Os principais sectores para a diversificação económica de Macau “convergem para aquilo em que Portugal é especialista”, existindo um vasto leque de oportunidades a explorar, diz o Cônsul-Geral de Portugal em Macau, Alexandre Leitão. Aperfeiçoar a prestação de serviços e aprofundar as parcerias nas áreas da cultura, economia e comércio são prioridades, tal como Hong Kong, que, segundo o representante diplomático, “tem um potencial extraordinário” para as relações com Portugal
Texto Tiago Azevedo
Fotografia Cheong Kam Ka
Está há pouco mais de seis meses à frente da missão consular para Macau e Hong Kong. Quais são as prioridades para o seu mandato?
Os primeiros seis meses foram muito intensos, essencialmente de prospecção, de tentativa de compreender o ponto de situação do consulado e da comunidade. As prioridades traçadas quando cá cheguei mantêm-se, isto é, em primeiro lugar, trabalhar para prestar um serviço melhor e mais rápido aos portugueses.
Encontrámos aqui uma situação muito complexa e, antes de mais, nós servimos as pessoas. Estamos num esforço enorme para tentar, até ao final do ano, reestruturar um conjunto de elementos para fazer face a uma procura de actos consulares – sobretudo passaportes e cartões de cidadão – que foi muito amplificada pela pandemia, durante a qual as pessoas não puderam tratar da renovação dos seus documentos. Temos actualmente uma procura que é superior ao dobro do normal. Temos que fazer face a esta procura com os recursos habituais, o que é um desafio de gestão. Independentemente dessa sobrecarga, queremos também rever algumas outras áreas. No fundo, vamos tentar transformar uma dificuldade num desafio e um desafio numa oportunidade.
Paralelamente, há também uma aposta assumida na intensificação das relações económicas, aposta essa que assenta em três pilares: o investimento em Portugal, o comércio bilateral e o investimento na vertente cultural. Portugal é um país moderno e competitivo e pensamos que a cultura, a preservação do património, a defesa e a difusão da nossa língua são actividades que têm de ser desenvolvidas a par da promoção económica. Obviamente, olhamos com atenção para o que fazem as associações ditas de matriz portuguesa e tentamos perceber em que medida as podemos ajudar.
O consulado anunciou em Julho a criação de um conselho consultivo. O que pretende alcançar com este novo órgão?
Os conselhos consultivos são constituídos em cumprimento da legislação portuguesa. A ideia é termos um grupo coeso, onde possamos discutir abertamente tudo, ouvir as opiniões das pessoas e depois, naturalmente, decidir o que fazer. Podia ter escolhido imensas constituições, porque a comunidade portuguesa aqui é muito grande, rica e diversificada, mas procurámos complementar as diferentes valências dos seus membros.
O conselho consultivo tem uma parte que é estabelecida pela lei e que é por inerência, desde logo, o presidente, que é o cônsul-geral, a responsável pela língua portuguesa, que é a directora do IPOR [Instituto Português do Oriente], os três conselheiros das comunidades e um funcionário do consulado. Podem depois ser nomeadas até seis pessoas como membros deste conselho.
Escolhi seis pessoas com base nas suas qualidades e numa tentativa de representar a variedade de interesses, actividades profissionais, idades, sexos e, obviamente, complementando com aqueles que já tinham inerência. O objectivo era fazer uma equipa que fosse o mais representativa possível da comunidade portuguesa.
Queremos ouvir os senhores conselheiros sobre as várias áreas do trabalho consular. Temos a ideia de criar três grupos de reflexão e aconselhamento sectoriais: para nos aconselhar em matéria económica; em matéria cultural e académica; e um terceiro grupo especificamente sobre Hong Kong. Este é o Consulado Geral de Portugal em Macau e Hong Kong. Hong Kong é uma realidade distinta e nós normalmente prestamos muita atenção e dedicamos muito do nosso tempo a Macau. Eu tenciono prestar bastante atenção a Hong Kong, porque entendo que Hong Kong, além de ter muitos portugueses, tem um potencial extraordinário na intensificação das relações com Portugal.
“A vontade política de Macau de promover a diversificação económica vai ao encontro do que é hoje a realidade e o empreendedorismo português”
ALEXANDRE LEITÃO
CÔNSUL-GERAL DE PORTUGAL EM MACAU
Chegou a Macau no início do ano, quando o território começou a reduzir as restrições ligadas à pandemia da COVID-19. O que destaca como fundamental no que toca ao reactivar das relações nesta fase pós-pandémica?
Cheguei praticamente quando cessaram as restrições e, portanto, quando se pôde recomeçar um relacionamento que foi até certo ponto interrompido em 2019. Nesta área, é de realçar o agrado e a satisfação pela forma como correu a deslocação do Chefe do Executivo a Portugal [em Abril]. A escolha de Portugal como primeiro destino para uma saída ao estrangeiro teve muito de simbólico e foi correspondido em termos de cortesia pelas autoridades portuguesas de forma inequívoca. Eu penso que o apreço à manifestação, por parte de Portugal, de um carinho histórico e de uma vontade de ter uma relação especial com Macau aconteceu durante a visita.
Temos aqui uma vocação institucionalmente conferida a Macau pelas autoridades da República Popular da China de ser uma plataforma para os países de língua portuguesa, nos quais Portugal se inclui e que, em vários domínios, é um pouco ponta de lança, mais não seja pela própria dimensão da comunidade portuguesa. Esse é um desígnio que nós levamos a sério e entendemos que há ainda imenso trabalho a fazer para que esse objectivo seja concretizado em acções, parcerias económicas, actividades culturais e intercâmbio de pessoas.
Este ano, penso que se atingiu o número mais elevado de estudantes de instituições de ensino superior de Macau a irem estudar em Portugal, o que significa que também existe na comunidade universitária uma percepção da utilidade do relacionamento com Portugal. E não é só no domínio da aprendizagem da língua portuguesa, mas em muitas mais áreas.
A maior parte das universidades de Macau tem docentes portugueses em posições de evidência e trabalha em investigação científica em domínios que hoje interessam muito a Portugal, como a sustentabilidade, a economia verde, a economia azul, as novas tecnologias, a biomedicina e a inovação. Tudo isto são áreas em que a vontade política de Macau de promover a diversificação económica vai ao encontro do que é hoje a realidade e o empreendedorismo português, nomeadamente, a vontade de internacionalizar, de trazer mais valor acrescentado à economia e toda uma geração de jovens empreendedores que estão a lançar empresas aproveitando um investimento em Portugal que foi superior à média europeia em matéria de investigação científica.
Portanto, penso que há aqui um casamento quase perfeito, um enorme potencial que vale a pena concretizar, passando para coisas concretas como a formação e contratação de pessoas, criação de empresas, parcerias no domínio da investigação e trabalhos académicos conjuntos. É isto que realmente consubstancia uma parceria que no papel é virtuosa e óbvia.
Quais são as áreas com maior potencial para a cooperação entre Portugal e Macau?
Os vectores principais da diversificação económica de Macau convergem para aquilo em que Portugal é especialista. Nós somos notoriamente um país especialista em turismo sem ser no jogo e, portanto, somos complementares da enorme especialização que tem Macau na área do jogo.
Somos também um país que tem belíssimas unidades no domínio da farmácia e da medicina, seja em termos de gestão ou de qualquer área deste universo da saúde. E somos um país com empresas notabilíssimas na área das novas tecnologias. Isto tem que ver também com uma mudança de valores, mas, essencialmente, de atitude geracional em Portugal.
Há um outro campo em que me parece que Portugal pode ser um grande parceiro de Macau que é todo o domínio da sustentabilidade. Portugal é um país que deliberadamente assumiu como uma prioridade a descarbonização da sua economia. Foi o primeiro país a anunciar o objectivo da neutralidade carbónica em 2050, na Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, que decorreu em Marraquexe [em 2016]. Somos um país ambicioso nesta matéria, apesar de termos plena consciência de que isso nos traz desafios enormes para a reconversão económica e para a competitividade.
Na economia azul estamos claramente na linha da frente. Somos um dos países mais inovadores, com mais start-ups, com mais incubadoras, com mais investigação científica e com um projecto nacional. Sobretudo depois da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, em Lisboa, no ano passado, este é um plano mais estruturado e, tenho dito, Macau pode perfeitamente aspirar a ser um dos pólos na região asiática em termos de sustentabilidade ou economia azul.
E como podem Portugal e Macau colaborar ao nível destes domínios?
Portugal está pronto a colaborar ao nível das universidades, das incubadoras e das empresas privadas, visto que este é um sector que floresce em Portugal, com projectos extremamente inovadores. Podemos encontrar aqui uma panóplia muito grande de convergências potenciais para parcerias virtuosas, que são ainda por cima amplificadas porque Macau faz parte da Grande Baía [Guangdong-Hong Kong-Macau].
Apesar de ser um território mais pequeno, comparado com Cantão, Shenzhen ou Hong Kong, Macau está visivelmente a procurar encontrar um conjunto de funções que lhe dêem destaque nesta região à volta do delta do Rio das Pérolas, que é de um potencial enorme pela sua população, pela riqueza que já tem, pelo produto que já gera e pela inovação tecnológica.
A Grande Baía representa, obviamente, uma oportunidade extraordinária. Mas esse fluxo da plataforma não é só no sentido de levar interesses chineses para os países de língua portuguesa, também tem de ser no sentido de atrair investimento desses países para esta região. Uma área evidente é a concretização do potencial de Macau como uma porta de acesso à China, porventura, através da certificação dos bens e serviços portugueses e lusófonos.
O ambiente em Macau é mais favorável porque o empresário português, angolano ou brasileiro que se instale em Macau encontra aqui um ambiente legal e um quadro jurídico muitíssimo mais confortável, porque é muito próximo daquilo que conhece no seu país de origem. Isto é uma vantagem extraordinária para Macau, que ainda tem o português como língua de trabalho.
Acredita que o número de portugueses em Macau possa aumentar nos próximos anos. O que irá alavancar esse crescimento?
Penso que existem condições para o número de portugueses que vêm para Macau voltar a crescer: Portugal pode disponibilizar médicos, magistrados e outros portugueses qualificados para, com isso, beneficiar o esforço de desenvolvimento, crescimento e diversificação económica do território. Estou certo de que, se houver uma vontade concreta de trazer determinadas categorias de profissionais, Portugal responderá positivamente. As comunidades portuguesas são, em geral, ordeiras, trabalhadoras e trazem sempre mais-valia a qualquer sociedade onde se encontram.
Que mais se pode fazer para dar a conhecer as oportunidades existentes em Portugal junto dos empresários e investidores da China?
Esse é também um dos pilares da nossa acção, minha e do delegado da AICEP [Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal], Bernardo Pinho. Em primeiro lugar, a intensificação das trocas comerciais teria, a meu ver, um desenvolvimento extraordinário se através de Macau os produtos pudessem ter a certificação necessária para entrar no Interior da China.
Há algo que eu tenho dito com alguma insistência: os tempos mudaram e a forma para atingirmos os nossos objectivos deve ser pensada no âmbito dos compromissos do Acordo de Paris [sobre alterações climáticas]. Há aqui novos valores que emergem, por exemplo, a economia circular e a aposta na produção de proximidade, porque o transporte de mercadorias implica sempre uma pegada muito grande. Nesse sentido, há três grandes mercados: a China, os Estados Unidos e a União Europeia. Da mesma forma que, no passado, empresas europeias e americanas investiram aqui, faz todo o sentido que, no futuro, as principais empresas chinesas tenham unidades de produção também na Europa, orientadas para o mercado europeu. Portugal, nesse domínio, é um país da União Europeia e com a vantagem de ser também, evidentemente, uma plataforma de ligação ao Atlântico Sul. Lisboa é a capital europeia mais próxima de Nova Iorque, sendo também um grande ponto de distribuição, desde logo em voos para a América do Sul e, em geral, para o Atlântico Sul, onde estão seis países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, um deles o Brasil, que é um mercado enorme.
Portugal, além disso, oferece condições atractivas para o investimento, sendo um país onde existe uma previsibilidade financeira, económica e jurídica, para além de ser relativamente barato em comparação com outros países da União Europeia. Além disso, é um país que tem hoje gente extraordinariamente bem preparada do ponto de vista profissional, incluindo no campo da inovação e do desenvolvimento tecnológico. Acho que Portugal tem belíssimos argumentos para competir com quaisquer outros países na qualidade, na captação de investimento e na fixação de unidades relevantes.