O Instituto de Enfermagem Kiang Wu celebra este ano o seu centenário. Mais do que servir apenas para marcar a efeméride, 2023 abre uma nova página na vida daquela que é a mais antiga escola de formação de enfermeiros do território, após a mudança para as suas novas instalações, no Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas
Texto Cherry Chan
Fotografia Wong Sio Kuan
Eles estão um pouco por todo o lado. Da pequena clínica médica de bairro aos principais hospitais da cidade. Os enfermeiros formados pelo Instituto de Enfermagem Kiang Wu correspondem a cerca de 70 por cento dos profissionais em funções em Macau, de acordo com dados da instituição, que celebra este ano o seu centenário. No entanto, é o futuro, não o passado, que ocupa por estes dias os líderes daquela que é a mais antiga escola de enfermagem do território.
Em Março deste ano, decorreu a cerimónia oficial de inauguração do campus do Instituto de Enfermagem Kiang Wu no Edifício Pedagógico de Enfermagem do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas, um projecto promovido pelo Governo – a mudança, essa, decorreu em Agosto do ano passado. O novo espaço, com uma dimensão total 2,3 vezes superior ao conjunto dos edifícios antes ocupados pelo instituto, visa disponibilizar um ambiente de ensino moderno, com novos laboratórios e outras instalações de ponta.
De acordo com uma nota da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ), o apoio governamental à mudança de instalações por parte do instituto teve como objectivo “disponibilizar melhores condições e recursos para a formação de quadros na área profissional de enfermagem”. Segundo a DSEDJ, “após a integração no novo edifício pedagógico, espera-se que o instituto possa oferecer aos seus professores e estudantes um melhor ambiente pedagógico, assim como formar mais quadros profissionais” para o território.
A instituição tem actualmente em curso um plano de expansão a dez anos, que se estende até 2030, visando aumentar a sua oferta ao nível do ensino superior para entre dez e 12 programas, com o número de estudantes a poder crescer em até dois terços, para mais de 800. Este ano, está previsto o lançamento do primeiro curso de doutoramento do Instituto de Enfermagem Kiang Wu, bem como de um mestrado em gerontologia aplicada.
No ano lectivo 2022/2023, o instituto ministrou um total de três cursos de ensino superior, nomeadamente de licenciatura, mestrado e de pós-graduação, além de um curso de diploma com certificação internacional, contando com mais de 40 docentes e 503 estudantes. No actual ano lectivo, o instituto recebeu 180 novos alunos para a licenciatura em enfermagem e 60 para o mestrado.
Além de disponibilizar programas de ensino superior, a instituição procura também elevar o conhecimento geral da população em áreas ligadas à saúde. “Temos um Centro de Estudos de Enfermagem e Saúde, para o lançamento de alguns programas para o público em geral”, em áreas como o apoio a doentes com demência e o socorrismo, afirma Cheong Pak Leng, professora assistente no instituto e uma das responsáveis pela área educacional. Por ano, cerca de um milhar de pessoas beneficia deste tipo de formação não-superior, sendo que o objectivo é elevar o número de participantes para 1800 até 2030.
Pioneiro em Macau
Até ao início do século XX, não havia escolas de enfermagem nem formação sistemática para enfermeiros em Macau. Face à crescente procura por este tipo de profissionais, a Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu, responsável por aquele que era já o maior hospital não-público do território, fundado em 1871, decidiu estabelecer a primeira escola de enfermagem da cidade. O passo foi concretizado em 1923.
A preparação de novos enfermeiros ficou inicialmente a cargo de oito médicos mais experientes do Hospital Kiang Wu, como docentes voluntários. O primeiro grupo de estudantes formados pela escola – um total de sete – completou os seus estudos em 1926. Desde então, já receberam formação mais de três mil enfermeiros, de acordo com dados da instituição.
O primeiro campus do Instituto de Enfermagem Kiang Wu foi estabelecido em 1937, com a criação de um edifício para esse fim no complexo do Hospital Kiang Wu. Para fazer face ao crescente número de estudantes, foram construídas novas instalações em 1956, que se mantiveram em funcionamento até ao Verão do ano passado, embora tenham sido alvo de sucessivas renovações e expansões. Em 2012, o instituto passou também a utilizar o edifício Tung On da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu, para laboratórios. No ano seguinte, estabeleceu uma extensão nos 13.º a 16.º andares do Edifício Macau Daily News, em Mong-Há, para resolver o problema da falta de espaço.
“Os nossos licenciados podem ser enfermeiros registados não só em Macau, mas também no resto da Grande Baía, nos Estados Unidos, no Japão e noutras partes do mundo”
NG WAI I
VICE-PRESIDENTE DO INSTITUTO DE ENFERMAGEM KIANG WU PARA A ÁREA ACADÉMICA
Ao longo dos seus 100 anos de vida, a escola passou por várias mudanças, desde o nome à configuração dos cursos disponibilizados, que passaram de cursos profissionalizantes para programas de ensino superior. “Um marco importante decorreu em 1997, quando convidámos profissionais da Universidade Politécnica de Hong Kong para nos apoiarem na criação de uma licenciatura em enfermagem, fruto da nossa decisão e determinação em oferecer acesso a graus de ensino superior”, conta Ng Wai I, vice-presidente do Instituto de Enfermagem Kiang Wu para a área académica. No seguimento desse processo, o instituto foi convertido, em 1999, em instituição privada de ensino superior, oferecendo inicialmente o grau de bacharelato em enfermagem. A partir de 2002, passou a disponibilizar licenciaturas de quatro anos.
Segundo Ng Wai I, a escola tem vindo a acompanhar a evolução da sociedade ao longo dos tempos. Se, nos primórdios, o tipo de educação disponibilizado estava apenas vocacionado para a formação de enfermeiros, o instituto passou posteriormente a oferecer cursos na área da obstetrícia para fazer face à procura local por parteiras. “A partir dos anos 1980 e 1990, o envelhecimento da população tornou-se um problema maior, pelo que começámos a formar pessoas para cuidar dos idosos”, acrescenta a responsável.
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Com o lançamento do regime de qualificação e inscrição para o exercício de actividade dos profissionais de saúde, em 2020, e o subsequente estabelecimento do Conselho dos Profissionais de Saúde, passou a existir um enquadramento mais claro para o exercício de funções na área da enfermagem em Macau. “Nestes últimos anos, com o novo regime, os requisitos são mais precisos”, reconhece a vice-presidente do Instituto de Enfermagem Kiang Wu. “Porém, antes disso, já tínhamos vindo a participar em avaliações e exames externos, convidando para isso profissionais de outros países e regiões, de forma a garantir a qualidade do nosso ensino.”
Ng Wai I salienta que estas avaliações externas não são obrigatórias. Contudo, podem ajudar a aumentar a confiança do público quanto à formação disponibilizada pela escola, além de permitirem que os cursos aí leccionados sejam reconhecidos internacionalmente. “Os nossos licenciados podem ser enfermeiros registados não só em Macau, mas também no resto da área da Grande Baía [Guangdong-Hong-Kong-Macau], nos Estados Unidos, no Japão e noutras partes do mundo”, diz.
Enfermeiro, uma profissão de paixão
Embora a maioria dos profissionais de enfermagem em Macau seja do sexo feminino, esta é uma carreira que atrai também muitos homens, como se pode ver pelas salas de aula do Instituto de Enfermagem Kiang Wu. Hong Kam Wai, enfermeiro da unidade de cuidados intensivos do Hospital Kiang Wu, é um desses exemplos.
Licenciado em 2012, desde então tem trabalhado na área da medicina intensiva. Segundo afirma, a proporção de homens no campo da enfermagem está em expansão. “No passado, os enfermeiros do sexo masculino representavam apenas cerca de dez por cento do total, mas houve efectivamente um aumento”, diz. De acordo com dados dos Serviços de Estatística e Censos de Macau, o número de enfermeiros do sexo masculino quase que triplicou na última década, para mais de 350 em 2022.
Ao Hoi Tong espera, daqui a um par de anos, poder ser colega de Hong Kam Wai. A estudante, actualmente no segundo ano da licenciatura em enfermagem do Instituto de Enfermagem Kiang Wu, segue as passadas do pai, também ele enfermeiro. “Sei bastante sobre hospitais desde que era jovem”, conta. “Estava bastante determinada em ser enfermeira no futuro.” Segundo acrescenta, o que a atrai para a profissão é “o sentimento de ser necessária” para os outros, algo “muito mais importante e significativo” do que um salário porventura mais elevado noutra profissão.
Fok Weng Lam, no último ano da licenciatura, concorda. Também ela diz que escolheu o curso de enfermagem por ser a carreira mais directa para poder auxiliar outros. “Em minha casa, havia um idoso doente”, conta. “Quando o via sofrer e não sabia o que podia fazer para o ajudar, era muito triste. Esta é uma das razões por que frequento este programa.”
Sobre o Instituto de Enfermagem Kiang Wu, salienta que é “o mais emblemático de Macau no que respeita a cursos de enfermagem”. Além disso, a escola “oferece muitas oportunidades de aprendizagem prática, bem como de intercâmbio”, diz.
“Alguns institutos de enfermagem [no exterior] concentram-se na parte teórica durante os primeiros três anos e disponibilizam um estágio durante o último ano de estudos”, afirma. “Aqui, começamos a estagiar desde o primeiro ano, tendo aulas teóricas e estágio ao mesmo tempo, o que é uma forma de nos familiarizarmos com o ambiente de trabalho.”