Dança de rua

Rebel Z à conquista de palcos internacionais

Em Julho de 2024, o grupo “Rebel Z” competiu nas finais do “World of Dance” em Los Angeles
Foi a primeira equipa composta por elementos de Macau a competir nas prestigiadas finais do “World of Dance”. Com o grupo “Rebel Z”, Jarvis Mo concretizou um dos seus sonhos e confirmou o que há muito já sabia: os dançarinos de Macau podem competir contra os melhores do mundo. O objectivo agora, diz, é inspirar uma nova geração de talentos

Texto Tony Lai

Quando Jarvis Mo começou a dar os primeiros passos no mundo da dança de rua, em 2012, já tinha um sonho bem presente: representar Macau no palco internacional. Ao ver vídeos de competições internacionais, como o “World of Dance”, o então aspirante a dançarino ficou mesmerizado. “Fiquei cativado pela demonstração de talento e habilidade dos concorrentes”, diz Jarvis Mo em entrevista à Revista Macau. “Nessa altura, pensei que seria incrível se pudesse participar nesta competição de renome internacional.”

Mais de 12 anos depois, Jarvis Mo, agora um talentoso coreógrafo, bailarino e proprietário de um estúdio de dança, transformou o sonho em realidade. Em Julho de 2024, liderou o colectivo “Rebel Z”, um grupo de dança local composto por 21 elementos, nas finais do “World of Dance” em Los Angeles, nos Estados Unidos da América. O feito, que marcou a primeira vez que um grupo de Macau participou nas finais da prestigiada competição internacional, redundou num 14.º lugar entre 52 equipas compostas por alguns dos maiores talentos mundiais da dança.

“Assim que terminámos a nossa participação, o meu primeiro pensamento foi que os bailarinos e coreógrafos de Macau podem competir contra os melhores a nível internacional”, afirma Jarvis Mo. “Somos igualmente capazes.”

A conquista, porém, não foi fácil: foi o resultado de anos de treinos, tentativas e erros, sacrifícios e, acima de tudo, uma determinação inabalável, conta o coreógrafo.

Competir para crescer

Jarvis Mo fundou o grupo “Rebel Z” em 2019, reunindo 11 dançarinos locais que partilhavam a mesma paixão pela dança de rua e o desejo de aprimorar os seus estilos. “Quando começámos este grupo, queríamos estar livres de restrições e acompanhar o que de melhor se fazia pelo mundo fora”, diz o coreógrafo, agora com 32 anos.

Desde o início, a equipa comprometeu-se com uma rotina regular de treinos e participou em competições locais e regionais como forma de testar as suas habilidades. “As competições dão-nos feedback instantâneo sobre onde estamos e o que precisamos de melhorar”, explica Jarvis Mo. “É muito simples – através da competição com outras equipas e dos contributos dos juízes, aprendemos e crescemos.”

Além da dança, Jarvis Mo revela também uma paixão pela coreografia

A primeira competição, realizada em Shenzhen, em 2019, produziu resultados modestos. Mas, através do treino e do espírito de união, o grupo “Rebel Z” começou a crescer e a atrair novos dançarinos. Em 2020, o colectivo conquistou o primeiro troféu de relevo na competição local “May We Dance”, consolidando a reputação do grupo no panorama da dança de Macau. A pandemia da COVID-19, no entanto, interrompeu o ritmo de crescimento do grupo, devido às restrições às viagens e ao cancelamento de eventos, que limitaram as oportunidades de competir.

Mas nem isso desmotivou os dançarinos, salienta Jarvis Mo. O grupo continuou a treinar regularmente e a aperfeiçoar as técnicas e os estilos, com 2023 a marcar o arranque de um novo ciclo. O “Rebel Z” rapidamente voltou a atenção para as eliminatórias do “World of Dance” realizadas em Hong Kong nesse mesmo ano. A prestação valeu-lhes um terceiro lugar, garantindo uma cobiçada vaga para as finais da competição em Los Angeles, em Julho do ano passado.

Sonhos e sacrifícios

Em plena preparação para a competição em Los Angeles, os membros do “Rebel Z” realizaram duas sessões de treino por semana. Porém, coordenar as sessões não foi tarefa fácil para uma equipa de 21 elementos em que apenas Jarvis Mo se dedica a tempo inteiro, tanto na pele de coreógrafo, como de dançarino.

“A maioria dos nossos dançarinos tem empregos a tempo inteiro, como professores, enfermeiros ou funcionários públicos, e alguns são estudantes”, explica o líder do “Rebel Z”. “Foi um desafio reunir todos para praticar porque todos estavam ocupados com os seus afazeres do dia-a-dia.”

As sessões semanais de treino tinham de ser realizadas à noite, começando por volta das oito da noite, até para lá da meia-noite. Além das horas de treino, os membros do “Rebel Z” tiveram de gerir os seus compromissos profissionais com uma viagem ao outro lado do mundo para competir nas finais. “Alguns deles tiveram mesmo de tirar uma licença não remunerada”, acrescenta Jarvis Mo, enfatizando os sacrifícios feitos pela sua equipa.


“Espero liderar uma equipa de Macau capaz de terminar entre os três primeiros classificados no ‘World of Dance’ nos próximos cinco anos”

JARVIS MO
FUNDADOR DO GRUPO REBEL Z

Esses sacrifícios também se fizeram sentir no bolso, confessa o coreógrafo. Sem patrocínios ou outro tipo de financiamento externo, toda a equipa teve de suportar o encargo financeiro da participação num evento internacional desta dimensão. O custo total, avança Jarvis Mo, atingiu as 700 mil patacas, cobrindo as taxas de inscrição na competição, voos, alojamento, alimentação, cursos de formação, entre outros.

Para que fosse financeiramente possível, Jarvis Mo destaca como o plano teve de ser preparado meticulosamente com antecedência, num sonho que começou a ser construído vários anos antes.

Entre 2017 e 2019, o dançarino diz ter trabalhado incansavelmente para poupar dinheiro, participando em inúmeros espectáculos comerciais e dando aulas de dança em Macau e nas regiões vizinhas. “A minha agenda era apertada na altura”, recorda. “Por norma, trabalhava e treinava das sete da manhã até às duas da manhã do dia seguinte. Foi difícil, mas permitiu-me amealhar os recursos [financeiros] que precisava para conseguir alcançar os meus objectivos”, sustenta.

Os bons rebeldes

Mais importante ainda, destaca Jarvis Mo, foi o facto de os outros 20 membros do grupo estarem igualmente empenhados numa visão partilhada: brilhar no palco do mundo da dança. “É realmente uma loucura termos conseguido este feito”, admite Jarvis Mo. “Claro, temos noção de que a participação nesta competição global não tem efeitos práticos, porque não há retorno financeiro ou material e a maioria das pessoas em Macau nem sequer compreende ou dá valor ao que conquistámos.”

No meio desta odisseia, o espírito rebelde da equipa manteve-se fiel ao nome do grupo, defende o fundador. “Somos bastante rebeldes na persecução dos nossos sonhos”, garante Jarvis Mo. “Nunca uma equipa composta apenas por elementos de Macau tinha participado nas finais do ‘World of Dance’ e nós queríamos e conseguimos mudar isso”, realça.

O “Rebel Z” tornou-se no primeiro grupo de dançarinos de Macau a competir nas finais do “World of Dance”

Criado em 2008, o “World of Dance” evoluiu de um único evento em Los Angeles para uma competição de renome mundial. As equipas são avaliadas por um painel de celebridades do mundo da dança, profissionais da indústria e influenciadores, de acordo com cinco critérios principais: desempenho, técnica, coreografia, criatividade e apresentação, com uma pontuação total de 100 pontos.

Competindo com alguns dos melhores talentos mundiais nas finais em Los Angeles, o “Rebel Z” garantiu o 14.º lugar, ficando apenas a 5,5 pontos da equipa campeã e a apenas um ponto da oitava classificada. “Estes resultados demonstraram o quão competitivas foram as finais, bem como a nossa capacidade de estar entre os melhores”, diz Jarvis Mo. “Alguns dos concorrentes eram dançarinos e coreógrafos de classe mundial que até tínhamos convidado anteriormente para masterclasses em Macau, mas conseguimos vencê-los nas finais”, recorda o fundador do “Rebel Z”.

O grupo recebeu também feedback valioso dos membros do júri, que elogiaram a coreografia e o conceito criativo apresentado na competição. “Em termos de ideias, experiência, atitude e criatividade, estávamos ao mesmo nível de outros dançarinos e coreógrafos de classe mundial”, afirma Jarvis Mo. “Mas onde ficámos aquém dos outros concorrentes foi na aptidão física, flexibilidade e potência explosiva. Estes atributos permitem que outros dançarinos executem técnicas mais avançadas e dinâmicas”, explica.

Jarvis Mo ficou também impressionado com a diversidade e origens dos elementos dos principais concorrentes, visto que a equipa campeã não era composta inteiramente por dançarinos profissionais. “Alguns eram advogados e médicos”, revela o coreógrafo de Macau. “Todos assumiam que eram dançarinos a tempo inteiro porque eram excepcionais, mas acontece que apenas o seu coreógrafo era bailarino profissional. Isto sublinha um ponto importante: mesmo com recursos limitados, os dançarinos de Macau conseguiram atingir o auge do mundo da dança”, sublinha Jarvis Mo.

Metas mais ambiciosas

Após um período de retrospecção, Jarvis Mo diz ter agora uma nova missão: “Através da competição [em Los Angeles], identifiquei áreas onde podemos melhorar”, afirma. “Nos próximos um ou dois anos, quero concentrar-me em refinar estes aspectos antes de nos desafiarmos novamente.”

Mas as ambições são ainda maiores, com Jarvis Mo a estabelecer um objectivo mais ousado: “Espero liderar uma equipa de Macau capaz de terminar entre os três primeiros classificados no ‘World of Dance’ nos próximos cinco anos”.

Outro projecto importante este ano é a criação de vídeos de dança em locais icónicos dos bairros de Macau. Estes vídeos vão integrar a dança de rua na vida quotidiana dos residentes, ao mesmo tempo que lhes vão mostrando ambientes familiares. “Esta iniciativa pode ajudar a promover as comunidades locais e a cultura da dança junto do público em geral”, explica.

Manter uma rotina de treinos é um dos principais desafios, uma vez que os membros não são dançarinos profissionais

Com estes esforços, Jarvis Mo espera também inspirar a próxima geração de dançarinos locais e transformar o panorama da dança de Macau. Este ano, o estúdio de dança planeia acolher pelo menos duas apresentações públicas para estudantes, proporcionando plataformas para apoiar jovens talentos locais.

“Pretendo também ajudar e encorajar mais bailarinos locais a aventurarem-se no estrangeiro, a envolverem-se em intercâmbios com colegas de outras regiões, a participarem em competições e a promoverem o seu perfil a nível internacional”, avança o coreógrafo. “Depois das finais do ‘World of Dance’, penso menos no que posso alcançar pessoalmente e mais nas mudanças que posso trazer para apoiar os jovens dançarinos e estudantes”, acrescenta Jarvis Mo.

O coreógrafo lembra que a sua própria carreira o levou a vários outros locais para performances, treinos, competições e intercâmbios culturais, incluindo ao Interior da China, a Hong Kong, Taiwan, Filipinas, Japão, Coreia do Sul, Portugal, Polónia e Estados Unidos. “Estas experiências no exterior alargaram os meus horizontes”, reflecte. “Tive a oportunidade de explorar e apreciar diferentes formas de arte para além da dança de rua, como artes visuais, música, filmes e muito mais”, sublinha.

Para Jarvis Mo, a dança de rua é mais do que uma performance: é uma expressão cultural e artística. “A dança de rua faz parte da nossa cultura e a cultura enriquece-se através de trocas”, explica. “Os estilos de dança de rua variam de lugar para lugar, reflectindo os estilos de vida e os apelos únicos de cada região. Visitar outros locais, aprender sobre a sua dança de rua e cultura e trazer esse conhecimento de volta para Macau pode melhorar significativamente o panorama da dança de rua em Macau”, conclui.