Desde Maio que a nova política de vistos de grupo de múltiplas entradas entre Macau e Hengqin está em vigor, permitindo que visitantes do Interior da China possam entrar e sair da RAEM sem limitações durante um período de sete dias, recorrendo a um mesmo visto. As indústrias dos eventos e turismo são aquelas que mais saem beneficiadas com a medida do Governo Central, aplaudida por diversos representantes daqueles sectores
Texto Viviana Chan
Logo após a entrada em vigor, no início de Maio, da nova política de vistos de grupo de múltiplas entradas entre a Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e a vizinha ilha de Hengqin, na província de Guangdong, o presidente da Associação dos Sectores de Convenções, Exposições e Turismo de Macau, Alan Ho Hoi Meng, viu o seu volume de trabalho disparar. Com o aumento esperado das interacções entre Hengqin e Macau estimuladas pela nova política, houve necessidade de colocar mãos à obra e atravessar a fronteira entre os dois lados com maior frequência.
Alan Ho fala com a Revista Macau pouco depois de ter chegado de mais uma deslocação a Hengqin, onde foi participar num simpósio sobre comércio electrónico transfronteiriço. O responsável partilha com entusiasmo a notícia de que Macau acaba de receber aprovação por parte da Administração-Geral do Desporto da China para acolher uma competição nacional de basquetebol juvenil em colaboração com Hengqin.
“Será a primeira vez que Macau acolhe este tipo de competição de nível nacional. Isto não só demonstra o apoio do Governo Central a Macau, mas também será um teste para o sector, utilizando o novo tipo de visto para explorar novas possibilidades”, aponta o dirigente associativo.
“Antigamente, para atletas que participavam neste tipo de competição desportiva, a viagem era muito cansativa, pois precisavam de regressar ao Interior da China no próprio dia, devido aos custos do alojamento em Macau. Agora, com este novo tipo de visto, eles podem ficar em Hengqin, aproveitando o alojamento a preços acessíveis, e explorar Macau no dia seguinte”, acrescenta Alan Ho.
Conveniência, diversificação e aprofundamento
O novo tipo de visto, com duração máxima de sete dias, alarga substancialmente os horizontes das empresas de Macau ligadas à organização de eventos, continua o responsável. Não se trata apenas de poder contar com o parque hoteleiro do lado de lá da Ponte de Flor de Lótus para alojar participantes. A nova política abre espaço para que possam ser utilizadas as infra-estruturas de Hengqin para, por exemplo, exposições ou actividades ao ar livre. A este respeito, Alan Ho revela que o sector está já a planear exposições de animais de estimação, campismo e autocaravanas em Hengqin, tópicos que não eram possíveis de abordar no passado, devido às limitações existentes em Macau.
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O responsável explica que, de forma geral, a nova política de vistos dá impulso ao sector da organização de eventos a três níveis: conveniência, diversificação e aprofundamento.
A conveniência, nota Alan Ho, significa que tanto os organizadores de eventos como os respectivos participantes gozam agora de maior flexibilidade no planeamento dos seus itinerários, com mais opções de escolha de alojamento e requisitos menos restritivos no que toca ao número mínimo de pessoas necessário para aceder a um visto de grupo. De acordo com informação oficial, bastam agora duas pessoas para se formar um grupo, o qual pode ir até um máximo de 40 indivíduos. “O requisito mínimo de duas pessoas proporciona grande flexibilidade”, sublinha Alan Ho.
Além disso, o responsável aponta que, no futuro, este tipo de visto poderá ser pedido de forma electrónica, em vez de ser necessário fazê-lo através da submissão, de forma pessoal, de formulários. Aliás, residentes do Interior da China que já tenham obtido uma vez este novo tipo de visto, podem, para pedidos subsequentes, requerê-lo de forma digital, permitindo agilizar o processo.
Em relação à diversificação, a nova política não só alarga amplamente a tipologia de eventos que podem ser organizados por entidades de Macau, como, segundo Alan Ho, maximiza as potencialidades da RAEM no âmbito da estratégia governamental “turismo+”. Esta estratégia visa utilizar o sector turístico como alavanca para o desenvolvimento de outros sectores, com vista à promoção da diversificação económica.
O dirigente associativo dá um exemplo: no contexto da estratégia “turismo+” e fazendo uso da política de vistos de grupo de múltiplas entradas, Macau pode entrar no segmento das viagens estudantis de Verão, bastante populares entre os jovens do Interior da China. No passado, tal era mais difícil devido aos preços praticados pelo sector hoteleiro de Macau durante o Verão. Agora, a situação pode potencialmente mudar, defende Alan Ho.
“Durante a época alta, os hotéis em Macau são bastante caros e não têm capacidade suficiente para acomodar todos os visitantes”, explica o responsável. “Hengqin tem mais de nove mil quartos de hotel, a maioria dos quais são de três e quatro estrelas, que podem acomodar o excesso de procura que Macau não consegue absorver.”
Já no que toca à questão do aprofundamento, Alan Ho menciona que as visitas a bairros característicos de Macau são uma das ofertas populares junto de visitantes que vêm ao território para participar em eventos de carácter profissional, como convenções e exposições. A possibilidade de poderem ficar em Hengqin e visitarem Macau de forma flexível pode prolongar significativamente a permanência destes visitantes, considera o responsável. “Os participantes em eventos podem aproveitar a oportunidade para conhecerem melhor Macau, sobretudo a parte mais antiga da cidade”, diz.
Adaptar para expandir: a tarefa das agências de viagens
Segundo o presidente da Associação de Indústria Turística de Macau, Andy Wu Keng Kuong, o número total de turistas que visitaram Macau no ano passado correspondeu já a cerca de 70 por cento do valor registado em 2019, antes da pandemia da COVID-19. A recuperação continuou a acelerar e, no primeiro trimestre deste ano, o valor já ascendia a aproximadamente 85 por cento, refere o responsável. Andy Wu acrescenta que, com o crescimento estável do turismo em Macau, juntamente com as várias medidas de facilitação de entrada e saída para visitantes provenientes do Interior da China, é esperado que o número de turistas possa superar os níveis pré-pandemia já na segunda metade deste ano.
Para aproveitar as oportunidades disponibilizadas pela nova política de vistos, as associações de viagens locais precisam, porém, de se adaptar, refere o dirigente associativo. Andy Wu nota que as excursões tradicionais do Interior da China para Macau eram já um mercado em quebra, face ao aumento da proporção de turistas com visto individual. Daí que a nova política de vistos de grupo com múltiplas entradas agora introduzida seja considerada um “sinal positivo” para o sector das agências de viagens.
“No passado, muitos turistas que vinham a Macau talvez só ficassem uma noite ou fizessem uma viagem de ida e volta no mesmo dia”, afirma Andy Wu. “Mas com a implementação desta política, acredito que a frequência de visitas a Macau irá aumentar, promovendo o desenvolvimento dos negócios das agências de viagens.
Com a política de múltiplas entradas em grupo, os turistas podem pernoitar em Hengqin, “usufruindo das suas instalações de entretenimento, e depois voltar a Macau para continuar a sua visita”, diz o dirigente associativo. “Desta forma, não será necessário fazer tudo à pressa, o que anteriormente reduzia o número de atracções que os turistas conseguiam visitar em Macau, e os seus itinerários podem tornar-se mais flexíveis”, prevê.
Tal verificou-se logo com a primeira excursão a fazer uso do visto de grupo com múltiplas entradas, que chegou à RAEM a 6 de Maio. O seu itinerário, de três dias e duas noites, incluiu várias atracções em Macau e Hengqin, e uma noite em hotel em cada um dos lados.
Andy Wu aplaude o “grande apoio” dado pelas autoridades de Hengqin às agências de viagens de Macau, nomeadamente no que toca ao estabelecimento de representações na ilha. O responsável destaca as barreiras de entrada “mais baixas” e os incentivos disponibilizados. “Portanto, as agências de viagens de Macau podem expandir os seus negócios para Hengqin, oferecendo um serviço ‘one-stop’ e promovendo ainda de forma mais aprofundada o conceito de ‘uma viagem, múltiplos destinos’”, diz.
Pelas contas do responsável, actualmente, já só cerca de um terço dos grupos turísticos que visitam Macau opta por pernoitar na cidade. Daí que o responsável não espere que a nova política de vistos de grupo de múltiplas entradas se traduza, a longo prazo, num impacto negativo ao nível das taxas de ocupação hoteleira da RAEM.
A sua opinião está em linha com aquela partilhada pela responsável máxima da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) do território. De acordo com Helena de Senna Fernandes (entrevistada nesta edição da Revista Macau), o sector hoteleiro local regista actualmente taxas médias de ocupação satisfatórias – a rondar os 85 por cento, segundo dados do primeiro trimestre. No que toca, em particular, aos estabelecimentos de baixo custo ou de duas estrelas, nomeadamente aqueles abertos nos últimos anos, estes destacam-se pela sua competitividade e características próprias, defende Senna Fernandes.
Segundo um comunicado da DST, a nova política de vistos de grupo de múltiplas entradas “permitirá alargar o mercado de visitantes do Interior da China para Macau e Hengqin” e “beneficiar os negócios das agências de viagens e a actividade dos guias turísticos dos dois lados”, bem como “acelerar o desenvolvimento integrado entre a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin e a indústria do turismo de Macau”. De acordo com o organismo, as múltiplas entradas “possibilitam excursões mais aprofundadas a Macau, injectando uma nova dinâmica no turismo e economia, que contribuirá para a promoção do desenvolvimento da diversificação adequada da economia”.
De resto, para aproveitar as vantagens da nova política, a Direcção dos Serviços de Turismo garante que “está a incentivar a indústria turística a ligar eficazmente os recursos de Macau e Hengqin” e a “explorar e promover itinerários característicos”, de forma a “aproveitar cabalmente o mercado das excursões conjuntas e continuar a expandir as fontes de visitantes”.
Um novo ecossistema turístico
A criação dos vistos de grupo de múltiplas entradas para Macau é vista como uma medida positiva por diversos observadores. O académico José Wong Weng Chou, director-assistente da Faculdade de Hospitalidade e Gestão Turística da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, diz que será um catalisador no âmbito da mudança a longo prazo do ecossistema turístico de Macau.
“Tradicionalmente, o itinerário das excursões concentra-se na península de Macau. Com este novo visto, que conecta Macau com as atracções turísticas de Hengqin, o fluxo de turistas poderá ser mais equilibrado dentro do território”, diz José Wong.
Além disso, o académico aponta ao número limitado de hotéis em Macau de duas ou três estrelas, especialmente unidades cobrando menos de 500 patacas por noite.
“Aproveitar edifícios comerciais disponíveis em Hengqin pode suprir essa carência”, indica. Tal é uma referência a uma medida anunciada recentemente pelas autoridades de Hengqin permitindo a conversão de propriedades de escritórios comerciais em hotéis.
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O académico prevê que algumas agências de viagens de Macau optem por escolher Hengqin como local de eleição para alojar turistas. Nesse sentido, advoga, esta será uma diferença entre os turistas do Interior da China que visitam Macau com recurso a visto individual e aqueles que o fazem em grupo com visto de múltiplas entradas. Os turistas com visto individual, à procura de uma experiência diferenciadora, continuarão, provavelmente, a querer ficar hospedados num dos hotéis de cinco estrelas de Macau, ao passo que os visitantes com orçamentos mais limitados terão a possibilidade de pernoitar numa das unidades hoteleiras em Hengqin.
Ao visto de múltiplas entradas para Macau surge associado o conceito de viagem multidestinos. José Wong sugere que a indústria turística se foque na concepção de pacotes turísticos que combinem, de forma atractiva, elementos de Macau e Hengqin num único roteiro. Associado a isso, o sector deve fazer uma forte aposta em promoções e marketing, de forma a criar um mercado – que ainda está em fase emergente – para esse tipo de produto.
“Na realidade, a maioria dos turistas não está muito familiarizada com as políticas de vistos e as políticas de passagem nas fronteiras”, nota o académico. “Por isso, as promoções devem dar a conhecer o conceito de que uma viagem a Macau pode ser associada a Hengqin.”
No contexto de maior liberdade de circulação proporcionada pelo visto de grupo de múltiplas entradas, o aprofundamento da cooperação e integração regional pode ser elevado a um novo nível. O docente considera que existe potencial em várias áreas, tanto na partilha de instalações para organização de eventos, como nos serviços de restauração para os turistas em grupo.
Na opinião de José Wong, a indústria turística ainda está numa fase de exploração no que toca às potencialidades abertas pela nova política. “A longo prazo, as viagens multidestinos entre Macau e Hengqin devem incluir factores diferenciadores para se distinguirem das excursões tradicionais que visitam apenas Macau”, refere o académico.
“Actualmente, os alojamentos mais económicos em Hengqin são uma das vantagens, mas se não encontrarmos mais valor para este tipo de excursões multidestinos, a situação não será a melhor”, acrescenta. “O desenvolvimento de características próprias pode consolidar o valor turístico dos itinerários.”
Novas oportunidades para guias
À Revista Macau, Ng Iong Wai, presidente da Associação de Promoção de Guia Turismo de Macau, considera que a criação do visto de grupo de múltiplas entradas oferece novas oportunidades ao sector do turismo, especialmente aos guias turísticos. “Hengqin, com uma área três vezes maior que Macau, mas com uma população pequena, poderá beneficiar da permanência dos turistas, impulsionando o desenvolvimento da ilha, que foi designada como um suporte para Macau diversificar a sua economia”, afirma.
Actualmente, entre 500 e 600 guias turísticos de Macau já obtiveram qualificações para exercer a profissão em Hengqin, estima o responsável. O mecanismo de credenciação dos guias turísticos foi lançado durante a altura da pandemia da COVID-19, numa iniciativa então destinada a alargar o campo de exercício da profissão.
Ng Iong Wai acredita que Hengqin e Macau estão a abrir um novo capítulo no seu relacionamento com as excursões de múltiplas entradas. “O visto de múltiplas entradas entre Macau e Hengqin é atractivo”, afirma.
O responsável também destaca que a medida viabiliza o conceito de uma viagem multidestinos. “Em Macau, tem-se falado sobre o tipo de turista que faz múltiplas paragens numa só viagem. Com esta nova política, Macau pode finalmente colocar em prática esta ideia, estendendo até Hengqin excursões que tradicionalmente incluíam só Hong Kong e Macau.”