A Teledifusão de Macau (TDM) iniciou as emissões regulares de televisão em Maio de 1984. Quatro décadas depois, cresceu a oferta de conteúdos e modernizou-se a emissão, sempre fiel ao princípio de informar a população local. No horizonte continua a vontade de crescer e chegar a novos públicos, não apenas no território, mas também além-fronteiras
Texto Nelson Moura
Comemora-se este mês o 40.º aniversário das emissões de televisão da TDM, naquele que foi um dos mais significativos marcos na história do jornalismo da cidade. Quem, desde 1984, acompanhou o crescimento da empresa de serviço público de televisão e rádio de Macau, testemunhou um desenvolvimento considerável à medida que a emissora pública modernizou equipamentos, aumentou a produção de conteúdos e estabeleceu acordos com televisões do Interior da China e dos países de língua portuguesa.
Nos últimos 20 anos, a emissora entrou num período de múltiplos avanços tecnológicos e remodelações, entre os quais a inauguração, em 2008, do estúdio do Centro de Radiodifusão. O número de canais digitais terrestres cresceu para cinco e foi lançado um canal por satélite, bem como alargada a presença nas redes sociais e canais internacionais.
Segundo António José de Freitas, Presidente do Conselho de Administração da TDM, as rápidas mudanças no comportamento do público e nos dispositivos móveis obrigaram a TDM a aperfeiçoar o uso dos novos media, incluindo uma actualização profunda, em 2021, da página digital e da aplicação móvel da emissora. A TDM passou também a utilizar várias redes sociais para expandir o seu alcance no mundo digital.
“Uma vez que as redes sociais são muito populares hoje em dia, os utilizadores podem obter uma grande quantidade de informação através de dispositivos móveis com muita facilidade”, salienta António José de Freitas, numa entrevista à Revista Macao, publicação-irmã em inglês da Revista Macau.
“No entanto, quando há uma situação crítica, por exemplo, quando um tufão atinge Macau, às vezes há notícias falsas nas redes sociais que criam confusão. Assim, a TDM, como emissora pública com credibilidade e uma redacção profissional, é crucial para a estabilidade na sociedade”, destaca.
A origem da TDM
Uma das pessoas que acompanhou a evolução da TDM ao longo das décadas foi o veterano jornalista João Guedes, cujo percurso profissional esteve intrinsecamente ligado à emissora desde a sua fundação. O jornalista juntou-se à primeira equipa da TDM em 1980, quando foi criado o canal de rádio que transmitia em português (FM estéreo) e cantonês (AM). Em 1982, foi criada a Empresa Pública de Teledifusão de Macau – actualmente denominada TDM – Teledifusão de Macau, S.A. –, e um ano mais tarde tiveram início as emissões de televisão em chinês e português, com João Guedes a fazer parte da redacção do canal português.
“Macau era na altura uma aldeia grande onde viviam duas comunidades, os chineses e os portugueses. Foi nesse ambiente que surgiu a TDM Rádio Macau e depois a televisão”, conta o jornalista, que foi director de informação do canal português durante 18 anos, à Revista Macau.
Segundo o jornalista e historiador, o estabelecimento da TDM surge à medida que se negoceia a transferência de Macau para a administração chinesa, com as autoridades portuguesas a avançarem com um processo de reforma das instituições existentes na cidade.
“Eu embarquei entusiasticamente nessa equipa polivalente que tinha jornalistas, engenheiros, arquitectos, etc., que foram abastecendo esta infra-estrutura para remodelar Macau”, aponta.
Neste contexto, a administração portuguesa entendeu ser melhor começar pelo estabelecimento de uma rádio, considerando a “estrutura pesadíssima” que implicava uma emissora de televisão. Nasceu, assim, primeiro, a rádio generalista em chinês, onde deram os primeiros passos muitos dos jornalistas que viriam depois a fazer parte do Canal Macau da TDM.
De acordo com João Guedes, foi definido que a rádio local deveria funcionar ao estilo do que seria mais tarde a TSF, com noticiários de hora a hora. “Antes, só havia um noticiário às sete da noite e outro às oito da manhã. Na altura, a electricidade ia abaixo quando as pessoas chegavam a casa pelas sete da noite e ligavam todas a luz. O noticiário da TDM Rádio Macau não se ouvia. As pessoas tinham de esperar pela manhã do dia seguinte para saber as notícias”, recorda o jornalista, que, entretanto, já se reformou da TDM.
Esta primeira equipa da Rádio Macau incluía vários profissionais que viriam depois a ter longas carreiras, tanto em Portugal como em Macau, incluindo Gonçalo César de Sá, José Alberto de Sousa, Fernando Maia Cerqueira, Judite Sousa e José Rodrigues dos Santos.
Primeiras emissões
A televisão surgiria quatro anos mais tarde, mas não sem a sua dose de resistência. Segundo João Guedes, muitas pessoas em Portugal e até em Macau não achavam que a cidade “merecia uma televisão”. No entanto, o Governador Almirante Almeida e Costa, em Macau entre 1981 e 1986, fez os possíveis para estabelecer a emissora e, com o apoio da empresa de tecnologia alemã Bosch, a primeira emissão foi para o ar em 1984.
“A televisão revolucionou a pequena comunidade que aqui existia. O já falecido José Alberto de Sousa foi o apresentador da primeira emissão, a 13 de Maio de 1984”, descreve o jornalista.
A primeira redacção da emissora já ocupava as actuais instalações da empresa, na Rua Francisco Xavier Pereira, no entanto, como parte dos Correios de Macau. “Como o espaço não dava para tudo, foi construído o edifício que ainda hoje se vê pelo arquitecto Manuel Vicente, um dos grandes arquitectos da história de Macau”, acrescenta João Guedes.
Os departamentos dos canais de rádio chinesa e portuguesa, e os departamentos técnicos de engenharia, viriam, em 1990, a ser transferidos para o Edifício Nam Kwong, onde ainda se encontram.
A televisão transmitia na altura as suas próprias notícias e programas em chinês e português, bem como programas de grande dimensão como o Grande Prémio de Macau, no mesmo canal, mas em horários separados.
A emissora, diz o ex-jornalista da TDM, estava “bem apetrechada”, incluía uma equipa de quase 40 pessoas e subscrevia três agências noticiosas.
“A televisão teve duas fases, uma primeira fase de instalação, em que era bilingue com a parte chinesa e portuguesa em conjunto. O noticiário passava primeiro em chinês das sete às oito da noite e depois em português das oito até à meia-noite”, conta.
“Mas, mais tarde, chegou-se à conclusão que o sistema não funcionava, era confuso para o espectador. A certa altura decidiu-se separar a TDM em canal chinês e canal português, mas as redacções continuaram a estar juntas”, recorda João Guedes, explicando que esta organização permitia ter acesso mais generalizado à informação.
Esta divisão seria efectuada em 1990, com a TDM a dividir-se em dois canais, a TDM Chong Man Toi em língua chinesa e a TDM Canal Macau em língua portuguesa.
Mais conteúdos, público alargado
No canal português, a produção de programas próprios tem vindo a aumentar gradualmente, para além do “Telejornal”. Programas como o “TDM Desporto”, o “TDM Entrevista”, o magazine cultural “Montra do Lilau” e o painel de debate “Contraponto” foram ganhando forma com o passar dos anos.
O crescimento económico da cidade resultou num aumento notável de uma comunidade cada vez mais internacional, levando à criação de um noticiário e de um “talk show” em inglês em 2003 e 2009, respectivamente.
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Actualmente, a TDM conta com 632 funcionários, incluindo 132 da secção de notícias da televisão em chinês, 28 do canal de rádio em chinês, 38 na secção de notícias e programas do canal português de televisão e 14 na Rádio Macau.
Em anos mais recentes, a emissora instituiu como prioridade o objectivo de alargar a emissão a mais locais no Interior da China e aos países de língua portuguesa, assumindo um papel de ponte entre os dois lados.
“A TDM tem um leque alargado de cooperação com instituições de televisão no Interior da China, como o China Media Group (CMG). A TDM transmite alguns canais da CCTV em Macau, como a ‘CCTV-1’, ‘CCTV News’ e ‘CCTV-5’, permitindo que as pessoas em Macau estejam a par dos últimos desenvolvimentos no país”, diz António José de Freitas.
Nos últimos anos, a TDM obteve o direito de transmissão de alguns eventos desportivos de grande dimensão, incluindo os Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio 2020, os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022 e os Jogos Asiáticos de Hangzhou 2022.
“Além disso, a TDM recebeu excelentes programas da CCTV, como o ‘Aerial China – Macau’, que promove os locais históricos de Macau. Este ano, o CMG cedeu à TDM os direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 e, além da transmissão ao vivo, oferece três quotas para profissionais da TDM irem a Paris para produzir programas próprios durante os Jogos”, acrescenta o administrador da TDM.
A região da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau passou a estar também nos planos de desenvolvimento da emissora, não tivesse esta já colaborações de longa data com estações de televisão e rádio na província de Guangdong, para partilha de notícias, programas e produções conjuntas.
“Em 2025, os Jogos Nacionais da China terão lugar em Guangdong, Hong Kong e Macau, e a TDM espera trabalhar em conjunto com as estações de televisão em Guangdong e Hong Kong para transmitir os jogos”, realça António José de Freitas.
O canal chinês da TDM passou também a transmitir no Delta do Rio das Pérolas com o objectivo de “promover o desenvolvimento diversificado de Macau” na província de Guangdong e “manter os residentes de Macau” que aí residem actualizados sobre os acontecimentos na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), avança o responsável.
“O público pode assistir ao canal 24 horas por dia e sete dias por semana, incluindo notícias, assuntos da actualidade, eventos em directo, programas, e outros”, aponta o administrador da TDM. “Acredito firmemente que o TDM Ou Mun pode ser a ponte entre Guangdong e Macau, e contribuir para que se conheça melhor a realidade da Grande Baía.”
A 18 de Janeiro do corrente ano, a TDM recebeu também aprovação da Associação de Jornalistas de Toda a China para abrir uma redacção e um estúdio de notícias em Hengqin.
“Esta redacção permite que os jornalistas da TDM escrevam reportagens, editem vídeos, façam entrevistas e até transmitam em directo, o que torna o processo de trabalho em Hengqin ainda mais eficiente e eficaz”, explica António José de Freitas.
Antena para a lusofonia
Outro dos objectivos da emissora local passa pela colaboração com estações de televisão dos países de língua portuguesa para a partilha de conteúdos e notícias.
Segundo o responsável máximo da TDM, desde que vários acordos foram estabelecidos em Setembro de 2023, “a TDM recebeu um total de 60 horas de programas de televisão produzidos pelos parceiros em Angola, Brasil, Cabo Verde e Moçambique”.
“Muitos desses programas reflectem a cultura, música, literatura e vida selvagem dos países de língua portuguesa. Alguns desses programas já foram transmitidos”, aponta António José de Freitas.
Em termos de entretenimento, a TDM comprou também programas da SIC e da TVI, duas emissoras comerciais sediadas em Portugal, e, ao longo dos anos, adquiriu telenovelas, filmes e documentários brasileiros, principalmente produzidos pela Globo, a maior emissora comercial da América do Sul.
Por outro lado, destaca o mesmo responsável, o Canal Macau “também começou a transmitir um boletim de notícias semanal sobre os países africanos de língua portuguesa produzido pela RTP, que possui uma ampla rede de correspondentes locais em todos os cinco países africanos de língua portuguesa, e é especificamente adaptado às necessidades da TDM”.
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Para o administrador, o investimento feito na tradução para português de programas de televisão do Interior da China está a “começar a dar frutos”, pois os documentários da emissora podem agora ser exibidos para os telespectadores de língua portuguesa a nível internacional, “permitindo-lhes ter uma melhor compreensão do desenvolvimento do país nos campos económico, tecnológico, social e cultural”.
Só este ano, a TDM “já partilhou um total de 12 horas” dos seus próprios programas de televisão com emissoras em países de língua portuguesa, destaca.
Uma referência
Entre a comunidade local, além dos conteúdos do exterior que ajudam a encurtar distâncias, a TDM assume um papel de referência na sociedade.
Para o presidente da Associação dos Macaenses, Miguel de Senna Fernandes, é indiscutível a importância da existência de uma emissora pública em língua portuguesa.
“É absolutamente importante, sobretudo agora, quando o uso da língua portuguesa tem vindo a diminuir. Há uma grande anuência do Governo em promover a língua portuguesa, mas não obstante isso, nota-se uma diminuição no uso do português”, salienta o também advogado.
O trabalho da emissora em termos de produção noticiosa é de louvar, mas Miguel de Senna Fernandes realça que se deve encorajar uma maior produção de reportagens, programas e outros conteúdos próprios.
Para o economista José Sales Marques, os canais portugueses da TDM são de uma importância “fulcral”, não só para a comunidade residente que comunica em português, mas também para a afirmação da identidade única da RAEM no universo da nação chinesa e na região da Grande Baía.
“É de todo o interesse que a RAEM, enquanto ponto focal no relacionamento multilateral entre a China e os países de língua portuguesa, continue a apoiar e até ampliar a presença desses canais em língua portuguesa como veículo de projecção do posicionamento estratégico de Macau no espaço internacional, enquanto Região Administrativa Especial da República Popular da China”, diz à Revista Macau.
De acordo com António José de Freitas, a TDM realiza pesquisas de audiência todos os anos, recorrendo a prestadores de serviços profissionais.
“Em 2023, o inquérito apurou que, em termos de taxa de visualização de televisão, cerca de 70 por cento dos residentes – 422.416 pessoas – assistiram a programas na TDM, em comparação com outros canais de televisão de Macau e Hong Kong disponíveis no território”, avança. “Os residentes de Macau avaliaram o desempenho global da TDM com 75,0 pontos, o mais elevado entre as estações de televisão locais.”
Relativamente à rádio, “cerca de 30 por cento dos residentes (179.756 pessoas) ouviam maioritariamente a Rádio Macau, valor significativamente superior ao de outras estações de rádio locais e das regiões vizinhas”, sublinha o administrador da TDM.
“De uma forma geral, os residentes que participaram [no inquérito mais recente] consideram que a TDM é um canal eficiente e a principal fonte para obterem informação”, conclui.