A falta de espaço é um entrave ao desenvolvimento do futebol em Macau, mas dirigentes, responsáveis e treinadores não baixam os braços. Em poucos anos, dizem, já se registaram progressos com a criação de várias escolas e os frutos deste trabalho são as sementes para um futuro promissor
Texto Nelson Moura
Fotografia John Mak
O interesse pelo futebol de formação em Macau faz crescer várias escolas e academias pelo território fora. A paixão pelo desporto-rei é cada vez maior e, tal como um amor que permanece para a vida, o primeiro contacto ocorre ainda em tenra idade.
Nos vários cantos da cidade, crianças de diferentes idades não tiram os pés dos campos de futebol. Quem corre por gosto, não cansa, e estes são dias de treino e diversão, com muita correria, fintas, chutos e golos. Junto às linhas, muitos pais, familiares e amigos permanecem atentos a cada pormenor.
Existem actualmente sete escolas privadas de futebol juvenil em Macau e uma escola pública, de acordo com o Instituto do Desporto de Macau (ID). Estas instituições procuram passar conhecimento futebolístico aos seus alunos, mas, ainda mais importante, ajudá-los a crescer.
O futebol de formação, referem à Revista Macau dirigentes e treinadores ligados à modalidade, vai bastante além dos resultados, pois vencer jogos e celebrar os troféus não é o essencial. O sucesso, descrevem, passa por ajudar os jovens rapazes e raparigas a navegar novas experiências no seu percurso pessoal.
Nesse sentido, sublinham, a formação é a fase mais importante no crescimento dos jovens atletas, não só dentro das quatro linhas, mas também fora, por contribuir para a criação de laços de amizade, por reforçar o conhecimento da cultura desportiva e por ajudar a moldar as suas próprias personalidades.
Crescente oferta
Fundada em 2003 pelo ID em cooperação com a Associação de Futebol de Macau (AFM), a Escola de Futebol Juvenil de Macau conta actualmente com cerca de 800 alunos dos cinco aos 13 anos de idade, que treinam em vários campos na cidade.
“O nosso principal objectivo é, através dos treinos, permitir que os alunos aprendam mais sobre futebol, desfrutem do desporto e ganhem técnica e agilidade, além de criar as condições para que consigam continuar a treinar futebol e cresçam num ambiente saudável”, diz Jess Fong Fei, chefe da Divisão de Apoio ao Associativismo Desportivo do ID.
“Fundámos a escola juntamente com a AFM, por isso, quando alguns jogadores atingem um determinado nível, são recomendados pela AFM a clubes de futebol locais, de maneira a permitir que continuem a progredir na modalidade”, refere a responsável do ID.
No que toca a planos para o desenvolvimento de futuros jogadores em Macau, Pun Veng Keong, director curricular da Escola de Futebol Juvenil, aponta que a instituição tem gradualmente aumentado o número de escalões etários sob a sua alçada.
“Anteriormente, a Escola de Futebol Juvenil costumava ter uma classe sénior e uma classe júnior, com a classe sénior dividida em sub-12 e sub-14, e a classe júnior dividida em turmas de acordo com a idade dos alunos. Agora, adicionámos turmas de nível intermédio: sub-6, sub-8 e sub-10”, explica Pun Veng Keong.
A idade de admissão na escola tem como limite jogadores para o escalão dos sub-13, visto que os jogadores dos sub-15 já competem em jogos oficiais.
“Assim, alguns dos jogadores sub-14 com maior potencial serão seleccionados pela AFM para integrar a equipa de formação e jogar nas ligas juvenis, com os outros destacados para as associações ou clubes de futebol local”, acrescenta Pun Veng Keong.
De acordo com os representantes desportivos, os últimos três anos vividos sob a pandemia levaram vários pais a dar maior importância à saúde física dos seus filhos, o que os levou a inscrevê-los em várias actividades desportivas, entre elas o futebol.
“O número de crianças a jogar futebol aumentou e os pais ficam muito felizes em acompanhar os filhos às várias sessões de treino. Todos sabemos que o futebol é um dos desportos mais populares do mundo”, diz o mesmo responsável.
Começar por baixo
Diego Patriota, capitão do actual campeão da Liga de Elite de Macau, o MUST CPK (CPK), e treinador das escolas de formação do clube, afirma que o desenvolvimento juvenil sempre foi um dos objectivos primários do clube.
“Nós começámos a escola no final de 2016. A partir do momento em que um clube começa a pensar no desenvolvimento para o futuro, começa pelas camadas jovens”, aponta. “O CPK sabe que para os próximos passos e presenças em campeonatos asiáticos, toda a estrutura da academia tinha que estar bem organizada para que quando o clube atingisse esse patamar sénior, as camadas jovens estivessem minimamente estruturadas”, acrescenta.
O clube está a preparar-se para disputar a Liga dos Campeões da Confederação Asiática de Futebol na corrente época, com a confederação a exigir a qualquer equipa que participe nas suas competições a existência de um programa focado no desenvolvimento do futebol juvenil.
Além do mais, os clubes licenciados pela confederação devem ter equipas juvenis afiliadas em competições reconhecidas e devem ter formações em diferentes escalões etários.
Diego Patriota refere que a escola do CPK tem actualmente mais de 250 alunos, sendo uma das escolas privadas de futebol de maior dimensão no território. A academia do clube tem jogadores dos três aos 12 anos, bem como jovens nos escalões sub-14, sub-16 e sub-19, que participam em campeonatos juvenis.
O clube tem neste momento o privilégio de ser um dos poucos na Liga de Elite com campos para uso próprio. O campo da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla em inglês) é usado pela equipa sénior, enquanto os escalões de formação treinam no campo de futebol da Escola Internacional de Macau (TIS, na sigla em inglês), situada no mesmo complexo.
“Os planos para o futuro passam por melhorar a estrutura do clube, receber mais alunos e contribuir para o desenvolvimento do futebol local. É a nossa missão”, indica Diego Patriota. “Tem sido sempre um dos objectivos do clube, desde que começou na quarta divisão, desenvolver atletas locais e ajudá‑los a crescer.”
Novos jogadores em campo
O jogador e treinador brasileiro recorda que, durante a pandemia, várias famílias optaram por sair de Macau, levando a uma queda no número de alunos nas várias escolas da cidade, incluindo na TIS. Mas a crise de saúde pública também teve o efeito contrário, explica Diego Patriota.
“Como algumas crianças não puderam sair do território durante três anos, alguns pais procuraram as aulas de futebol como um escape para os fins-de-semana ou as férias de Verão.” Isso “acabou por equilibrar” o número de alunos nas escolas de futebol, refere.
Uma das academias que surgiu durante a pandemia foi a Escola de Futebol Dragões Azuis, ligada ao FC Porto Macau, que deu o pontapé de saída aos treinos no Verão de 2021.
“Demos a primeira aula e ficou tudo fechado a seguir [devido à pandemia]. Depois, recomeçámos e voltou tudo a fechar. Tem sido uma viagem com altos e baixos. Agora, estamos mais estabilizados e já não nos preocupamos se vai tudo fechar outra vez”, diz a presidente do clube, Diana Massada.
“Algumas escolas de futebol locais já existem há vários anos e outras surgiram nos últimos três a quatro anos. Acho que há interesse dos jovens em Macau, rapazes e raparigas, em jogar futebol e por isso faz sentido haver diferentes escolas, associações e clubes que complementem a oferta de desporto juvenil em Macau”, salienta a dirigente do FC Porto Macau.
Diana Massada considera que o período de fecho das fronteiras no território levou vários pais a procurar actividades físicas para os seus filhos, com o futebol a tornar-se numa escolha óbvia. A escola, actualmente, conta com mais de uma dezena de alunos entre os cinco e os 12 anos, com treinos aos fins-de-semana.
A dirigente destaca que a escola ainda está a dar os seus primeiros passos, com um ambiente mais “familiar” e “comunitário”, sendo uma formação associada ao clube que milita neste momento na quarta divisão de Macau. “Temos ainda de ganhar uma maior dimensão para podermos criar equipas juvenis que possam entrar em competições, seja com outras escolas em campeonatos particulares, seja em competições oficiais”, comenta.
Uma preocupação comum aos responsáveis pelas escolas de futebol locais é a escassez de campos e espaços para os treinos, um problema semelhante até nos níveis sénior do futebol local.
“[Resolver a falta de campos] é o principal desafio porque é um problema recorrente das academias. Às vezes, é necessário cancelar aulas, porque não há campos disponíveis. A partir do momento em que haja uma maior disponibilidade de campos com que se possa trabalhar, e onde as crianças possam desfrutar do futebol, haverá uma melhoria”, realça Diego Patriota.
“Conseguimos ver, aqui ao lado, em Hong Kong, ou no Interior da China, que a partir do momento em que se criam mais campos, ainda que sejam de cimento, há trabalho que pode ser feito e jogadores jovens que se desenvolvem”, acrescenta.
Diana Massada destaca que para as escolas com menores recursos financeiros é extremamente difícil encontrar espaço para treinar no território, devido à escassez de infra-estruturas desportivas. A dirigente destaca a necessidade de se investir mais no desporto juvenil, incluindo no futebol, visto que este tipo de actividades não só ajuda a desenvolver a vertente física dos jovens, mas ensina também “regras sociais, de convivência, e a ultrapassar frustrações”.
Esticar as linhas
No que toca à falta de espaços, a responsável do ID, Jess Fong Fei, admite que o número de campos de futebol em Macau é “limitado”, mas aponta que o Governo da RAEM tem envidado esforços para melhorar a situação, desde estender o horário de funcionamento dos campos para uso do público, a estabelecer parcerias com escolas locais para o uso das suas instalações.
“O que temos feito nos últimos dez a 20 anos é procurar um acordo com as escolas de Macau para abrirem as suas instalações desportivas ao público fora do horário escolar”, explica Jess Fong Fei. “Tentamos também optimizar as nossas próprias instalações, remodelá-las ou reconstruí-las para que haja mais instalações acessíveis ao público.”
“Por exemplo, o campo de relva artificial da Escola Secundária Sam Yuk está disponível ao público todos os dias. O Campo dos Operários da Associação Geral dos Operários de Macau, apesar de inicialmente destinado a hóquei, está também disponível para a prática do futebol”, destaca.
O ID negociou também com o Colégio D. Bosco para que o seu centro desportivo possa abrir ao público fora do horário escolar.
“Claro que há alguns períodos em que temos que providenciar os campos aos clubes de futebol sénior locais, para treinos e para os campeonatos de futebol organizados pela AFM”, afirma Jess Fong Fei.
A representante do ID realça também o trabalho levado a cabo na promoção da iniciativa “Desporto para Todos”, um conjunto de actividades destinadas a sensibilizar a população para os benefícios da prática desportiva. Nas Linhas de Acção Governativa para 2023, as autoridades destacam o foco no desenvolvimento de talentos desportivos e no aperfeiçoamento da construção de equipas estagiárias.
O Governo de Macau aponta também à continuação do apoio às associações desportivas na participação e organização de estágios para atletas; nas acções de formação para treinadores e árbitros; e na contratação de treinadores para as equipas estagiárias, por forma a aprofundar a formação de talentos desportivos.
É também realçado o desenvolvimento contínuo de intercâmbios desportivos juvenis em conjunto com as cidades e províncias do Interior da China.
“Esperamos poder incentivar mais cidadãos à prática desportiva através da disponibilização de diferentes tipos de actividades, como as actividades de Verão e as sessões de ‘Desporto para Todos’”, indica Jess Fong Fei. “Esperamos também formar os nossos alunos através da Escola de Futebol Juvenil ou de outras escolas de desportos juvenis, contribuindo para o seu crescimento pessoal.”
A responsável do ID lembrou ainda que existem em Macau diferentes escolas desportivas dirigidas a adolescentes, para que estes possam optar pelo desporto que mais lhes interessa. “Podem juntar-se a uma associação, equipa ou clube, aprofundar e desenvolver as suas competências e até representar Macau em competições”, enaltece Jess Fong Fei. “No entanto, o território de Macau é limitado, por isso fazemos o nosso melhor para desenvolver mais talentos locais nas diversas modalidades.”