PERFIL

O triunfo dourado de Li Yi

Pela primeira vez na sua história, Macau conquistou uma medalha de ouro no sector feminino em Jogos Asiáticos: a autora da proeza foi Li Yi, atleta de wushu, que alcançou o feito durante a edição de 2023. A medalha e uma carreira repleta de outras conquistas valeram-lhe em Dezembro a atribuição da “Lótus de Prata” pelo Governo da RAEM, uma das mais altas distinções de Macau

Texto Cherry Chan

À terceira foi de vez: depois de Macau ter conquistado duas medalhas de ouro em Jogos Asiáticos no sector masculino – pelos atletas de wushu Jia Rui, em 2010, e Huang Jun Hua, em 2018 –, o território viu agora uma mulher levar as cores da flor de lótus ao degrau mais alto do pódio naquela competição. “É um grande incentivo para as atletas locais”, diz Li Yi, que venceu a prova feminina de wushu na variante changquan durante os Jogos Asiáticos de Hangzhou, na capital da província chinesa de Zhejiang, no final de Setembro do ano passado.

“Penso que esta medalha pode inspirar todo o círculo de atletas de Macau, pode provar que não vamos apenas para este tipo de competições para ganhar experiência e aprender”, acrescenta a desportista.

PRINCIPAIS RESULTADOS

2023
– Campeonato Mundial de Wushu
1.º lugar na variante qiangshu
– Jogos Asiáticos
Medalha de ouro na variante changquan

2019
– Campeonato Mundial de Wushu
1.º lugar nas variantes jianshu e qiangshu

2018
– Jogos Asiáticos
Medalha de prata na variante changquan

2017
– Jogos Mundiais Universitários
Medalha de ouro nas variantes changquan e jianshu

2014
– Jogos Asiáticos
Medalha de prata na variante combinada jianshu e qiangshu

A título pessoal, foi também só à terceira que Li Yi conseguiu o ouro, após dois segundos lugares nas edições de 2014 e 2018 dos Jogos Asiáticos. “Finalmente consegui. Isto é muito significativo porque noutros campeonatos, um atleta pode registar-se em várias variantes, mas nos Jogos Asiáticos só é possível participar numa”, explica a desportista à Revista Macau. “Isto é, todos os atletas asiáticos lutam para serem os melhores na variante em que participam, pelo que é muito difícil.”

Nervos à flor da pele

Li Yi conta que, apesar da muita experiência em eventos internacionais, sentiu um especial nervosismo face a estes Jogos Asiáticos. “Comecei a sentir-me nervosa meio ano antes”, relata. “Acho que foi também porque queria muito ganhar o ouro, por isso tinha mais expectativas em relação a mim própria.”

Nas suas palavras, o stress foi um companheiro constante durante o período final de preparação para os Jogos Asiáticos. Só quando sentiu o tapete sob os seus pés e começou a fazer o aquecimento é que finalmente conseguiu esquecer a pressão.

A atleta recorda que, alguns dias antes, tinha estado prestes a deitar tudo a perder. “Depois de ter chegado à Aldeia dos Jogos Asiáticos, senti que não conseguia levantar os braços”, conta. Tal era no mínimo problemático, visto que o wushu envolve vários movimentos com os membros superiores. Li Yi entrou em pânico.

Após se ter conseguido acalmar, decidiu apenas partilhar a informação com a equipa médica da delegação de Macau. “Não queria aumentar a pressão sobre o meu treinador”, diz. “Ele também estava sob grande pressão por ter de tomar conta de tantos colegas da equipa.”

Com a ajuda dos médicos, a atleta conseguiu atingir o seu grande objectivo – o ouro nos Jogos Asiáticos. Isto após três anos de treino ininterrupto, apesar das dificuldades levantadas pela pandemia da COVID-19, que limitaram bastante as oportunidades de a desportista participar em competições internacionais.

No recinto desportivo em Hangzhou, Li Yi tinha, também, um apoio de vulto: o Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, estava nas bancadas e acompanhou a sua prova de perto. No final, as felicitações do governante estiveram entre as primeiras que recebeu pelo seu feito.

Talento, suor e disciplina

Nascida em Shijiazhuang, na província de Hebei, no Interior da China, Li Yi começou a aprender wushu quando tinha apenas oito anos. “Foi muito casual”, conta. “Quando estava a ter aulas de educação física, o treinador chegou à minha escola e viu que eu estava entre aqueles que conseguiam correr mais rápido, então ele obteve o meu contacto e mais tarde convidou-me para me juntar ao treino.”

Desde o início, o wushu assentou-lhe como uma segunda pele. Alguns dos movimentos e posturas da arte marcial eram-lhe quase tão naturais como respirar, o que deu a Li Yi segurança para continuar a treinar e evoluir. Passada uma década, mudou-se para Macau, para dar continuidade ao seu trabalho, com a ambição de participar em grandes eventos internacionais. 

Enquanto jovem atleta, Li Yi recorda a frustração ligada à participação nas primeiras competições: inicialmente estava bastante animada, mas os resultados não acompanhavam as suas expectativas. “É ainda mais frustrante para um atleta quando se sai confiante e se regressa sem bons resultados”, diz. Ultrapassar essa barreira psicológica foi uma tarefa difícil, admite.

Li Yi não esconde que a pressão a que está sujeito um desportista de alta competição é bastante elevada. É necessária uma disciplina férrea e grande força de vontade para ultrapassar os obstáculos. “Mesmo quando a quantidade de exercício é realmente muito pesada, insisto em ir para o treino”, afirma. “Para uma pessoa que está habituada à perseverança, continuar é muito mais fácil do que desistir.”

“Quando decidimos ser atleta de alta competição, temos de ser afirmativos e não desistir facilmente. Há muito investimento por detrás de cada atleta”

LI YI
ATLETA DE WUSHU

Apesar da muita experiência e palmarés invejável, a atleta afirma que continua a aprender em cada evento em que participa. Sempre que compete num torneio, revê depois com atenção os respectivos vídeos, para comparar o seu desempenho com o dos outros participantes e descobrir onde é possível melhorar a sua performance.

A medalha de ouro agora conquistada por Li Yi soma-se a triunfos no Campeonato Mundial de Wushu em 2019, nos Jogos Mundiais Universitários em 2017 e na 1.ª Competição Mundial de Wushu Taolu em 2016, entre outras vitórias. No entanto, a atleta é peremptória em afirmar que um triunfo nos Jogos Asiáticos sempre foi o seu objectivo maior. Ainda assim, depois do ouro em Hangzhou, a atleta conquistou já novas provas. Entre elas, destaca-se o primeiro lugar na variante qiangshu no 16.º Campeonato Mundial de Wushu, que decorreu em Novembro, no Texas, nos Estados Unidos.

Apoio do Governo importante

Li Yi partilha os seus feitos com o Governo de Macau, sublinhando que, a par dos esforços dos atletas locais, as autoridades do território têm também investido bastantes recursos no desporto de alta competição. Dois exemplos, aponta, são o “Projecto de Apoio Financeiro para Formação de Atletas de Elite” e o “Projecto de Apoio Financeiro para Formação de Atletas de Elite Reformados”. 

“Mais, temos agora o Centro de Formação e Estágio de Atletas, que é um espaço especialmente concebido para nós, desportistas de alta competição, treinarmos.” Li Yi acredita que, no final, esse apoio governamental vai trazer boas notícias para Macau: “Quando as condições, a tecnologia e os recursos estão a avançar, os nossos atletas também devem progredir”, realça.

De resto, Li Yi também já ganhou uma medalha – de mérito desportivo – do Governo de Macau, em 2018. Antes disso, tinham-lhe sido atribuídos títulos honoríficos de valor pelas autoridades locais, em 2012 e 2014. Mais recentemente, em Dezembro do ano passado, já depois do triunfo nos Jogos Asiáticos, foi-lhe concedida a “Lótus de Prata” , uma das mais altas distinções de Macau.

O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, foi um dos primeiros a felicitar pessoalmente Li Yi após a conquista do ouro nos Jogos Asiáticos de Hangzhou

A atleta enfatiza a perseverança como característica essencial para quem quer triunfar no desporto de alto nível. “Quando decidimos ser atleta de alta competição, temos de ser afirmativos e não desistir facilmente. Há muito investimento por detrás de cada atleta, incluindo o apoio do treinador e disponibilização de locais de treino, entre outros. Temos de ser responsáveis face a todos estes recursos e contribuições.”

Olhando adiante, a atleta de 32 anos – licenciada em ensino de educação física e mestre em desporto e educação física – admite que já cumpriu o seu papel em termos de feitos desportivos de alta competição. Ainda assim, após quase um quarto de século a praticar wushu e perto de duas décadas a competir, Li Yi não quer despir para já aquela que se tornou a sua segunda pele. “Não quero de repente parar de fazer wushu e entrar numa coisa nova e não relacionada”, explica. “Vou dedicar-me à educação: nos últimos anos tenho dado aulas na Escola de Wushu Juvenil de Macau, tentando transmitir a cultura chinesa.”