Uma nova era no futebol de Macau pode estar a despontar com a entrada de um novo responsável pela selecção principal. Kenneth Kwok vem de perto, de Hong Kong, e traz muitas ideias para tentar mudar mentalidades e acabar com o amadorismo na modalidade
Texto Vítor Rebelo
Fotografia Cheong Kam Ka
Semiprofissionalizar o futebol da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e conseguir que a selecção passe as eliminatórias para passar à fase de grupos na Taça Asiática são dois projectos que o novo seleccionador, Kenneth Kwok Kar-lok, pretende concretizar.
O treinador, natural de Hong Kong, mas com uma “costela” macaense, quer incutir nos jogadores uma mentalidade mais ambiciosa, com o objectivo de melhorar a qualidade da equipa e subir no ranking do futebol asiático.
Kenneth Kwok, que completa este mês 45 anos, iniciou a carreira de treinador há 12 anos, tendo sido técnico da selecção de sub-23 de Hong Kong e por duas vezes seleccionador principal interino na formação sénior da região vizinha.
Filho de Kwok Kam-hung, antigo jogador que esteve presente nos Jogos Olímpicos de 1960, o actual treinador da equipa de Macau herdou do pai o gosto pelo futebol. “Eu assisti a muitos dos seus jogos e também o acompanhava nas deslocações a Macau para ver os meus tios, que actuavam em equipas locais, e visitar alguns membros da família que aqui viviam”, conta Kenneth Kwok em entrevista à Revista Macau.
O técnico tem, por isso, uma ligação especial a Macau, não tendo sequer hesitado quando recebeu o convite da Associação de Futebol de Macau (AFM). “Disse-lhes imediatamente que estava interessado, pois esse sempre foi um dos sonhos que gostava de concretizar, até para o dedicar ao meu pai”, sublinha.
“A minha ideia é contribuir para que a selecção não pare de trabalhar e faça algo praticamente todas as semanas, campo, ginásio e sessões estritamente teóricas, do género de mesas redondas sobre conceitos de futebol, porque esta modalidade também se pode aprender de várias formas fora dos relvados”, afirma.
A importância de competir
Kenneth Kwok sucedeu no cargo ao luso-angolano Lázaro Oliveira, que esteve à frente da selecção da RAEM cerca de dois anos, acompanhado do adjunto português Pedro Simões, e optou por não renovar. Para qualquer seleccionador, o ritmo competitivo é importante, mas, segundo o novo timoneiro do futebol da RAEM, há outro tipo de trabalho a realizar antes de a equipa defrontar os adversários no relvado.
“Temos de mudar a mentalidade dos jogadores, treinadores e até dirigentes, caminhando o mais depressa possível para a semiprofissionalização do futebol”, avança Kenneth Kwok, acrescentando que “já é tempo de se acabar com um amadorismo a 100 por cento, que é aquilo que praticamente existe em Macau”.

Chamar a atenção de atletas e técnicos para a necessidade de mudança faz parte do projecto e da missão de Kenneth Kwok na RAEM. “Quero implementar novas rotinas na vida dos jogadores, como, por exemplo, treinar pelo menos dia sim dia não, nem que seja pela manhã, antes de muitos deles irem para os seus empregos, desenvolvendo um bom hábito de dormir e acordar cedo.”
Para o novo seleccionador, os jogadores, se querem um dia ser profissionais de futebol – “e eu vou sempre encorajá-los a seguir esse caminho”, diz – têm de se sacrificar para atingir o objectivo. “É sobre isso também que temos falado nestes primeiros tempos sob a minha orientação e eu julgo que eles estão agora um pouco mais sensibilizados.”
Recuperar jogadores
Na sequência da sua postura, Kenneth Kwok pretende contar com todos os jogadores elegíveis que Macau dispõe, mesmo os que agora se encontram indisponíveis por qualquer razão.
Nesse sentido, o seleccionador já falou com um dos melhores avançados que o futebol da RAEM tem, Leong Ka Hang, que não voltou a representar a selecção desde que, em 2019, os dirigentes da AFM optaram por não comparecer no desafio diante do Sri Lanka, na segunda mão da qualificação para a Taça Asiática, por considerarem que não estavam reunidas as condições de segurança para a deslocação a Colombo.
“Fiz-lhe ver que ele é importante para a selecção e eu quero contar com a sua presença”, confirma o técnico. No entanto, “o Leong Ka Hang necessita de alguns meses para voltar a ter a forma física que tinha, uma vez que está parado há algum tempo”.
A selecção da RAEM fez nesta nova era um primeiro desafio internacional, diante de Guam, a contar para a fase de apuramento para o Campeonato da Ásia Oriental. O jogo, realizado em Dezembro de 2024, terminou com uma derrota por 2-1 para a selecção local.
Guam ocupa o lugar 203 do ranking mundial, 10 posições abaixo de Macau. Apesar da diferença, o novo seleccionador viu um jogo “equilibrado”, com uma igualdade a um golo ao intervalo e que apenas pendeu para o Sri Lanka porque “Macau não aproveitou várias oportunidades que criou ao longo dos 90 minutos do encontro”.
Apesar do desaire, Kenneth Kwok já viu uma equipa à sua medida, mas reconhece que não é fácil rivalizar com outras realidades do futebol fora de Macau. “A grande maioria das selecções, mesmo as desta zona geográfica, por isso em posições mais baixas no ranking, possui vários jogadores naturalizados, semiprofissionais, e isso faz a diferença”, refere.
Nos jogos seguintes, face a Guangdong, a duas mãos e a contar para o Interport anual, Macau empatou em casa sem golos e perdeu por 3-2 no Interior da China. Mesmo assim, Kenneth Kwok afirma ter notado “melhorias na equipa”, o que o deixou “satisfeito”.
Preferências tácticas
O técnico é apologista de uma defesa com três centrais e os laterais a funcionarem como médios. “É assim que eu gosto que as minhas equipas joguem, com segurança e concentração defensivas, desdobrando-se depois para terem sempre seis ou sete jogadores empenhados no ataque, em posição de fazer golo”, indica o seleccionador.
É com este espírito que Kenneth Kwok pretende corresponder ao que dele esperam os dirigentes da AFM, tendo já elaborado um plano para o corrente ano. O projecto, transmitido aos atletas, integra um desafio amigável a realizar, fora de casa, em Março, seguindo-se outro em Junho. Depois acontecerá uma preparação mais intensa para jogadores mais jovens, que terão o Campeonato Asiático de Futebol sub-23 em Setembro.

Sobre a integração de jovens na formação principal, o técnico, que contará com Filipe Duarte e Emmanuel Noruega como adjuntos, garante que pelo menos quatro ou cinco irão fazer parte da equipa. “Macau tem muitos jovens com valor, distribuídos por vários clubes de juniores. O que é preciso é que essas equipas apostem neles, os façam subir ao plantel sénior e lhes dêem oportunidade de jogar”, afirma o seleccionador.
Relativamente aos jovens que já estão a ter a primeira experiência na formação principal da RAEM, ou que estão prestes a fazê-lo, o treinador tomou uma primeira decisão, que pode ter continuidade, pelo menos enquanto for o seleccionador.
Tirando partido das relações que Kenneth Kwok tem com o futebol de Hong Kong, três jogadores de Macau – Leung Chi Seng, So Hin Nang e Lei Cheng Lam – fizeram um estágio de uma semana no Eastern, clube da I Divisão da região vizinha. “Foi certamente uma excelente oportunidade que eles tiveram e que me relataram ter sido muito positiva”, diz o treinador, que orientou a formação principal de Hong Kong nos Jogos Asiáticos de 2018, em Jacarta, na Indonésia.
“Vou procurar manter este tipo de estágios, porque a realidade de Hong Kong é bastante diferente da de Macau e as sessões de treino constituem uma mais-valia para eles, uma vez que se trata de equipas profissionais”, defende.
Formação de treinadores fundamental
A formação de treinadores de futebol em Macau é igualmente considerada de grande importância para o futuro e para a almejada semiprofissionalização da modalidade. Kenneth Kwok quer reunir com os técnicos dos clubes com “grande regularidade”, com o objectivo de fazer uma análise sobre o trabalho que é desenvolvido.
O seleccionador assinou um contrato de um ano, automaticamente renovável, esperando poder corresponder ao que esperam do seu trabalho. “Desejo que o futebol de Macau progrida e que eu possa contribuir para que tal seja uma realidade”, sublinha.
Kenneth Kwok tem sonhos definidos enquanto responsável pelo comando técnico da equipa da RAEM. Um deles aponta para uma qualificação inédita: “colocar a selecção de Macau na fase de grupos do apuramento para a Taça Asiática”.
A tarefa nem parece assim tão difícil de concretizar, uma vez que para isso é preciso apenas passar a pré-eliminatória, uma tarefa que se tem demonstrado elusiva, como aconteceu, no ano passado, diante do Brunei.
No final da entrevista, foi pedido a Kenneth Kwok que partilhasse as suas preferências sobre os jogadores de futebol internacional. Para o seleccionador, os centro-campistas são jogadores que devem ter maior destaque.
“Os homens do centro do terreno são fundamentais na manobra de uma equipa, quer a defender, quer a atacar”, explica. As suas preferências: Rodrigo Hernández, espanhol do Manchester City, entre os actuais jogadores, e o britânico David Beckham, que já pendurou as chuteiras. “Este foi, na minha opinião, o melhor de sempre”, remata Kenneth Kwok.