Chineses aprendem mais português

Disparado pelos negócios com os países lusófonos, o ensino do português deu um salto significativo na China nos últimos anos. De quatro passaram a ser 14 as universidades a leccionar a língua, sem contar com as instituições privadas de norte a sul do país

 

 

Texto e Fotos Maria João Belchior, em Pequim

 

O crescimento e o investimento chinês em países onde se fala português foram de tal maneira avassaladores que as universidades já não chegam para o aumento da procura da aprendizagem da língua portuguesa. A necessidade fez proliferar o negócio das escolas privadas. Antes as universidades com cursos de português contavam-se pelos dedos de uma mão. Hoje, nas 14 instituições de ensino superior com uma licenciatura em Língua Portuguesa espalhadas por toda a China, há 940 alunos registados a aprender português, segundo dados deste ano lectivo. A este número juntam-se aqueles que aprendem a nível privado, cujo total é ainda desconhecido.

Enquanto que até há alguns anos o Instituto Camões era a única instituição a enviar professores de português para a China, para fazer face à crescente procura a Universidade de Lisboa tem assumido um papel cada vez mais importante na divulgação da língua e da cultura portuguesas.

O programa da Universidade de Lisboa é autónomo e financiado pela própria, como aponta Moisés Fernandes, director do Instituto Confúcio em Lisboa. Uma vez que, e também devido à crise financeira em Portugal, se torna caro financiar o envio dos seus próprios docentes para a China, já existe a ideia da Universidade de Lisboa se associar a empresas chinesas, com interesses no Brasil e em Angola, para um eventual patrocínio na colocação de mais profissionais de português na China.

“A preocupação máxima da Universidade de Lisboa é garantir a melhor qualidade possível dentro das circunstâncias para o ensino do português na China”, refere Moisés Fernandes. A proliferação de cursos tem criado nos últimos anos um problema de qualidade no ensino. Para o director do Instituto Confúcio, é especialmente importante a criação de protocolos entre as universidades chinesas onde se lecciona português e universidades em Portugal ou no Brasil como uma ponte para o ensino. A questão da falta de qualidade de algum ensino privado é um problema referido por outros professores, chineses e portugueses, que têm assistido à multiplicação constante do número de cursos e de alunos.

No ano lectivo de 2009/2010, a Universidade de Lisboa enviou pela primeira vez dois leitores portugueses para leccionarem na Universidade de Estudos Estrangeiros de Tianjin. O modelo foi criado por uma cooperação entre as duas instituições.

A ideia de divulgação que existe há muitos anos através de institutos como o português Camões ou o espanhol Cervantes foi aproveitada por Pequim, que há anos começou a investir no ensino do mandarim além-fronteiras. O Instituto Confúcio é uma instituição vocacionada para o ensino da língua chinesa. O interesse cada vez maior pela aprendizagem do mandarim levou o Governo Central, através do grupo económico Hanban, a não poupar esforços para expandir a rede Confúcio pelo mundo inteiro. E hoje há mais de 300 institutos espalhados pelos cinco continentes. Pelo seu poder económico, em menos de uma década a China conseguiu ser o número um no espalhar de centros de língua pelo mundo.

 

Um objectivo concreto

Portugal continua a ter de fazer um esforço para aumentar o investimento. O investigador Moisés Fernandes tem procurado, através de viagens à China, aproximar Lisboa das cidades chinesas interessadas em ter cursos de português. “Interesses muito concretos”, frisa o professor quando interrogado sobre o porquê de estudar português pelos chineses. Os recursos naturais parecem ser a chave da resposta. A República Popular quer assegurar garantias para o futuro desenvolvimento que deve seguir o mesmo ritmo de até agora. A importação de matérias-primas e recursos naturais leva a China a investir em países como Angola e o Brasil. Os anos de 2002 e 2003 significaram uma mudança, com o início dos protocolos de cooperação com os dois países. Se em 2002 estudar português ainda era pouco comum, em 2010 a taxa de empregabilidade dos estudantes passou a levar muitos pais a olharem o português como um seguro de vida para os seus filhos.

Uma grande parte dos alunos que investe na língua portuguesa passa um ano a estudar no estrangeiro ou em Macau. A favorecer a aprendizagem in loco, a viagem até Portugal ou o Brasil torna-se fundamental. Para muitos, é a primeira oportunidade de conhecer as culturas destes países. As universidades do Interior da China têm programas co-financiados pelo Governo Central de intercâmbios universitários em Lisboa, São Paulo e Macau.

 

Falta de professores

Pela grande procura que existe actualmente começa a haver falta de leitores e professores nativos, tanto na variante de português falado no Brasil como na de Portugal. Moisés Fernandes considera que vai ser preciso que mais universidades se unam para colmatar esta falha. Além do Instituto Camões e da Universidade de Lisboa, universidades no Brasil podem começar a investir no envio de professores. Até agora não há universidades brasileiras associadas ao ensino na China.

Em relação ao mercado de trabalho, a esmagadora maioria dos licenciados segue para Angola e para o Brasil e apenas uma minoria para Portugal. Do ponto de vista da remuneração, os salários mais altos são oferecidos em empresas que trabalham com Angola e com o Brasil.

Das 14 universidades na China, nove inauguraram o curso depois do ano 2005, o que é um reflexo da importância das relações comerciais com a CPLP. Liliana Gonçalves é professora na Universidade de Comunicação da China desde 2005. Mais de cinco anos a leccionar em Pequim, já permitiram que a professora visse vários dos seus alunos partirem para os destinos mais comuns.

Com aulas de português do Brasil e de Portugal, os alunos fazem o terceiro ano na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil. Uma viagem que, para muitos, se torna inesquecível e na qual adoptam rapidamente um sotaque brasileiro. “Os alunos chineses evoluem muito depressa, porque estudam bastante e se esforçam muito”, garante Liliana, que no quarto ano do curso dá nas aulas alguma iniciação à literatura dos países lusófonos.

A facilidade com que aprendem tem a ver com a dedicação de horas passadas a perceber as conjugações dos verbos em português ou o feminino e o masculino dos substantivos, algo que não existe no mandarim. Luís Pires, docente enviado pela Universidade de Lisboa para o curso em Tianjin, concorda com a dedicação dos chineses ao estudo. Há cerca de um ano na China, Luís Pires decidiu criar uma plataforma de comunicação entre os professores de Língua Portuguesa. Assim nasceu a Comunidade de Ensino de Português Língua Estrangeira na China (CEPLEC).

 

Um sítio para a comunidade

Criar um sítio que fosse além das salas de aula foi a ideia por detrás da abertura da página na Internet (www.ceplec.org) onde todos os professores de Língua Portuguesa na China poderiam encontrar-se. A evolução repentina dos últimos anos que Luís Pires observou assim que chegou à China levou-o a pensar que é a altura certa para “haver um trabalho de consolidação do que está a acontecer”. O juntar de artigos, temas de discussão para um fórum e novidades ligadas ao trabalho de ensino do português como língua estrangeira começaram então a dar forma à CEPLEC.

Voltado essencialmente para os professores, o website pretende dar voz a quem ensina numa forma também de partilhar métodos e técnicas. Depois de quase um ano desde a primeira ideia, o plano para o futuro é estender os trabalhos na página online a alunos chineses. Como um projecto em construção, a CEPLEC vai expandir o grupo de trabalho com mais professores que vão passar a dinamizar o site.

Exercícios, trabalhos das aulas, um glossário. Luís Pires enumera algumas das tendências que espera que fiquem disponíveis a partir deste ano. “Chamar os alunos é o importante”, frisa o professor. À semelhança do fórum que já está disponível para os professores que se registam, Luís Pires pensa que será relevante alargar os debates aos estudantes.

Uma organização independente, a CEPLEC poderá vir a receber patrocínio e apoios de alguma organização, desde que isso não implique a modificação dos conteúdos, sublinha Luís Pires. Para estudantes que aprendem a Língua Portuguesa fora de Pequim e de Xangai, ainda é difícil ter contactos com comunidades de língua portuguesa, assim como debater assuntos em português, visto que muitos não têm professores nativos. A intenção da CEPLEC é colmatar essa falha.

Em algumas universidades ainda há escassez de livros e materiais de cultura, linguística e literatura lusófonas. “É preciso também que haja maior oferta de materiais focados exclusivamente para alunos chineses”, sugere Luís Pires. Para os estudantes chineses a técnica da memorização é a que prevalece. O professor, como outros profissionais, realça a importância de estimular a criatividade nas aulas.

No Interior do País, o ensino da Língua Portuguesa está cada vez mais presente. Um dos projectos possíveis para o futuro é concretizar o Centro de Avaliação do Português como Língua Estrangeira (CAPLE), que permitirá ter um documento a certificar os conhecimentos de português.

Facto assente é que a procura por parte dos alunos vai continuar a aumentar. A motivação económica é forte e a maior aproximação da China ao Brasil também deve vir a pautar os próximos anos. O falar português dá emprego – pensam os estudantes. Uma razão suficiente para que mais universidades equacionem a abertura de uma licenciatura em Língua Portuguesa. Em pouco tempo, serão precisas mais de duas mãos para contá-las todas.

 

Um curso que tinha dez alunos em 1986

Quando Raul Pissarra chegou em 1986 para ensinar português em Pequim, a ideia poderia parecer estranha a muitos. O professor, na altura com 35 anos, sabia que estava a ir em direcção a uma nova experiência.

Na altura, o curso superior de Língua Portuguesa já existia na Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim e tinha uma duração de quatro anos. Através de um protocolo com o Instituto Camões, a Universidade recebia, desde os anos 80, Leitores de português. Raul Pissarra chegou para ser Leitor num lugar que em tempos tinha sido ocupado pela escritora Maria Ondina Braga.

“Cheguei e vim ensinar uma turma de um segundo ano” contou o professor à Revista Macau. A turma tinha dez alunos a frequentar o curso superior. Além deste existia um curso rápido para aprendizagem da língua que conseguia cativar mais pessoas. Como Raul Pissarra recorda “o inglês era a língua mais procurada nas licenciaturas”. Naquele tempo, entrava uma turma nova cada dois anos para o Português. Um cenário que hoje se alterou radicalmente.

Cada ano a Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim admite uma turma nova com uma média de 24 alunos. Do primeiro ao quarto ano, a Universidade ensina todos os anos a cerca de cem alunos língua e cultura portuguesa.

O Professor Ye Zhiliang é hoje professor do Departamento de Português na Universidade de Estudos Estrangeiros. Há vinte e quatro anos atrás foi aluno do Professor Pissarra quando o português ainda não era uma língua tão procurada.

 

Um futuro a médio prazo

“Hoje o que motiva os estudantes é saberem que há muitas saídas profissionais com este curso” diz Raul Pissarra. A empregabilidade dos licenciados em Língua Portuguesa tem taxas de cem por cento e ofertas de trabalhos com bons salários.

Longe vão os tempos em que era preciso criar facilidades para os alunos como forma de cativar mais gente a aprender português.

Macau e os países da CPLP são a principal razão para este sucesso. Raul Pissarra considera que num futuro próximo o português deve continuar a ser muito procurado devido às “excepcionais relações que a China tem vindo a desenvolver com o Brasil e Angola.”

A média de entrada no curso subiu e quem estuda, sabe que tem uma grande hipótese de acabar a trabalhar em África. As empresas chinesas com negócios em países da CPLP procuram muitos recém-licenciados para trabalharem como tradutores. Mas não são apenas os países africanos de língua oficial portuguesa que aparecem na lista como os destinos mais prováveis e o Brasil é outra das apostas muito fortes da China.

Tanto as empresas públicas como privadas fazem a ronda pelas universidades onde se lecciona o português de cada vez que termina um ano lectivo. Os negócios, a diplomacia e também a comunicação social, são futuros que sorriem aos novos jovens chineses que se dedicam durante horas intermináveis à conjugação dos tempos verbais simples e compostos. É possível que o próprio mercado se esgote, uma vez que há cada vez mais gente a aprender português. No entanto, este não é um cenário previsível a curto prazo.

 

Divulgar Portugal

A curiosidade de conhecer Portugal em Pequim tem levado muitos estudantes a participarem em actividades organizadas esporadicamente pelo centro cultural da Embaixada de Portugal.

Através das bibliotecas dos Leitorados nas Universidades os alunos têm a primeira oportunidade de conhecer alguns nomes da literatura portuguesa. Mas o desafio de ler um livro inteiro em português é algo que só depois do segundo ano começa a parecer possível aos alunos.

Para Raul Pissarra que ensinou durante oito anos em Pequim, o contacto com os alunos é um “trabalho gratificante”. A juntar os anos que lecciona em Macau, o professor Pissarra tem vinte e quatro anos de experiência no ensino de português como língua estrangeira.

O próprio tamanho de Portugal e a falta de meios económicos leva a que os estudantes que seguem para estudar um ano no estrangeiro em programas de intercâmbio com universidades no Brasil ou em Portugal, o façam sempre através de bolsas de estudo dadas pelo governo chinês através do seu ministério da Educação.

 

CRI, uma rádio chinesa em português

Com programas de 30 minutos a China Radio International (CRI), abriu o departamento de português quando corria o ano de 1960. Era a primeira vez que se transmitia em língua portuguesa a partir da China e para um público localizado em países como Brasil, Portugal, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

Cinco anos depois, em Abril de 1965, a programação passou a uma hora diária. Nos dias que correm, a CRI tem acordos com rádios no Brasil, como a Super Rádio FM e a Rádio Guaíba, que transmitem noticiários sobre a China gravados em Pequim e em português. Das 19h00 à 1h00 do dia seguinte, transmite para os países lusófonos todos os dias, cobrindo assuntos que vão da actualidade, à cultura e ao desporto.

À semelhança da agência noticiosa Xinhua (também conhecida em português como “Nova China”), que aposta num serviço em português, a CRI transmite notícias sobretudo para um público estrangeiro. No total, a China Radio International emite programas em 53 línguas diferentes.

Desde que em 2002 o número de licenciados em Língua Portuguesa começou a aumentar, os dois meios de comunicação, a CRI e a Xinhua em português, tornaram-se destinos comuns para os jovens à procura do primeiro emprego.

O trabalho como tradutor numa redacção ou mesmo jornalista entre uma equipa de repórteres estrangeiros está na lista das melhores oportunidades de empregos depois da licenciatura. As equipas de jornalistas estrangeiros na Xinhua e na CRI são formadas principalmente por brasileiros que escolhem a China como país para trabalhar. A estes juntam-se os jovens chineses que têm nos meios de comunicação em português o seu primeiro trabalho.

Em 2010, comemorou-se o 50.º aniversário do departamento de português da CRI e todos os embaixadores de países lusófonos com representação em Pequim foram convidados a deixar uma mensagem de felicitações à rádio. Exemplos do serviço público que a China quer prestar, os meios de comunicação em português evidenciam a importância das relações com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e de uma amizade que começou há já meio século.

 

As primeiras oportunidades

Se há cerca de cinco anos era muito fácil encontrar um primeiro emprego para jovens chineses a falar português, com a maior oferta no mercado há cada vez mais alunos do último ano do curso a mostrarem-se preocupados com as possibilidades de escolha.

Gigantes como a empresa SINOPEC, a Huawei e a ZTE, todas com grande presença no continente africano e no Brasil, têm recebido recém-licenciados em português. Mas também as instituições bancárias, como o Banco de Desenvolvimento da China, são hipóteses para quem estuda a língua. A agência de notícias oficial Xinhua e a China Radio International (CRI) já não conseguem receber tantos estudantes como há cinco anos. Embora a taxa de empregabilidade continue nos 100%, a preocupação de arranjar um bom trabalho sem ter de sair do país preocupa alguns estudantes. Os salários são muitas vezes atractivos para quem embarca numa aventura até África. A diplomacia é também uma opção para quem estuda português. Porém, a entrada no mundo diplomático está reservado muitas vezes apenas aos melhores alunos. Por último, existe a opção da carreira académica mas que ainda não cativa muitos. Por enquanto há apenas duas universidades com curso de mestrado em Língua Portuguesa.