Popularmente conhecida no cuidado de dores crónicas, a medicina tradicional chinesa é cada vez mais procurada pelos moçambicanos. Esta é uma opção cada vez mais viável como técnica complementar ao tratamento clínico de várias doenças, dizem à Revista Macau dois especialistas baseados na capital moçambicana
Texto Jaime Álvaro
No âmbito da medicina tradicional chinesa, o corpo humano possui uma energia vital e os problemas de saúde – tanto do foro físico como mental – são causados pelo desequilíbrio dessa energia. Para que o corpo e a mente se encontrem em perfeita harmonia, há anos que a medicina tradicional chinesa usa uma variedade de terapias complementares – incluindo a acupunctura e o uso de plantas medicinais – no tratamento clínico de várias doenças crónicas.
A acupunctura médica, praticada por especialistas certificados, é um método de diagnóstico e tratamento utilizado em algumas situações clínicas, que permite a correcção de certas alterações e uma melhoria do funcionamento orgânico global. Estas correcções são efectuadas através da introdução de pequenas agulhas em determinados locais anatómicos, promovendo no organismo o restabelecimento da fisiologia através de efeitos locais.
A Organização Mundial de Saúde lista mais de 40 doenças para as quais a acupunctura é indicada. Esta e outras terapêuticas não convencionais auxiliam o tratamento de diversos tipos de doenças, como distúrbios digestivos, respiratórios ou neurológicos. Nos últimos anos, estas técnicas tornaram-se populares em Moçambique.
Na Clínica Chinesa de Massagem do Dr. Yang, foram já vários os casos de pacientes que se assumiram surpreendidos com os resultados da terapia.
“Já recebemos e tratámos vários pacientes com casos complicados. Muitos chegam aqui com poucas esperanças, mas saem daqui curados. Um dos nossos pacientes, que devido às dores não conseguia falar, ficou melhor e recuperou a fala após a nossa intervenção”, disse Wei Yang em entrevista à Revista Macau.
A paixão por Moçambique
Wei Yang é um especialista em medicina tradicional chinesa. Natural de Chongqing, município no sudoeste da China, Wei Yang mudou-se aos 18 anos para Pequim, para prosseguir os estudos na área da medicina tradicional chinesa. Após ter concluído a formação, voltou para a sua cidade natal, onde abriu a primeira clínica com um amigo.
Em 2014, Wei Yang visitou Moçambique com o objectivo de investir no país. No mesmo ano, abriu uma clínica com a ajuda do cunhado, também especialista em acupunctura.
“Sempre tive esse espírito aventureiro. Nunca gostei de ficar no mesmo lugar. Gosto de trabalhar fora, de conhecer outros países e beber das suas culturas. Por isso, quando recebi o convite do meu cunhado para vir a Moçambique não pensei duas vezes, fiz logo as malas”, conta o médico empreendedor.
“Decidi ficar porque Moçambique é um país muito seguro, comparado com outros países africanos que já tive a oportunidade de visitar. Tem um clima quente que eu gosto, as pessoas aqui são amáveis e a comida local é deliciosa”. Especializada na prática de acupunctura, a clínica atende vários pacientes, incluindo pacientes que não têm capacidade de pagar o tratamento, refere Wei Yang.
“Primeiro, damos prioridade à saúde e só depois pensamos no dinheiro. Vezes sem conta, temos recebido muitos idosos que procuram tratamento, mas não podem pagar”, explica o especialista, que assume que uma das missões da clínica é ajudar a transferir conhecimento e formar funcionários locais.
Jenny Zandamela, uma das funcionárias da clínica, tem aprendido técnicas de massagem para tratamentos não-convencionais.
“A minha massagem é especializada para pessoas que tenham tido problemas associados a acidentes vasculares cerebrais ou hérnias. Também faço reflexologia, que é uma massagem à planta do pé, e massagens para relaxamento”, diz a massagista.
A clínica emprega um total de seis mulheres entre os seus sete funcionários. Segundo o fundador, esta foi uma das formas que a clínica encontrou para empoderar as mulheres moçambicanas.
Cooperação e formação
Em Moçambique, a população tem demonstrado um interesse crescente por estas medicinas e terapêuticas, procurando terapias não-convencionais que permitem uma abordagem mais proactiva da sua saúde.
Em 2018, o Ministério da Saúde de Moçambique introduziu a acupunctura nos principais hospitais provinciais das regiões centro e norte do país, depois de sessões de formação ministradas por médicos chineses, no âmbito da cooperação bilateral entre Moçambique e a China.
As autoridades chinesas têm contribuído para a formação de profissionais na área da medicina tradicional chinesa nos países de língua portuguesa, com Macau a desempenhar um papel importante neste contexto, tanto através do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) como do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau.
O desenvolvimento da medicina tradicional chinesa em Macau tem sido fortemente apoiado pelas autoridades do Interior da China, com Macau a reforçar a promoção do investimento nesta indústria, incluindo na área da formação de especialistas.
O Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) tem procurado tornar o território num centro internacional de inovação e investigação científica na área da medicina tradicional chinesa, expandindo a comercialização de produtos para os países de língua portuguesa.
O teste da pandemia
Durante a pandemia, vários negócios em Moçambique foram afectados por restrições ligadas à COVID-19. Mas na Clínica de Acupunctura Luís Damas as coisas foram diferentes, com muitos pacientes a procurarem os seus serviços durante os períodos de confinamento. A medicina tradicional chinesa acabou por ser uma grande aliada contra a depressão e a ansiedade, segundo o especialista.
“A desinformação sobre a COVID-19 aumentou o receio entre as pessoas. O primeiro procedimento que eu tinha era falar com as pessoas, fornecer maior quantidade de informação científica, porque as coisas não eram assim tão graves. E depois era tratar a ansiedade”, diz o médico especialista em acupunctura.
Luís Damas, que estudou acupunctura na Escola de Medicina Oriental e Terapêuticas em Portugal, exerce a actividade há mais de duas décadas.
“O interesse pela acupunctura surgiu através de uma amizade que tive com um mestre chinês das artes marciais. Ele ensinou-me as artes marciais e as artes marciais chinesas tradicionais estão muito ligadas à acupunctura, aos pontos vitais. Porque nós aprendemos a manipular, a bater, a bloquear determinados pontos no corpo que são pontos ligados à acupunctura. Portanto, fiquei muito ligado à filosofia chinesa, às artes marciais e às filosofias do Taoísmo e do Confucionismo”, explica o acupuncturista, nascido em Nacala, na província moçambicana de Nampula.
Luís Damas, que já teve centros de acupunctura em Lisboa, White River e Pretória, na África do Sul, e agora em Maputo, capital de Moçambique, é membro associado da Fundação Europeia de Medicina Tradicional Chinesa.
Visão holística
Nos últimos anos, Luís Damas realizou inúmeras sessões de acupunctura relacionadas com as mais variadas doenças, como desequilíbrios hormonais, problemas digestivos, respiratórios ou renais.
“Procurei o tratamento terapêutico da medicina chinesa porque não conseguia andar, por causa da dor causada por um nervo ciático. Experimentei e estou muito feliz com o resultado. Logo na primeira sessão já me sentia bem melhor. Hoje já consigo andar sem dores”, refere Valérie Morais, uma das pacientes da Clínica de Acupunctura Luís Damas.
O tempo de tratamento, salienta Luís Damas, depende de cada paciente. Nos casos mais complexos, a técnica pode ser aplicada até três vezes por semana, mas na maioria das vezes um atendimento semanal é o suficiente para complementar o tratamento convencional.
“Já tive um caso de uma paciente que tinha um problema grave. Não conseguia mexer o pescoço e tinha dores que começaram a expandir-se para o braço. Num mês de tratamento ficou curada”, conta o especialista.
“Já tratei uma paciente de 57 anos de idade com o sistema imunitário altamente comprometido, diabética dependente de insulina. Fiz apenas cinco tratamentos até ela melhorar”, acrescenta.
A acupunctura “é uma medicina holística”, explica Luís Damas. “Daí ser importante conhecer o paciente. É diferente de prescrever um medicamento. Posso fazer o mesmo tratamento a 20 pessoas, mas o resultado e os efeitos desse tratamento não serão tão bons como se fizer uma terapia específica para cada um deles.”
“Há estudos científicos que demostram que a cura do cancro sempre implicou a mudança da própria pessoa”, sublinha. É exactamente igual nas sessões de tratamento através da acupunctura, defende Luís Damas.