Artes performativas

Viagem pelo mundo do teatro

Mabina Choi, Pinky Chan e Marcelina Ma (da esquerda para a direita) falam sobre uma experiência que vai além dos palcos
O teatro ajuda os participantes a desinibirem-se, a expressarem-se melhor, mas também a criar amizades. Em Macau, na Escola de Teatro, os alunos descobrem mais do que uma arte ou uma profissão, conta quem por lá já passou e até ficou. A Revista Macau foi conhecer os bastidores da instituição

Texto Stephanie Lai

São aulas em que os alunos podem ser aquilo que quiserem. Mas ao invés de secretárias e quadros, é num palco e de guiões na mão que passam horas a fio. A Escola de Teatro do Conservatório de Macau é o único espaço público da cidade que oferece um currículo para pessoas que procuram aprender a arte da representação, mas a experiência vai muito além do teatro: permite aos alunos desfrutar de momentos de diversão enquanto tentam renovar a inspiração. Mas o que pode, afinal, o teatro fazer por eles?

Para Kerwin Keong Chi Fai, professor numa escola primária local e aluno da Escola de Teatro, as aulas de encenação começaram como uma actividade “recreativa” durante o percurso escolar, desde o ensino secundário até à universidade. Mas o interesse pela representação acabou por levá-lo a frequentar cursos pós-laborais na Escola de Teatro, sob a tutela do Instituto Cultural de Macau.

“O meu trabalho no dia-a-dia é ensinar crianças em salas de aula”, refere Kerwin Keong à Revista Macau. As aulas de teatro acabaram por lhe dar competências que actualmente usa na sua vida profissional. “As minhas experiências como aluno [na Escola de Teatro] também se mostram úteis na minha profissão, pois agora sou responsável pelas peças de teatro levadas a cabo pelas crianças na escola [primária]”, explica.

A instituição organiza espectáculos anuais com a participação dos alunos

Kerwin Keong diz que as aulas de teatro não se resumem apenas a aprimorar técnicas de fala ou expressões faciais, mas também passam por estimular a vontade de participar numa produção teatral. Os alunos que tenham completado três anos na Escola de Teatro têm de integrar uma peça não só para demonstrar os conhecimentos que adquiriram, mas também para viver a sensação de subir ao palco. No último ano da formação, os aspirantes a actores são também convidados a participar num “espectáculo de formatura” que é apresentado no Centro Cultural de Macau como um evento pago.

“Quando se aprende a arte de representação, é necessário transcender os próprios pensamentos e sentimentos para dar vida à personagem”, salienta Kerwin Keong. Mas, primeiro, sublinha, “é preciso aprender a fazer um exercício de auto-reflexão e ser-se o mais honesto possível” nesse processo.

Inspiração nos palcos

Estudar na Escola de Teatro, para Marceline Ma Si Lam, é mais do que uma constante procura por inspiração: é também o resultado de uma necessidade profissional.

“Participo em espectáculos desde jovem: fiz parte de companhias de teatro; também trabalhei como modelo e participei em campanhas publicitárias”, diz Marceline Ma, realçando que se matriculou na Escola de Teatro para aprimorar os conhecimentos e ser mais “competitiva” como actriz.

Marceline Ma trabalhou como jornalista numa estação de televisão e como assistente administrativa com um horário das oito às cinco, antes de se envolver a tempo inteiro no mundo teatral, com participações como actriz e até como figurinista, em peças de teatro. Após o início da pandemia da COVID-19, Marceline Ma juntou-se, como actriz, a um estúdio de produção local especializado em curtas-metragens.

“Ingressei na Escola de Teatro com o objectivo de aprender a representar”, salienta Marceline Ma. Só tarde, acrescenta, se apercebeu que a experiência acabou também por se reflectir na sua vida pessoal. “Eu costumava estar sempre muito absorvida sobre mim mesma. Mas ao representar, apercebi-me da necessidade de trabalhar com os outros actores em palco para que uma peça de teatro tenha sucesso. Esse foi o espírito que aprendi aqui.”

Pinky Chan On Kei, vice-reitora da Escola de Teatro, foi também aluna na instituição quando tinha 16 anos. A escola representou uma “mudança na minha vida”, afirma Pinky Chan, que se descreve como tendo sido uma adolescente “introvertida”.

Chegada a hora da universidade, Pinky Chan optou por estudos de língua inglesa na Universidade de Macau – uma opção “mais prática” em comparação com estudos relacionados com arte, refere. Mas após completar a universidade, a paixão pelo teatro levou-a, aos 23 anos, a prosseguir estudos no departamento de encenação da Academia Central de Drama em Pequim, onde, posteriormente, trabalhou por um ano.


“Na última década, o campo das artes performativas em Macau veio oferecer mais opções profissionais aos jovens”

PINKY CHAN
VICE-REITORA DA ESCOLA DE TEATRO

De regresso a Macau, Pinky Chan fundou o “Big Mouse Kids Drama Group” e empenhou-se na promoção de peças de teatro infantil. Durante anos, coordenou e encenou mais de uma centena de peças de teatro para crianças e peças interactivas para famílias. Pelo meio participou também em várias produções teatrais locais, como “Do pó às cinzas”, “Uma actuação atrapalhada” e “Três irmãs”.

Após anos ligados ao mundo do teatro, a vice-reitora da Escola de Teatro aconselha os jovens a seguirem as suas paixões, até porque agora é mais fácil optar por uma carreira no mundo do espectáculo. “Na última década, o campo das artes performativas em Macau veio oferecer mais opções profissionais aos jovens. Estas oportunidades são resultado de anos de esforços do próprio Governo de Macau, bem como das associações locais que têm promovido as artes performativas”, sublinha.

Pinky Chan destaca que o papel da Escola de Teatro não passa apenas pela oferta de cursos de formação contínua para a comunidade local. “Nunca desistimos de oferecer cursos de formação profissional às pessoas. O que oferecemos na Escola de Teatro não se limita a cursos pós-laborais, mas queremos que as pessoas que para aqui vêm adquiram os conhecimentos necessários para prosseguir uma carreira nesta área, ou apenas ajudá-las no seu crescimento pessoal, para se sentirem mais confiantes e sociais”, frisa.

Maior compreensão

A Escola de Teatro do Conservatório de Macau oferece cursos de teatro diversificados, com currículos e programas de estudo de carácter sistemático, abrangente e contínuo.

A instituição disponibiliza cursos de representação, encenação e estética em palco, assim como cursos básicos para espectáculos de ópera cantonense para crianças. Desde 2021, a instituição oferece cursos para jovens que pretendam ingressar no ensino universitário na área das artes performativas em instituições de ensino superior no Interior da China ou no estrangeiro.

“Os alunos que pretendem seguir formação [em instituições de ensino superior] na área das artes performativas costumavam depender apenas dos recursos que encontravam online”, conta Pinky Chan à Revista Macau. “Foi para colmatar essa lacuna que criámos este currículo, na esperança de oferecer uma maneira sistémica que possa ajudar os alunos a se prepararem melhor.”

A aposta neste currículo já começou a apresentar resultados, diz a vice-reitora da Escola de Teatro. “Tivemos alunos que foram admitidos na Academia de Cinema de Pequim”, revela, acrescentando: “Através deste currículo, queremos também ter um relacionamento mais próximo com os pais dos nossos alunos e apoiar no processo de candidatura [a instituições de ensino superior]”.


“Ao representar, apercebi-me da necessidade de trabalhar com os outros actores em palco para que uma peça de teatro tenha sucesso”

MARCELINA MA
ANTIGA ALUNA DA ESCOLA DE TEATRO

O aparecimento de mais cursos académicos relacionados com as artes performativas em Macau sinalizou uma mudança na percepção sobre o sector, observa Pinky Chan, dando como exemplo os cursos de licenciatura em artes performativas e em produção cinematográfica e televisiva na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

“As atitudes dos pais [em relação às artes performativas] mudaram muito, em comparação com a geração anterior”, refere a mesma responsável, salientado o apoio que os estudantes agora recebem das famílias como um “bom fenómeno”.

Esta mudança de percepção, realça, também demonstra que há agora uma maior compreensão na sociedade sobre a abrangência do sector das artes performativas, desde o teatro até à escrita de guiões para anúncios e novos tipos de media, ou até para ser um mestre de cerimónia.

De aluna a educadora

Mabina Choi Leng Chi descreve-se como alguém que percorreu um ciclo completo no mundo do teatro: primeiro como uma aluna “não muito confiante”, na Escola de Teatro de Macau, depois passando pelos palcos até se tornar professora de artes performativas na City University of Hong Kong e directora de produções teatrais locais.

“Comecei a estudar [na Escola de Teatro] por volta dos 18 anos, porque este era o único lugar em Macau que oferecia um programa de estudo de carácter sistemático”, diz Mabina Choi.

Representar no mundo do teatro tem sido uma experiência bastante enriquecedora, admite. “Na universidade, formei-me em design; mas depois optei por continuar os estudos na área das artes performativas, pois não me interessava apenas pela actuação, mas também por educação teatral, linguagem e escrita dramática, e direcção artística.”

Parte do percurso passou por um mestrado em Teatro e Artes do Entretenimento, antes de regressar a Macau para continuar os estudos de encenação na Escola de Teatro e participar na direcção de produções locais. “Em Macau, tive muitos professores que me inspiraram a actuar e a encenar peças teatrais, bem como a escrever guiões e a ensinar teatro aos alunos”, conta Mabina Choi.

Mabina Choi diz que representar tem sido uma experiência bastante enriquecedora

“O mundo do teatro é especial para mim pelo que representa, mas também por ter ajudado a mudar a minha personalidade, pois deixei de ser uma pessoa tímida e com falta de confiança, para me tornar numa pessoa mais comunicativa. Aprendi a transmitir a minha mensagem ao público [através das peças teatrais]. Por isso, a Escola de Teatro é, desde a minha juventude, um marco importante no meu percurso pessoal e profissional”, acrescenta.

Mabina Choi mantém um papel activo na realização de várias produções teatrais em Macau todos os anos e continua empenhada no ensino das artes performativas. Mas nos planos está também a intenção de aprofundar os conhecimentos no exterior, revela.

“O que aprendemos no estudo das artes performativas reflecte-se directamente na forma como depois pomos em prática esses ensinamentos. Nesse sentido, [a Escola de Teatro] dá-nos imensas oportunidades para colocar em prática o que aprendemos. Mas também somos encorajados a prosseguir estudos no exterior no sentido de aprofundar os nossos conhecimentos, se é esse o caminho que pretendemos seguir”, sublinha.

Após anos ligados ao organismo, Mabina Choi não tem dúvidas de que a experiência na Escola de Teatro de Macau foi muito além de um diploma. “O mais importante aqui, na realidade, não passa por obter um certificado ou um diploma, mas sim por ser capaz de tirar partido de toda a inspiração que a escola oferece”, conclui.