A esgrima é uma modalidade em expansão em Macau. De acordo com a associação que tutela o desporto localmente, o investimento na formação – e na qualidade – tem desempenhado um papel essencial no crescimento do número de esgrimistas
Texto Cherry Chan
“En garde! Prêts? Allez!” é uma expressão que já se tornou parte do quotidiano de Wu Chong Him, de 16 anos. O dito francês – que significa “Em guarda! Prontos? Começar!” – marca o início de qualquer combate em esgrima, modalidade à qual o adolescente se dedica há uma década.
“Quero estar no palco durante a apresentação de prémios nos próximos Campeonatos Asiáticos de Cadetes e Juniores”, diz o esgrimista – ou atirador, como se designam na modalidade –, que ambiciona arrecadar uma medalha durante o evento, previsto para este mês no Uzbequistão. “Gosto muito de esgrima, aprendi a alocar o meu tempo em consonância, e vou continuar no futuro quando estiver a estudar na universidade”, assegura.
Wu Chong Him faz parte de um número cada vez maior de jovens de Macau que está a aderir à esgrima. E não é muito difícil encontrar onde aprender a modalidade: há várias organizações e clubes privados a disponibilizar formação de diferentes níveis, para escalões etários que podem começar desde os quatro anos de idade. Além disso, a esgrima também está presente no desporto escolar e universitário. Nas palavras de Chan U Chun, presidente da Associação Geral de Esgrima de Macau, tal proliferação de opções de acesso ao desporto é um dos factores que está a contribuir para o seu desenvolvimento na cidade.
Apoio governamental
A disponibilização de recursos adicionais por parte do Governo local para apoiar a modalidade é outro elemento destacado pelo dirigente associativo. Desde Setembro do ano passado que os esgrimistas da associação podem treinar no Centro de Formação e Estágio de Atletas, que é o primeiro complexo multifuncional do território especificamente destinado ao treino de desportistas de alto rendimento, a cargo do Instituto do Desporto. “É um espaço muito bom para nós”, sublinha Chan U Chun.
De forma a contribuir para a melhoria dos resultados internacionais dos esgrimistas locais, o responsável acrescenta que a associação contratou uma treinadora a tempo inteiro, “de nível avançado” – a antiga atleta olímpica chinesa Huang Jialing. “A nossa treinadora dá o seu melhor para ajudar os nossos atletas a melhorar, e outras organizações ajudam os jovens esgrimistas a construir uma base sólida”, sintetiza Chan U Chun. “Todos nós trabalhamos em conjunto para o desenvolvimento do desporto.”
De resto, a esgrima de Macau tem já presença marcada nos Jogos Asiáticos de Hangzhou, cuja edição de 2022 foi adiada para Setembro deste ano. Em termos de grandes competições recentes, a modalidade integrou a delegação desportiva do território à 14.ª edição dos Jogos Nacionais da China, realizada na província de Shaanxi em 2021.
“Sempre que houver oportunidade, queremos participar em diferentes competições, para que os nossos atletas ganhem mais experiência e aperfeiçoem a sua técnica”, afirma Huang Jialing. A agora treinadora, que competiu nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, admite que a COVID-19 e as restrições associadas à pandemia trouxeram desafios no que toca à preparação dos desportistas locais, mas explica que a associação tentou contornar as barreiras, apostando numa maior diversidade ao nível dos métodos de treino.
Um dos membros mais experientes da equipa de Macau é Ng Keng Leong, praticante de esgrima há cerca de duas décadas e um dos atletas que representou o território nos últimos Jogos Nacionais da China. Começou a ligação ao desporto em Macau quando era adolescente, continuou em Taiwan e, regressado ao território, manteve a prática. O desportista nota o desenvolvimento que a modalidade tem vindo a registar a nível local, beneficiando do apoio governamental. “O treino é agora mais científico, e eu quero aprender o máximo possível”, garante.
Tang Nga Hei, praticante de esgrima há cerca de dez anos, também integra os quadros da equipa de Macau, tendo já participado em diversas competições internacionais, incluindo na edição de 2019 das Universíadas de Verão, que decorreram em Nápoles, em Itália. Licenciada e já a trabalhar, diz que o charme da modalidade é que “ser o mais rápido ou o mais forte não é necessariamente sinónimo de ser o vencedor”. “É necessário possuir estratégias diferentes para enfrentar adversários com características diferentes, o que é muito desafiante”, explica.
Da nobreza à actualidade
A esgrima é um desporto de combate descendente de técnicas ancestrais de utilização de armas brancas para fins de guerra e protecção pessoal. A modalidade integra os Jogos Olímpicos da Era Moderna desde a sua primeira edição, em 1896.
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Disputada em três diferentes disciplinas, correspondentes às diferentes armas existentes no desporto – florete, espada e sabre (ver caixa) –, na esgrima, cada assalto opõe dois adversários, frente a frente, sobre uma pista metálica com 14 metros de comprimento e 1,5 metros de largura. Para além da vertente de competição, a modalidade tem-se vindo a afirmar também como uma forma de prática de actividade física, adaptada a todas as idades. Entre outros benefícios, pode contribuir para a melhoria da coordenação motora dos praticantes, capacidade de concentração e destreza técnica e mental.
É difícil apontar o momento exacto em que a esgrima moderna entrou no território enquanto prática desportiva, até porque, durante a administração portuguesa de Macau, era uma das actividades de lazer dos soldados portugueses destacados na cidade. Há registos relativos à modalidade no âmbito do desporto escolar que remetem para os anos 1920. Outras publicações referem a participação, em 1946, da Equipa Militar de Esgrima de Macau em torneios contra uma congénere de Hong Kong, bem como a vinda ao território, no mesmo ano, de equipas japonesas de esgrimistas.
Ainda assim, a esgrima teve de esperar até 1997 para surgir como modalidade organizada na cidade. Esse foi o ano da fundação da Associação Geral de Esgrima de Macau, entidade que actualmente tutela o desporto a nível local, integrando a Federação Internacional de Esgrima e a Federação Asiática de Esgrima.
Esgrimistas de palmo e meio
Já com uma década de actividade, o Fencing Sports Group é uma das entidades locais que recebe aspirantes a esgrimista de tenra idade. O treinador Ieong Mou Wan refere que começou a praticar a modalidade quando estava a estudar no exterior. “Voltei a Macau em 1995 e, nessa altura, não existia esgrima na comunidade chinesa local”, recorda. Nos anos seguintes, Ieong Mou Wan dedicou-se, em conjunto com alguns amigos, a promover o desporto, através da organização de aulas e actividades, apoiando também o estabelecimento da Associação Geral de Esgrima e participando em competições.
O responsável explica porque é que o Fencing Sports Group decidiu começar a aceitar crianças em idade de ensino infantil para o treino de esgrima. Segundo Ieong Mou Wan, nos primeiros anos do grupo, e por várias vezes, os atletas participavam em competições no exterior, mas tinham dificuldades em obter sucesso. “Os nossos adversários tinham a mesma idade do que os nossos esgrimistas, mas tinham começado a praticar a modalidade desde muito cedo, com quatro ou cinco anos, enquanto os nossos atletas só começavam por volta dos dez anos de idade.”
Desde então, o Fencing Sports Group tem concentrado uma parte significativa da sua actividade em despertar o interesse das crianças pela esgrima e em treinar esgrimistas de palmo e meio. Entre eles está Chiquita Bela Cunha: a menina de sete anos estreou-se na modalidade durante o segundo ano do jardim-de-infância. Na sua opinião, a esgrima é um desporto “muito divertido” e onde pode “aprender mais coisas”.
Já com 11 anos, a esgrimista Lei I Lam concorda que a modalidade oferece algo mais aos atletas do que mera boa forma física. “As ideias, os pensamentos que tenho quando tento lidar com alguns desafios em competições de esgrima, podem ser adoptados para o meu estudo e a minha vida quotidiana”, afirma.
O treinador Ieong Mou Wan destaca a importância do apoio dos pais para o sucesso dos pequenos esgrimistas. “Os nossos estudantes são crianças muito pequenas: quando vêm, é necessário terem os pais com elas. Podemos dizer que, sem o apoio de toda a família, estas crianças não podem gozar em pleno da esgrima.”
De resto, o impacto mediático da medalha de ouro obtida nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, pelo esgrimista Cheung Ka-long, da cidade vizinha de Hong Kong, também ajudou os clubes em Macau. De acordo com várias notícias publicadas na altura, a vitória de Cheung traduziu-se então num aumento súbito do interesse pelo desporto, com um salto nos pedidos de informação e inscrições nas escolinhas da modalidade.
Esgrima superior
O desporto escolar e universitário tem provado ser uma outra área de recrutamento para a esgrima local. A associação geral da modalidade tem levado a cabo diversas actividades e workshops em escolas para cativar jovens para o desporto.
Ao nível do ensino superior, existem várias equipas de esgrima em Macau. Com cerca de duas décadas de história, a Equipa de Esgrima da Universidade de Macau promove a modalidade em duas vertentes: enquanto desporto de alta competição e enquanto actividade recreativa.
O treinador Lok Man Tak garante que o nível dos esgrimistas da equipa tem vindo a subir. “No passado, muitos atletas começavam a aprender esgrima apenas quando chegavam aqui. Nos últimos anos, temos alguns estudantes-atletas destacados, o que eleva o nível global da nossa equipa”, afirma.
Os esgrimistas apenas podem pertencer à equipa da universidade durante o tempo em que são estudantes na instituição. Por isso, diz Lok Man Tak, é essencial agarrar cada chance disponível para competir, seja em eventos interuniversitários, seja em provas regionais ou nacionais. “Cada competição é uma oportunidade para eles aprenderem”, defende o treinador. “Podemos observar o nível da esgrima noutros locais e instituições e podemos ganhar experiência.”
Praticante de esgrima desde os tempos da escola primária, o atleta Li Ji afirma que o seu desempenho registou um salto com a entrada para a equipa da Universidade de Macau. “Tinha atingido um estado de estagnação durante o ensino secundário, mas desde que estou na universidade tenho mais tempo para praticar e o treino oferecido aqui é mais científico e sistemático”, aponta. “Por isso, sinto que fiz avanços.”
Kang Jingrui é outro dos membros da equipa da Universidade de Macau: tal como Li Ji, também se iniciou cedo na esgrima. A esgrimista recorda a sua primeira competição a nível nacional, onde enfrentou uma sexagenária, antiga atleta pelas cores da República Popular da China. “Ela era muito enérgica. Talvez eu fosse mais rápida em termos de reacção, mas ela era muito forte. Isto fez-me pensar que seria óptimo se, muitos anos mais tarde, eu também pudesse estar em tão boa forma.”
A porta da equipa da Universidade de Macau está igualmente aberta a quem nunca tenha antes manuseado um florete, espada ou sabre. É o caso de Du Yuanchi, que apenas se iniciou nas lides da modalidade quando chegou ao campus da universidade, na Ilha de Hengqin. “Aprendo esgrima aqui. Depois de me formar, continuarei a praticar esgrima. Este desporto mantém-me em boas condições físicas e, porque requer concentração, também me ajuda a libertar da pressão do dia-a-dia”, diz a jovem.