A força unificadora da língua portuguesa

Sete países, uma região e um idioma em comum são a receita encontrada para fomentar as trocas comerciais e o desenvolvimento económico. Macau cumpre o papel de mediador entre quem fala chinês e português desde a criação do Fórum Macau, há oito anos, que entrou em 2011 numa nova fase: a de formador de talentos lusófonos

 

 

Texto Lia Coelho

Fotos António Mil-Homens

 

Angola, Brasil, Timor-Leste, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Macau. Sete países e uma região que se querem cada vez mais próximos. Para que tal se proporcionasse para além de trocas comerciais, foi inaugurado, há um ano, o Centro de Formação do Fórum Macau.

“A partir daí e respeitando o anúncio do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, em Novembro passado, foram iniciados vários cursos a decorrer até ao final de 2011”, frisa Rita Santos, secretária-geral adjunta do Secretariado Permanente do Fórum de Macau.

Cinco cursos que abrangeram áreas como a gestão hoteleira, saneamento e saúde pública, modernização administrativa, empreendedorismo e, a fechar o ano de 2011, o curso de topografia, solicitado e direccionado para técnicos de Timor-Leste. “O objectivo até 2013 é formar 500 autoridades de língua portuguesa”, afirmou Rita Santos.

Os temas dos cursos “seguem as necessidades dos países participantes”, como refere o secretário-geral adjunto do Secretariado Permanente do Fórum Macau, Marcelo Pedro D’ Almeida. Assim, os países de língua portuguesa solicitam a Macau que realize cursos que possam vir a dotar os seus recursos humanos e que possibilitem, desta forma, melhorias no sistema e no investimento dos respectivos países.

“Já nos tinham pedido a possibilidade de estágios na RAEM, então promovemos estes cursos com a participação da comunidade lusófona e principalmente para os países em vias de desenvolvimento, como o caso de África e Timor-Leste, que gostariam de partilhar experiências com o Governo da RAEM. Por exemplo, as comunicações são hoje em dia feitas maioritariamente por correio electrónico, mas há países que ainda não têm este sistema. São lacunas que gostariam de ver colmatadas e procuram Macau para isso”, explica Rita Santos.

Marcelo Pedro d’Almeida destaca ainda o empenho de todos os países para melhorar os seus sistemas administrativos, gerar mais trocas económicas e aprender conceitos novos, que levem a essas melhorias. “E naturalmente Macau, como plataforma que dinamiza todos os aspectos do Fórum, achou por bem aceder ao pedido dos respectivos países”, diz o responsável.

A RAEM solicitou então aos delegados de Secretariado Permanente, que, por sua vez, contactaram os respectivos países através dos ministérios para proceder à inscrição de cada participante. As despesas são suportadas pelo Fórum, “para evidenciar o papel de Macau como plataforma”, esclarece Rita Santos.

A média por país está limitada à participação de três a cinco pessoas, com cada turma a ser composta por cerca de 20 a 30 membros. Um número previsto para que o ensino seja de qualidade, ressalva Marcelo Pedro d’Almeida.

Macau não promove apenas. A Região quer também dar a conhecer ao mundo lusófono que aqui se fala português. A secretária-geral adjunta considera que “além da língua chinesa, o português também é uma língua oficial e muitos dos países que compõem a lusofonia desconhecem essa informação”. “Queremos ainda divulgar as nossas actividades na promoção da língua”, acrescenta.

Os cursos são para continuar, mas o programa para 2012 está ainda em fase de discussão. O secretário-geral adjunto adiantou que para já “existe um esboço, mas o calendário ainda não está definido” e deverá ter em conta as propostas dos participantes.

Do que já foi feito, Rita Santos avalia com saldo positivo e a provar está o alargamento do período de duração dos cursos. “Os primeiros dois módulos tiveram duração de apenas uma semana, agora são duas. Achou-se que sete dias era um período demasiado curto para conhecer Macau.”

Quem não conhece a realidade do que por cá se fala, chega e fica impressionado, porque se consegue comunicar em português. A secretária-geral adjunta contou que a primeira impressão que marcou a chegada dos participantes foi o facto de serem recebidos pela língua portuguesa e as ruas terem os nomes de historiadores portugueses, que eles também estudaram. “Sentiram-se em casa por causa da língua.” A curiosidade reside ainda nas publicações em duas línguas. Rita Santos deu o exemplo de Timor-Leste, que tendo também o português como língua oficial, pode vir buscar a Macau “o como se faz” para implementar este sistema.

Na agenda dos cursos estão também viagens ao Interior da China, com os olhos postos no estreitamento de ligações com o Grande Delta Rio das Pérolas. Uma também forte aposta do Governo da RAEM, que quer aproximar-se das cidades vizinhas.

 

 

A voz dos países

 

Angola, um dos grandes parceiros actuais da China

Garcia Panzo, participante do curso de Modernização dos Serviços Públicos dos países lusófonos do Centro de Formação do Fórum Macau, veio de Angola, onde desempenha a função de chefe de Departamento para a Organização Administrativa do Governo Provincial de Luanda. “Tendo em conta o papel de Macau, nós, como países integrados na lusofonia, viemos aqui buscar alguns subsídios para contribuir que o nosso país melhore em termos de serviços fornecidos pela função pública”, explicou o angolano. Para Garcia Panzo, esta tem sido a grande luta de Angola – melhorar o funcionamento dos vários departamentos do Governo, para assim conseguir corresponder às expectativas da comunidade. “Este curso é imprescindível, vamos beneficiar como funcionários públicos para poder melhorar a vida da nossa população”, frisou.

Uma estratégia importante de um país que saiu de uma longa guerra civil e que vive um momento de luta para reerguer as suas estruturas de funcionamento. “Estamos num bom caminho e queremos dar passos seguros e garantir à população uma sociedade segura e coesa”, avaliou. Para este participante, potenciar os recursos humanos de novos ensinamentos técnicos e científicos “é sempre positivo na melhoria de qualquer serviço”.

 

A Guiné-Bissau e os seus recursos naturais

Félix Gomes Teixeira, da Associação dos Naturais e Amigos da Guiné-Bissau, vê Macau como um exemplo para o sector do turismo. “Temos que ver o que a Guiné pode aprender com Macau. Talvez possamos levar ideias para desenvolver o turismo, mas não só. A nível de formação, também tentar aprender como fazer negócios – ver os procedimentos, tentar adaptar nos recursos humanos e, claro, angariar empresários que apostem em investir lá”, exemplificou.

O guineense fala em várias necessidades que o país enfrenta. O turismo é para ele uma potencialidade por explorar – uma vez que, a Guiné apresenta uma riqueza de recursos naturais e muitos locais paradisíacos que podem ser transformados em locais turísticos. Mas é preciso levar de Macau os homens de negócios para verem os recursos naturais em que podem apostar. Félix Teixeira deu o exemplo de uma empresa chinesa que já investiu no sector da pesca e que ajuda a escoar os produtos tirados e produzidos naquela terra de África.

 

Timor-Leste, o irmão mais novo da lusofonia

Mais perto geograficamente, mais ainda em fase embrionária de crescimento a todos os níveis, Timor reclama mais investimentos. Agostinho Martins, da Associação de Timorenses, ressalta a importância da manutenção da língua portuguesa para se preservar a união. “Neste momento temos uma polémica – a língua portuguesa. Além do que Macau está a fazer, os dirigentes têm que ver que o português beneficia Timor-Leste e não esquecer que a língua está consagrada na Constituição. O que nos marca é a língua.”

Os governos da China, Macau e Portugal estão a dar as mãos a Timor e o Fórum é uma representação dessa ajuda – “usando aquilo que nos une, a língua”. Para este timorense, não se pode esquecer o passado e deve-se olhar o presente com humildade. “Timor não é um campo de futebol que todos lá vão para chutar a bola. Se deixarmos o português é uma perda”, afirmou. Macau é para o país um exemplo a seguir, visto que vive numa harmonia de um sistema, duas línguas.

O português representa união e sem ele a oportunidades de negócios não se faz. Nas palavras de Agostinho Martins, “sem a língua que os une, o negócio perde o valor”. Apesar desta crença e de considerar que Macau serve de incentivo, o timorense sublinhou que há que chamar empresários para Timor. “Desde 2003 nenhuma empresa investe no nosso país.”

 

Brasil, o outro grande parceiro

O mapa de cooperação deixa o continente africano e asiático e viaja até ao único país da América Latina que fala a língua lusa. Carla Fellini, uma das representantes da Casa do Brasil, realça a ponte para impulsionar um turismo estagnado, de uma língua que precisa de ser mais promovida e de um porto de abrigo para brasileiros. “Há uma necessidade de colaboração, Macau tornou-se uma ponte entre a China e o Brasil, sendo os dois países actualmente grandes parceiros. Porque se fala português e chegar à China é muito difícil, porque só se fala chinês”, explicou.

Os brasileiros começaram a pisar o território há cerca de dez anos. A razão de emigrar tem sempre um ponto comum – a procura de uma vida diferente –, mas no caso do Brasil é também a fuga de uma realidade de violência e de dinheiro curto. “Macau é atractivo para os brasileiros que podem sair de uma vida de violência e baixa remuneração. Aqui têm trabalho, segurança, gostam e ficam”, contou Carla Fellini. Aqui têm criado raízes por causa da língua e pela cada vez maior possibilidade de gerar negócios. Duas economias emergentes que se tornaram grandes parceiros.

Do Fórum veio o convite de criar a Casa do Brasil há três anos e para se juntar e promover a cultura, também ela pertencente à comunidade lusófona. A associação veio permitir o reforço da informação e virar o consulado de Hong Kong para a região.

O Fórum, na opinião desta brasileira, ajuda a trazer pessoas, divulgar o território e a desenvolver parcerias. “O Fórum é também uma forma de reunir os brasileiros que vivem cá. É um ponto de referência, de contacto directo e ajuda a divulgar a nossa cultura”, sublinhou.

Uma cultura mais além de uns passos de samba e de futebol. O Brasil comunga da lusofonia, apesar de não se dar o devido valor. Mas a verdade é só uma: este país de culturas e raças tão distantes é lusófono e pode beneficiar dessa característica para fortalecer o próprio país. “O turismo lá está parado e nós temos inúmeras condições para o desenvolver.” A brasileira enumerou algumas atracções, como a floresta amazónica ou reservas naturais únicas. “Macau pode ser um bom divulgador do nosso sector turístico. O intercâmbio pode abranger mais áreas do que apenas o da construção civil e empresas.”

A educação também está na lista de benefícios entre as duas partes. “Existe muita gente em lista de espera para aprender português. Quem sabe o Brasil não possa trazer uma escola para o ensino da língua”, sugeriu ainda a brasileira.