O número de convenções e exposições (MICE, na sigla em inglês) em Macau registou uma rápida recuperação em 2023 e tem potencial para crescer ainda mais devido às vantagens “únicas” do território, “difíceis de reproduzir” noutros destinos. É o que afirma Irwin Poon Yiu Wing, presidente da Associação de Convenções e Exposições de Macau. Em entrevista à Revista Macau, o também vice-director-geral da Prime Marketing and Promotional Services diz que Hengqin pode complementar bem a oferta de Macau
Texto Stephanie Lai
Fotografia Cheong Kam Ka
Macau acolheu um total de 757 eventos nos primeiros nove meses de 2023, com mais de 1,2 milhões de participantes. A recuperação foi mais rápida do que esperavam?
Quando analisamos os números dos primeiros três trimestres de 2023, é possível ver que, embora o número de eventos tenha recuperado para cerca de 70 por cento [do período homólogo] de 2019, o número de participantes já está acima dos 90 por cento. Isto demonstra que, embora haja menos eventos, o número de participantes [por evento] está a crescer a um ritmo mais rápido.
Olhando para o sector das convenções e exposições nos mais variados mercados internacionais – como a Tailândia, a Europa ou os Estados Unidos –, já se registou uma elevada recuperação no número de eventos, semelhante aos níveis de 2019. Mas vários destes mercados relaxaram as restrições aos movimentos transfronteiriços [associadas à COVID-19] um ano antes de nós; Macau só levantou todas as restrições no início de 2023. Contudo, no curto espaço de apenas um ano, já vimos uma recuperação de 70 por cento em termos do número de eventos. Isso é bastante encorajador para o sector MICE da cidade.
O que esteve na base da rápida recuperação observada no ano passado?
A recuperação foi, maioritariamente, impulsionada pelo mercado do Interior da China, que é um enorme mercado que serve também muitos outros sectores em todo o mundo. Macau é um bom destino para eventos MICE e é por isso que a recuperação aconteceu a um ritmo tão rápido. Tem havido uma forte procura de viagens por parte de muitas províncias do Interior da China e o processo de reabertura esteve em sintonia com Macau. Como tal, vários organizadores de eventos MICE do Interior da China decidiram [em 2023] regressar aos mercados de Macau e Hong Kong, ou até procurar mercados internacionais através destas duas cidades.
No que diz respeito aos eventos internacionais, a preparação e planeamento leva entre dois e três anos. Por isso, é difícil estes eventos internacionais regressarem a Macau logo após a cidade ter reaberto as fronteiras no início de 2023. Embora o número de eventos no território em 2023 possa ter recuperado para cerca de 70 por cento comparativamente a 2019, ainda levará algum tempo para que os organizadores, expositores e participantes em eventos internacionais regressem à região.
No período pós-pandémico, o sector observou alguma mudança assinalável no que toca à estadia dos participantes na cidade ou à própria duração dos eventos?
O tempo de permanência [dos participantes] realmente depende do tipo de evento. Pelo que observei, os participantes em eventos no território estavam geralmente mais entusiasmados. Este facto também foi evidenciado nas estatísticas referentes aos participantes em eventos MICE nos primeiros três trimestres de 2023.
Um factor importante por detrás desta procura prende-se com o facto de os eventos presenciais terem sido cancelados durante um longo período durante a COVID-19, tanto no Interior da China como no resto do mundo. Isso levou a que as pessoas ficassem mais entusiasmadas em participar presencialmente em eventos assim que se tornou viável.
O modelo híbrido, com o recurso ao formato online para complementar um evento presencial, tornou-se um modelo cada vez mais adoptado em mercados internacionais após a COVID-19. Podemos esperar o mesmo em Macau?
O modelo híbrido – que combina os formatos online e presencial – foi adoptado por vários organizadores de eventos aqui em Macau, dado que permite aos interessados participarem num evento, mesmo que não possam marcar presença fisicamente.
Mas os eventos MICE são, no fundo, encontros entre pessoas, algo que não é facilmente substituído por um evento exclusivamente online. Alguns processos negociais exigem um encontro presencial, que não pode ser feito através de um telefonema ou reunião numa plataforma digital.
Acho que o modelo híbrido certamente ajuda os organizadores a serem mais flexíveis, mas, ao mesmo tempo, não tem um impacto negativo nos eventos presenciais. As pessoas não perderão a oportunidade de participar num evento só porque existe a opção do formato digital.
“Em 2024, esperamos que a cidade acolha cerca de 1500 eventos, a rondar o mesmo número de 2019”
IRWIN POON YIU WING
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE CONVENÇÕES E EXPOSIÇÕES DE MACAU
No ano passado, o custo do alojamento em Macau – um mercado em que predominam os hotéis de cinco estrelas – recuperou rapidamente para níveis pré-COVID. Como é que o sector das convenções e exposições lida com esta questão?
Esta é uma grande pressão para os organizadores de eventos, especialmente na época alta para o sector, usualmente de Abril a Junho e de Setembro a Dezembro. É difícil traçar um cenário generalizado para os organizadores de eventos, mas alguns tentam resolver o problema ajustando os seus custos, por exemplo, providenciado menos opções de refeições [para os participantes em eventos], a fim de compensar os custos dos quartos de hotel.
Este é um método quando não há muitas outras soluções disponíveis. Mas, na verdade, o custo dos quartos de hotel tem impacto na taxa de participação e no número de eventos a serem realizados em Macau.
O sector das convenções e exposições é um negócio com muita competição entre várias cidades: Macau pode competir por um evento contra Hong Kong, ou Guangzhou, ou Banguecoque. No entanto, esta é uma economia de mercado: os organizadores só podem resolver o problema tentando reduzir os custos noutras partes do evento.
Além do custo de alojamento, quais são usualmente os itens mais dispendiosos na organização de um evento?
O aluguer do espaço para o evento, a construção de stands e os recursos humanos. O aluguer dos espaços e o alojamento, em específico, são os itens com os custos mais elevados.
Muitos sectores em Macau foram afectados pela redução do número de empregos devido à COVID-19, incluindo o das convenções e exposições. Com a recuperação observada em 2023, a disponibilidade de recursos humanos para a organização de eventos tornou-se num desafio para o sector?
O pico [em termos de pessoal empregado] ocorreu em 2019, quando o sector das convenções e exposições, juntamente com a indústria publicitária, empregava mais de 3000 trabalhadores. Embora alguns empregos tenham sido cortados durante os três anos afectados pela COVID-19, algumas pessoas optaram voluntariamente por mudar de ramo. O confluir destas situações levou a que, eventualmente, cerca de um terço dessa força de trabalho tenha desaparecido durante o período da pandemia.
O sector das convenções e exposições valoriza muito a experiência dos profissionais, portanto, quando tantos trabalhadores experientes abandonaram o sector, isso teve um grande impacto. Para compensar as perdas em termos de mão-de-obra, procurámos soluções que incluíram o recrutamento de recém-licenciados ou de jovens que procuravam emprego, apostando depois na sua formação.
O processo de formação, porém, leva tempo. Além do pessoal administrativo, o sector também precisa de construtores de stands, que são procurados para qualquer exposição de grande escala que abranja centenas de participantes.
No que diz respeito aos construtores de stands, houve uma redução no número de trabalhadores [durante a pandemia], mas a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e as associações comerciais do sector estão a organizar alguns cursos de formação sobre técnicas de construção de stands, iluminação e montagem áudio, com o objectivo de atrair mais trabalhadores.
O sector quer organizar mais eventos, para que o seu número possa regressar ao nível de 2019 ou mesmo ultrapassá-lo. Em 2023, vimos algumas caras novas e até alguns antigos trabalhadores regressarem ao sector, mas até agora não se conseguiu ainda preencher totalmente o número de postos de trabalho que se perdeu.
O Governo anunciou um programa de recrutamento de talentos que abrange também o sector das convenções e exposições. Quão importante é esta política para dar um novo ímpeto ao sector?
Sim, irá ajudar o sector. Mas quando se presta atenção aos detalhes deste programa, os requisitos profissionais são bastante elevados: não se pede apenas que o candidato tenha uma licenciatura em estudos relacionados com o sector, mas também existem exigências quanto ao ranking da universidade onde o candidato completou estudos. Além disso, a definição dos talentos-alvo [para o sector das convenções e exposições] ao abrigo deste programa visa atrair pessoal de gerência, em cargos intermédios ou seniores.
Certamente, as questões relacionadas com recursos humanos devem ser resolvidas de múltiplas formas: uma é este programa de recrutamento da Comissão de Desenvolvimento de Quadros Qualificados; a outra assenta na premissa de que o sector tem de continuar a trabalhar com o Governo e as unidades de ensino superior na formação e educação de novos profissionais.
Qual a vossa expectativa no que toca à recuperação do sector este ano?
A nossa expectativa está alinhada com a meta traçada pelo Governo: em 2024, esperamos que a cidade acolha cerca de 1500 eventos, a rondar o mesmo número de 2019.
Qual o papel das infra-estruturas de transporte e das políticas de apoio do Governo, como o sistema de incentivos do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), para os organizadores de eventos?
A rede de transportes que Macau tem agora, em comparação com 2019, é melhor: o sistema de metro ligeiro de Macau está agora mais desenvolvido, com mais paragens ao longo da rota. Os serviços de autocarro também evoluíram e ajudam os visitantes a chegarem directamente a Macau a partir da área restrita do Aeroporto Internacional de Hong Kong através da Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. Esta é uma solução de viagem integrada que ajuda Macau, uma vez que não temos muitos voos internacionais, especialmente de longa distância. Portanto, o sector não está tão preocupado com a infra-estrutura [de transportes].
O sistema de incentivos do IPIM é um bónus e uma ferramenta que visa ajudar o sector a atrair mais expositores e visitantes. Mas esperamos que o sector possa orientar-se mais para o mercado e que não dependa apenas dos incentivos governamentais.
Macau tem o “know-how” e a infra-estrutura apropriada como um destino MICE. Macau é, a nível mundial, a cidade com maior número de hotéis de cinco estrelas da Forbes, e recebeu o prémio “Melhor Cidade de Convenções da Ásia” [numa cerimónia da “M&C Asia Stella Awards”, organizada em 2023].
Estas distinções são uma óptima imagem de marca para Macau. Para uma cidade de pequena dimensão, temos mais de 40 mil quartos de hotel – são equipamentos que garantem uma grande vantagem para o território.
Outro benefício é o facto de termos também a imagem como um “Centro Mundial de Turismo e Lazer”, aliando a cultura e património a uma oferta diversificada de entretenimento. Assente nestes pilares, o sector das convenções e exposições tem as condições para evoluir de forma saudável num ambiente liderado pelo mercado, onde os incentivos servem apenas como uma ferramenta para ajudar o sector a expandir-se.
Para além do mercado do Interior da China, acha que Macau é competitivo em relação a outros destinos regionais para atrair eventos internacionais?
Certamente. Macau tem grande capacidade para receber visitantes e uma elevada qualidade de serviço, não só neste sector, como também na área do turismo. Por exemplo, olhando aqui para as cidades na região envolvente, é difícil encontrar um lugar que possa alojar mais de 3000 pessoas no mesmo espaço, mesmo em cidades como Hong Kong, Banguecoque, Singapura ou outros lugares no Sudeste Asiático. Em Macau, isso é possível no Cotai. A infra-estrutura de Macau – o aglomerado de hotéis, as instalações de apoio e a rede de transportes – é uma vantagem única para o sector das convenções e exposições.
Além disso, Macau também é forte como destino de turismo e lazer. Temos ofertas variadas para além do jogo: compras, gastronomia, cultura e vários hotéis de cinco estrelas. Isto é algo muito difícil de reproduzir noutros destinos. Portanto, o sector das convenções e exposições de Macau tem vantagens únicas e estou confiante de que será capaz de acolher mais eventos no futuro.
Para além de oferecer incentivos [aos organizadores de eventos], o IPIM tem organizado diversas viagens e eventos noutras cidades para promover Macau como destino MICE, bem como levado representantes do sector local a reuniões anuais de organizações internacionais como a ICCA [Associação Internacional de Congressos e Convenções] e a UFI [Associação Global da Indústria de Exposições]. Estas iniciativas ajudam-nos a expandir a rede de contactos e isso tem sido determinante para o sector alargar o leque de clientes.
Que papel desempenha Hengqin em termos de complementaridade para o sector das convenções e exposições de Macau?
Hengqin é uma plataforma que tem potencial para ajudar a expandir o nosso sector. Macau é um território de pequena dimensão e Hengqin é muito maior. No âmbito da iniciativa de diversificação económica “1+4” de Macau, pretende-se desenvolver um maior número de actividades económicas, o que será definitivamente uma vantagem para o sector das convenções e exposições.
Várias empresas ligadas ao sector já têm escritórios em Hengqin. Aos poucos, mais eventos serão realizados lá, e quando houver mais detalhes sobre as políticas de apoio em termos de viagens, fluxo de capitais, recursos humanos e fluxo logístico, o sector provavelmente terá maior interesse em expandir-se para Hengqin.