O Chimelong Ocean Kingdom, o Sumlodol Camping Park ou o complexo Novotown são apenas algumas das atracções turísticas lançadas nos últimos anos em Hengqin. A ilha vizinha posiciona-se cada vez mais como um destino na área do entretenimento e lazer, em complementaridade com aquilo que Macau tem para oferecer
Texto Viviana Chan*
O sol de Inverno aquece os muitos turistas que buscam o melhor cenário para mais uma “selfie” de fazer inveja aos amigos. Várias famílias entretêm-se com as performances de dança do dragão e do leão, para dar as boas-vindas ao Festival da Primavera. À noite, haverá mais um espectáculo de fogo-de-artifício. Não, não é Macau: trata-se de Hengqin, ilha a poucas dezenas de metros do território, mas já parte do município de Zhuhai, na província vizinha de Guangdong.
Parques temáticos com animais, zonas de campismo, experiências educacionais imersivas, centros de realidade virtual e muito mais: a oferta turística é diversa e abundante em Hengqin. A ilha não está apenas a posicionar-se como uma importante plataforma de desenvolvimento empresarial e industrial, mas também como um destino turístico de relevo, tendo como objectivo funcionar em complementaridade com Macau nesta área. O fim das restrições relacionadas com a COVID-19, em Janeiro, e a retoma do turismo doméstico e internacional prometem acelerar o processo.
Um desígnio nacional
Foi em 2009 que o Conselho de Estado da República Popular da China aprovou o “Plano de Desenvolvimento Geral de Hengqin”, que visava posicionar a ilha como uma área de demonstração de um novo modelo de cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau. Em 2019, com a publicação das “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês e pelo Conselho de Estado, Hengqin ganhou um novo estatuto. Parte da sua missão passou então a ser desenvolver-se enquanto “ilha internacional de lazer e turismo”, apoiando o posicionamento da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) enquanto centro mundial de turismo e lazer.
Seguiu-se, em Setembro de 2021, a promulgação pelo Governo Central do “Projecto Geral de Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin” – a zona reflecte uma iniciativa sem precedentes, rumo a uma maior integração regional, e ocupa a área total da ilha. No documento, detalhou-se o objectivo de envidar “grandes esforços no desenvolvimento, na Zona de Cooperação, de indústrias de turismo, nomeadamente de férias e lazer, convenções e exposições, passeios turísticos” e ligadas a eventos desportivos.
O crescimento registado ao nível da indústria turística em Hengqin é impossível de ignorar. Por exemplo, o Chimelong Ocean Kingdom – a cargo do Chimelong Group Co., Ltd., um dos principais conglomerados do sector na China – é classificado como um dos parques temáticos mais visitados do mundo. De âmbito diferente, o Sumlodol Camping Park, projecto turístico original de Hengqin, tem vindo a ganhar popularidade na área do turismo de natureza no seio da Grande Baía.
De acordo com estatísticas dos Serviços de Desenvolvimento Económico de Hengqin, as atracções turísticas da ilha receberam um total de 288.300 visitantes durante o período da semana dourada de Outubro passado, um aumento de 8,4 por cento em relação ao mesmo período de 2021. Em Janeiro deste ano, um espectáculo de fogo-de-artifício de celebração do Festival da Primavera atraiu mais de 30 mil pessoas, com mais de meio milhão a assistir através de uma emissão online.
Atracções de nível mundial
O parque temático Chimelong Ocean Kingdom abriu portas em Março de 2014 e faz parte do Chimelong International Ocean Resort, complexo que inclui também vários hotéis. Em 2019, antes do surgimento da COVID-19, o parque – que tem o mundo marinho como tema – recebeu um total de 11,7 milhões de visitantes. Mesmo em 2020, apesar do impacto da pandemia ao nível do turismo, a infra-estrutura conseguiu atrair cerca de 4,8 milhões de visitantes – mais do que atracções similares de renome internacional, como o parque Disneyland, em Xangai, ou o afamado Universal Orlando Resort, na Florida, nos Estados Unidos.
Os planos para o Chimelong International Ocean Resort incluem uma segunda fase, actualmente em desenvolvimento e que envolve um investimento total de 50 mil milhões de renminbi, prevendo-se que, quando concluída, ajude a elevar o número anual de visitantes do complexo para mais de 50 milhões. Vão ser construídos um parque temático ligado às ciências do mar e aquele que é apresentado como o maior aquário do mundo, destinado a orcas. Está ainda previsto um parque com animais marinhos, que terá actividades ao estilo de safari – em modo diurno e também nocturno. Além disso, e também integrando o Chimelong International Ocean Resort, está em construção outra atracção que pretende ser icónica no seio da Grande Baía: um sistema de teleférico que oferecerá vistas únicas sobre os resorts integrados do Cotai, em Macau.
“Seria muito positivo prolongar a permanência dos turistas através de produtos de turismo multi-destinos; ou seja, Macau
JOSÉ WONG WENG CHOU
e Hengqin podem cooperar nesse aspecto”
DOCENTE DA FACULDADE DE HOSPITALIDADE E GESTÃO TURÍSTICA DA MUST
O Sumlodol Camping Park é uma atracção turística diferente, mas que reflecte o dinamismo empresarial que se pretende para Hengqin. O parque de campismo foi inaugurado em Janeiro de 2018, sendo um dos pioneiros na China de uma nova onda de campismo, o “glamping” – foi inclusive premiado pelas autoridades chinesas na área do turismo.
Han Xiao, presidente da empresa estatal Da Heng Qin Pan-Tourism Development Co., Ltd., responsável pela gestão do Sumlodol Camping Park, revela que o mercado de Macau é prioritário para o projecto, representando cerca de 30 por cento da clientela do parque. “Para lá disso, 50 por cento dos visitantes são de Zhuhai; os restantes vêm de outras cidades da Grande Baía, tais como Guangzhou, Shenzhen, Zhongshan e Jiangmen”, afirma Han Xiao, em declarações à Revista Macau.
O parque de campismo aposta em visitantes que pretendem fazer uma “mini-escapadinha”, aproveitando as paisagens naturais. A infra-estrutura inclui várias instalações destinadas a famílias: por exemplo, uma área com diversos equipamentos de diversões, mas não-motorizados.
Apesar do nome, o Sumlodol Camping Park não oferece apenas oportunidades de acampar. O empreendimento inclui “bungalows”, contendores convertidos em cabines, autocaravanas e outros tipos de unidades de alojamento, proporcionando experiências diferentes, desde uma estadia junto ao lago até à observação de estrelas. Existe ainda parque de estacionamento para autocaravanas privadas. Para turistas menos “aventureiros”, estão disponíveis dois hotéis convencionais.
Han Xiao nota que o Sumlodol é uma marca original de Hengqin que já chamou a atenção do mercado chinês. “A marca já se conseguiu expandir para fora de Hengqin: o primeiro Sumlodol fora de Guangdong fica em Ganzhou, na província de Jiangxi, e o local tornou-se rapidamente popular entre os residentes.” A executiva considera que a marca “made in Hengqin” tem potencial para se afirmar a nível nacional, e olha já para eventuais expansões para Guangzhou e Huizhou, na província de Guangdong, bem como para Pengzhou, em Sichuan, e Liuzhou, em Guangxi.
O Sumlodol Camping Park também tem ligação à RAEM: acolhe uma base de formação do Instituto de Formação Turística de Macau (IFTM), especializada em educação vocacional, no âmbito do papel de Macau enquanto base de ensino e formação em turismo na Grande Baía. Nesse espaço, foram já realizados vários cursos tendo por base o Sistema de Reconhecimento de Competências Técnicas de Macau (MORS), desenvolvido pelo IFTM.
Venha a Macau, vá a Hengqin
Um dos objectivos no campo do turismo incluídos nas “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía” é a criação de produtos turísticos que promovam o conceito “uma viagem de múltiplos destinos”. Pretende-se que, quando visitem a Grande Baía, os turistas não se fiquem apenas por uma localidade, mas aproveitem para visitar outras zonas da região. É com esse objectivo em mente que os decisores políticos têm vindo a enfatizar a necessidade de complementaridade entre as indústrias turísticas de Macau e Hengqin.
Há passos nessa direcção. No seguimento da retoma pós-pandemia das excursões turísticas do Interior da China para Macau, efectivada no mês passado, as autoridades locais têm vindo a promover produtos turísticos multi-destinos Macau-Hengqin, política conhecida na gíria local como a criação de uma zona de turismo e lazer “um rio, duas margens”. A esse respeito, a Direcção dos Serviços de Turismo de Macau diz estar empenhada em estimular “o desenvolvimento integrado da indústria turística de Hengqin e Macau e a cooperação intersectorial”, aproveitando a retoma das excursões do Interior da China para Macau “para promover o turismo de permuta de fontes de visitantes entre Hengqin e Macau e o desenvolvimento de produtos turísticos de itinerários conjuntos”.
O académico José Wong Weng Chou, docente da Faculdade de Hospitalidade e Gestão Turística da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla em inglês), diz à Revista Macau que “Hengqin e Macau podem ser um exemplo” no que toca ao desenvolvimento de produtos multi-destinos. José Wong nota que “Hengqin é espaçosa”: parques temáticos de grandes dimensões, por exemplo, “não cabem em Macau, mas sim em Hengqin”. E acrescenta: “O Sumlodol Camping Park ou o Chimelong Ocean Kingdom são produtos de entretenimento destinados a famílias, algo que escasseia em Macau”.
Hengqin tem também outro atractivo: a natureza. De acordo com dados oficiais, a ilha possui uma área verde total de 62,45 quilómetros quadrados, o equivalente ao dobro do tamanho total da RAEM. A taxa de zonas verdes em Hengqin atinge 58,7 por cento, o que significa que existe um elevado potencial para actividades de natureza e ao ar livre. De resto, existem já vários projectos turísticos que visam tirar partido desta característica, como o Mangzhou Wetland Park, de promoção de zonas húmidas, ou o Hengqin Flower Corridor, que apresenta diferentes tipos de árvores que produzem flores.
Segundo o académico José Wong, os visitantes que visitam Macau passam pouco tempo na cidade. Antes da pandemia, o tempo médio de permanência situava-se em 1,2 dias. Nesse sentido, “seria muito positivo prolongar a permanência dos turistas através de produtos de turismo multi-destinos; ou seja, Macau e Hengqin podem cooperar nesse aspecto, com ambos os lados a saírem beneficiados”, indica o académico.
O director da Escola de Gestão de Turismo do IFTM, Max Zhao Weibing, concorda que Macau possui recursos turísticos singulares ligados à sua cultura, história e arquitectura, mas tem falta de recursos naturais. “Creio que os turistas podem sentir falta de pontos turísticos naturais: nesse sentido, Hengqin pode ter um papel complementar”, afirma.
O académico defende também a agilização da emissão de salvo-condutos para deslocação a Hong Kong e Macau – vulgarmente conhecidas como “vistos” –, para que seja mais conveniente aos residentes do Interior da China se deslocarem entre a RAEM e Hengqin. Nas suas palavras, deve ser estudada a hipótese de criar vistos turísticos de entradas múltiplas entre Hengqin e Macau, de forma a estimular na prática o conceito de turismo multi-destinos. De resto, as próprias “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía” referem a necessidade de “coordenar um estudo sobre medidas de facilitação” para visitantes que se desloquem entre Hengqin e Macau.
“Actualmente, os visitantes do Interior da China precisam de pedir um visto com antecedência, e esse visto só permite uma entrada em Macau, o que limita a flexibilidade em termos de plano de viagem das pessoas”, explica Max Zhao. “Assim, naturalmente, muitos visitantes desistem de visitar mais locais.”
Parceiros, não concorrentes
A complementaridade ao nível turístico entre Macau e Hengqin toca diversas dimensões e é também visível ao nível do investimento. Os capitais de Macau têm tido um papel importante no desenvolvimento do sector em Hengqin, uma vez que muitas empresas da RAEM estão já presentes naquele mercado e outras têm investimentos para aí previstos. É o caso da operadora de resorts integrados Galaxy Entertainment Group Ltd., que pretende desenvolver um resort de baixa densidade num lote de 2,7 quilómetros quadrados em Hengqin, visando funcionar em complementaridade com a oferta do grupo em Macau.
De resto, toda a rede regional de transportes e infra-estruturas de apoio está a ser planeada para apoiar uma crescente integração entre Macau e Hengqin, inclusive a nível turístico. Inaugurado em Agosto de 2020, o Posto Fronteiriço de Hengqin contém a segunda maior estação subterrânea de comboios da China. Entretanto, Macau está a avançar com a extensão da linha da Taipa do Metro Ligeiro até ao Posto Fronteiriço de Hengqin. Dessa forma, ambos os destinos ficarão ligados à rede ferroviária de alta velocidade da China. Por outro lado, está planeado que o sistema de comboio rápido de Zhuhai, o equivalente ao Metro Ligeiro de Macau, ligue a zona do Chimelong International Ocean Resort ao aeroporto de Zhuhai. Em conjunto, estas várias empreitadas abrem uma “via rápida” entre o Cotai, em Macau, e o aeroporto de Zhuhai, com o tempo de viagem reduzido para apenas dez a 20 minutos. O próprio aeroporto da cidade vizinha está a ser alvo de um projecto de renovação e expansão, avaliado em cerca de 14,5 mil milhões de renminbi: quanto estiver concluído, a infra-estrutura terá capacidade para receber até 198 mil voos e 27,5 milhões de passageiros por ano.
“Hengqin e Macau possuem vantagens diferentes, podendo aproveitar isso para crescer em conjunto”
MAX ZHAO WEIBING
DIRECTOR DA ESCOLA DE GESTÃO DE TURISMO DO IFTM
José Wong sublinha ainda, a propósito da indústria das convenções e exposições, que as melhorias ao nível dos transportes entre Hengqin e Macau podem estimular o crescimento da cooperação neste sector. “Para exposições de grande dimensão, as instalações de Macau não são suficientes. Isto limita o seu desenvolvimento”, refere o académico da MUST. “Por outro lado, Macau tem vantagens na organização de conferências, isto porque um único resort no Cotai pode oferecer milhares de quartos e, assim, acomodar todos os convidados de uma grande conferência internacional. É raro encontrar uma cidade na Grande Baía com estas condições.” José Wong concretiza: “Nesse contexto, o modo de cooperação pode ser Macau organizar mais conferências e Hengqin participar através da organização de exposições de grande dimensão. Isso pode atrair mais participantes em geral”.
Max Zhao diz estar optimista quanto à parceria entre Macau e Hengqin no que toca à indústria de turismo. “Cada um possui vantagens diferentes, podendo aproveitar isso para crescer em conjunto”, sintetiza.
Ainda assim, o académico do IFTM reconhece que existe algum conservadorismo ao nível do tecido empresarial de Macau, com receios de que o mercado de Hengqin possa afirmar-se como um concorrente da RAEM, nomeadamente ao nível da hotelaria, retalho e indústria das convenções e exposições. Max Zhao recusa a ideia, apontando antes para os benefícios mútuos que podem advir da circulação de capitais e recursos humanos entre os dois lados. “A partir desse ponto de vista, é uma situação ‘win-win’.”
*com Emanuel Graça