Plus”. O Siu Lam e eu estudávamos na Universidade de Macau, enquanto o Siu Fay estava no então Instituto Politécnico de Macau. Na altura, estávamos à frente de um grupo musical […] e queríamos muito criar a nossa própria música.
Foi nessa altura, durante os nossos anos no ensino superior, que decidimos organizar concursos e concertos de bandas que tinham como requisito composições originais. Nessa altura, os membros mais velhos do grupo musical já realizavam este tipo de concursos baseados em “covers”; embora também tivéssemos “covers”, optámos então por organizar o primeiro concurso para composições originais. Esta aposta permitiu-nos ganhar experiência em várias áreas, visto que fomos construindo uma rede de contactos com várias entidades ligadas à produção de espectáculos: desde fornecedores de luzes, sistemas de som, patrocinadores, para além de aprendermos a gerir o lado financeiro destes projectos. Portanto, tivemos aí a base para aprender a organizar um espectáculo de forma eficaz com diferentes recursos, incluindo mão-de-obra.
Quando estávamos perto de terminar os nossos estudos universitários, chegámos à conclusão de que seria interessante trabalhar na promoção do panorama musical de Macau, desde a formação de artistas locais à produção musical e gestão de espectáculos, que é o objectivo fundamental desta empresa. Foi assim, de uma paixão comum, que surgiu a Chessman Entertainment.
Passados cerca de dez anos [após a fundação da Chessman Entertainment], deu-se um passo importante, que foi a contratação a tempo inteiro dos primeiros artistas da empresa – que tinham os seus próprios gestores –, e tivemos aqui na empresa produtores musicais e compositores. Ao mesmo tempo, também realizámos eventos, como actividades promovidas pelo Governo de Macau.
Quando começámos, o nosso escritório era a sala de estar da casa do Siu Fay, com um único computador. Fazíamos um pouco de tudo, incluindo o design gráfico para as actividades que organizávamos. Ficámos nesta fase embrionária durante cerca de um ano, até finalmente arrendarmos o nosso escritório, espaço onde ainda estamos após mais de 20 anos.
Qual o papel que assume na estrutura da Chessman Entertainment?
Eu sempre fui o elemento dos bastidores: enquanto os outros dois [Siu Lam e Siu Fay] estavam no palco a cantar, eu desempenhava as funções de gestor, tratando de todos os assuntos relacionados com as actuações deles. No que toca a eventos, eu era o produtor do espectáculo e, por vezes, também o realizador. Este é um trabalho que tenho vindo a fazer há anos e agora já vemos gerações de colegas que também desempenham estas funções [nos bastidores], seja na empresa ou a trabalhar noutro lugar desta indústria [do entretenimento].
Ao longo de mais de duas décadas, quais as principais mudanças que observou na indústria local do entretenimento?
O desenvolvimento do sector esteve sempre ligado ao progresso económico e social de Macau. Logo após arrendarmos o nosso escritório, deparámo-nos com o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS, na sigla em inglês), que colocou vários obstáculos à indústria. Na altura, o mercado de entretenimento e lazer não estava diversificado e os nossos clientes eram apenas as instituições governamentais. Portanto, qualquer redução no número de eventos significava que praticamente não tínhamos volume de negócio.
Enfrentámos vários desafios até 2006, altura em que estávamos quase sem poupanças e mal conseguíamos pagar a renda do escritório – uma fase em que pensámos extinguir a empresa. Felizmente, optámos por continuar e, no ano seguinte, quando o antigo hotel Crown [Macau] – agora Altira – abriu portas, conseguimos estabelecer um contrato que nos dava alguma segurança.
A partir daí, conseguimos dar continuidade ao projecto, que foi crescendo e ganhando nova dimensão. O primeiro concerto organizado pela nossa empresa teve lugar há cerca de dez anos e foi a partir desse momento que assistimos a um progresso mais evidente nesta área dos concertos e espectáculos, passando de um modelo em que os organizadores dos eventos ofereciam quase a totalidade dos bilhetes até aos dias de hoje, em que as pessoas já pagam pelos seus próprios bilhetes, o que resulta num modelo mais sustentável para a indústria.

Além disso, as empresas de turismo e lazer integrados têm reservado bilhetes para espectáculos em bloco, com base na procura dos seus próprios clientes, como uma oferta complementar, porque precisam de lhes assegurar um leque variado de entretenimento. Claro que, quando se acolhem concertos de artistas internacionais e mais famosos, tal significa que haverá um volume maior de reservas de bilhetes. Isto garante a bilheteira e é, na verdade, o ponto forte da organização de espectáculos em Macau. Por outro lado, tal também é possível actualmente porque a cidade tem agora vários recintos de espectáculos de alto nível e outras instalações de apoio, o que facilita a organização de espectáculos em Macau.
Hoje em dia, durante alguns períodos do ano, há pelo menos quatro a cinco concertos por semana, podendo chegar até oito ou nove durante determinadas épocas. Isto é um grande contraste com o passado, quando as pessoas precisavam de se deslocar a Hong Kong para assistir a um concerto.
A Chessman Entertainment expandiu-se para Hong Kong há cerca de uma década. Como é que esse passo se integrou no desenvolvimento da empresa?
Há 11 anos, o meu sócio fundou a Chessman Hong Kong. Foi uma boa decisão, no sentido em que conseguimos desenvolver uma boa rede de contactos lá, o que se tornou benéfico e conveniente para os nossos projectos aqui, incluindo a promoção de artistas e a apresentação de alguns espectáculos em Macau.
A criação [da Chessman Hong Kong] aconteceu quando o meu parceiro propôs uma parceria com Bob Lam [um mestre de cerimónias e actor de Hong Kong], depois de termos cooperado em várias ocasiões, nomeadamente na organização de espectáculos dele em Macau, no início da sua carreira. Desde então, a Chessman Hong Kong começou a oferecer serviços de gestão de artistas e organização de eventos, bem como serviços de design e branding, contando actualmente com cerca de 50 a 60 colaboradores. Entretanto, lançámos também a empresa Chessman Online, que providencia principalmente campanhas e estratégias de promoção online a vários clientes.
Com o passar dos anos, mais empresas de organização de eventos e promoção de artistas entraram no mercado local. Como é que isso alterou o panorama do sector?
Nos últimos 20 anos, temos visto várias empresas locais que oferecem serviços semelhantes a surgirem neste sector. Embora o número no mercado local ronde talvez as dez empresas – e a maioria de pequena escala –, penso que é um número bastante adequado, tendo em conta a proporção do mercado e a densidade populacional de Macau.
No futuro, poderá haver empresas de fora de Macau – por exemplo, do Interior da China ou de Hong Kong – que façam parcerias com empresas locais [para a organização de espectáculos].
Tendo em consideração as políticas do Governo, entre as quais o objectivo de tornar Macau numa “Cidade de Espectáculos”, bem como o facto de as empresas de turismo e lazer integrados terem assumido o compromisso de desenvolver elementos não relacionados com o jogo, deverá haver cada vez mais interesse de empresas do exterior de Macau em organizar eventos e espectáculos na cidade, especialmente pelo facto de se poder chegar a um público mais vasto, como o mercado do Interior da China.
Após 2019, e durante alguns anos, várias indústrias foram afectadas pela COVID-19. Após o relaxamento das restrições ligadas à pandemia, como foi a recuperação do sector do entretenimento? O que impulsionou o crescimento pós-pandemia?
O ano de 2019 foi um pico para a indústria local do entretenimento, com a cidade a ser palco de uma série de concertos. Após o impacto durante os anos da COVID-19, assistimos a um crescimento exponencial em 2023. Em 2024, registou-se também crescimento no sector, embora um pouco mais moderado relativamente ao ano anterior.

Em termos de programação de artistas para os espectáculos, o actual modelo ainda é semelhante ao que se observava no período pré-COVID. A razão pela qual o perfil dos artistas é semelhante é porque o mercado [público] alvo ainda está orientado para o Interior da China.
Por outro lado, visto que o desenvolvimento de elementos não relacionados com o jogo é fundamental na estratégia de diversificação económica, tal acaba por ter impacto na abordagem das empresas de turismo e lazer integrados, que, nesse sentido, procuram criar ofertas que sejam rentáveis e ajudem a desenvolver ainda mais os seus projectos, cumprindo os seus contratos e disponibilizando aos seus clientes um leque de ofertas mais abrangente. Esta abordagem, por sua vez, beneficiou e impulsionou também a nossa indústria.
Com base nisto, tenho uma visão optimista de que Macau se pode tornar – até certa dimensão – numa “Cidade de Espectáculos” no prazo de dez anos, uma vez que todas as empresas [de turismo e lazer integrados] encaram com seriedade o planeamento e a organização de espectáculos como parte integrante da sua oferta.
Considera que Macau tem potencial para competir a nível regional e internacional como um destino de espectáculos? O que mais será necessário para atingir esse estatuto?
Diria que estamos numa “primeira fase”, na qual podemos ver que os concertos e os espectáculos começaram a alavancar outros negócios periféricos, como a produção teatral e as carreiras dos próprios artistas.
Para se chegar à próxima fase – tornando-se numa verdadeira “Cidade de Espectáculos” –, são necessários muitos mais esforços. A nossa sociedade e o próprio sistema educativo ainda consideram o sector do entretenimento e das artes performativas como algo que “não dá dinheiro”. Enquanto esta mentalidade se mantiver, não será fácil conseguir que Macau se desenvolva como uma verdadeira “Cidade de Espectáculos”.
No futuro, Macau poderá tornar-se num lugar como Las Vegas, que acolherá vários espectáculos ricos em diversidade. Mas, no que diz respeito a ser um lugar capaz de ter influência cultural sobre o resto do mundo – que é o que penso ser o objectivo máximo de uma verdadeira “Cidade de Espectáculos” –, será necessário muito mais em termos locais para o concretizar.
Macau inaugurou em Dezembro um recinto de espectáculos ao ar livre com capacidade para mais de 50 mil espectadores. Qual a importância deste local para a indústria do entretenimento?
Este recinto vai ajudar a dar mais visibilidade a Macau como palco para espectáculos de maior envergadura, servindo como um atractivo para os organizadores de eventos na Ásia, uma vez que tem toda uma política governamental de apoio e existem novos locais de espectáculos por toda a cidade. A criação deste recinto ao ar livre não foi um processo fácil, mas o Governo conseguiu identificar o terreno para servir este propósito e investiu para criar as condições necessárias à utilização do espaço. Devemos elogiar este esforço e os objectivos que a iniciativa se propõe alcançar.
A região vizinha de Hong Kong já tem uma indústria de entretenimento consolidada, sendo um palco para vários eventos internacionais. Considera que a relação entre as duas cidades, no que diz respeito ao sector do entretenimento, é mais de colaboração ou competição?
Ainda temos muitas pessoas de Hong Kong a trabalhar na indústria de entretenimento de Macau. Francamente, o sector local não conseguiria ainda sobreviver sem Hong Kong, quer estejamos a falar de trabalhadores da indústria ou mesmo de artistas.
A nossa relação, daqui para a frente, deverá estreitar-se ainda mais para que as duas cidades possam, em conjunto, ser promovidas a nível internacional, com vista a atrair mais eventos para esta região. Isto poderá dar às pessoas mais motivos para visitarem as duas cidades numa só viagem, onde os espectáculos servem como apenas um dos elementos para impulsionar o turismo, juntamente com as atracções nas duas cidades e outro tipo de eventos.