A participação, em 2016, na versão tailandesa do concurso televisivo “Iron Chef” ofereceu-lhe – a ela, mas também à gastronomia macaense – uma visibilidade sem precedentes. Antonieta Manhão fez da divulgação da história, dos sabores e das virtudes da cozinha macaense uma missão
Texto Marco Carvalho
Fotografia Cheong Kam Ka
O edifício passa quase despercebido por entre o fulgor revivalista de que comungam as ruas de São Lázaro, mas insinua-se com a força de uma metáfora. É a partir deste espaço que Antonieta Manhão perspectiva um amanhã sorridente para a gastronomia macaense, um futuro em que formação e divulgação caminham de mãos dadas.
Conhecida dentro e fora das fronteiras do território como chef Neta, Antonieta Manhão tornou-se uma das mais conhecidas embaixadoras da cozinha macaense depois de ter disputado, em Janeiro de 2016, a versão tailandesa do concurso televisivo “Iron Chef”. A visibilidade granjeada com a participação no programa valeu-lhe desde então a presença em inúmeras acções de promoção e de divulgação da gastronomia macaense conduzidas pela Direcção dos Serviços de Turismo, tanto no Interior da China, como noutras paragens do planeta.
Desde que foi inscrita na lista do Património Cultural Imaterial da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), há pouco mais de uma década, a cozinha macaense alcançou uma proeminência inédita, mas é necessário mais do que divulgar para que o percurso se estenda para além de um vasto passado. Para que possa ter também futuro, argumenta Antonieta Manhão, mais do que disseminar os sabores, é fundamental cultivar os saberes macaenses.
“As promoções feitas fora de Macau servem, realmente, para que as pessoas fiquem a conhecer mais sobre a gastronomia macaense. Não há problema nenhum com estas acções promocionais”, admite a cozinheira. “O problema é quando as pessoas que assistiram a estas iniciativas vêm a Macau e me perguntam: ‘A comida que a Neta esteve a promover… Onde é que esta comida pode ser encontrada em Macau?’ Por vezes questionam-me onde podem comer tacho ou capela ou outro prato qualquer e eu não lhes sei responder”, assume.
A designação de Macau como Cidade Criativa da UNESCO na área da Gastronomia, em 2017, acrescentou achas à fogueira do entusiasmo em que fervilha aquela que é muitas vezes considerada como “a primeira cozinha de fusão do mundo”. Cientes do capital histórico, cultural e até económico inerente a pratos como o diabo, o arroz carregado ou o porco balichão tamarindo, as autoridades da RAEM lançaram, em Novembro de 2020, a Base de Dados da Cozinha Macaense.
A iniciativa merece o aplauso de Antonieta Manhão, mas mais do que resgatar práticas e receitas mais ou menos herméticas à voragem do tempo, importa ressuscitá-las, trazê-las de volta à vida e é exactamente isso que Antonieta Manhão se propõe fazer no espaço da Calçada da Igreja de São Lázaro onde instalou um estúdio de formação gastronómica.
“Todos conhecemos o trabalho que foi feito com a base de dados de receitas de comida macaense. É um esforço importante, mas é necessário colocar este conhecimento em prática. Não basta colocar uma coisa cá para fora sem saber se ela resulta ou não”, defende a cozinheira macaense.
“E como é que se coloca este conhecimento em prática? A organização de workshops, por exemplo. Em países como a Tailândia e o Vietname é possível encontrar aulas de culinária por todo o lado. Quando gostam dos pratos que comem, as pessoas tentam saber mais sobre o modo como essas iguarias são preparadas e a verdade é que, aqui em Macau, há poucos restaurantes onde se serve comida macaense, mas há ainda menos oportunidades para aprender a prepará-la”, argumenta Antonieta Manhão. “Há poucos workshops. Há acções de formação esporádicas no Instituto de Formação Turística de Macau, há algumas associações macaenses que promovem workshops, mas não chega.”
A falta que uma estrela faz
Os quase três anos da pandemia da COVID-19 trocaram as voltas à experiente chef, mas Antonieta Manhão está apostada em recuperar o tempo perdido. Após o Ano Novo Lunar, arrancou a primeira das muitas acções de formação que tenciona ministrar este ano: “Durante estes anos de pandemia, tive a oportunidade de orientar vários workshops para os alunos do Instituto de Formação Turística de Macau. Começaram a ser organizadas acções de formação nas escolas e isso é importante, mas eu também quero dar o meu contributo”, assume Antonieta Manhão.
Ao trabalho desenvolvido através dos workshops, Antonieta Manhão acrescenta colaborações esporádicas com restaurantes de alguns dos mais conceituados hotéis de cinco estrelas do território, como a parceria que a levou à cozinha do conceituado “The Manor” durante dois anos consecutivos. Pelas unidades hoteleiras e pelos resorts do território deverá passar, de resto, o futuro da gastronomia macaense. O sector, defende Antonieta Manhão, tem o dever de ajudar a elevar o estatuto dos pratos e sabores autóctones de Macau e contribuir para que a cozinhaçam maquísta alcance uma outra projecção a nível internacional.
“Porque é que não se exige que cada um dos hotéis de cinco estrelas tenha um restaurante macaense?”, questiona. “Por outro lado, temos restaurantes franceses, italianos e chineses em Macau com estrelas Michelin. Porque é que a comida macaense não tem? Temos de trabalhar com convicção nesse sentido. Temos de conquistar pelo menos uma estrela para um prato macaense. E porque é que falo numa estrela? Estou convicta de que se houver um prato macaense com uma estrela, tudo muda”, afirma Antonieta Manhão, sem dúvidas de que, com o impulso certo, a gastronomia macaense pode ter mais futuro do que passado.