Tem um papel fulcral na promoção da cozinha cantonense, mas também na formação de gerações de novos chefs. Jacky Lam Chan Kuok diz que não é possível inovar sem primeiro conhecer as raízes e dominar a complexidade das técnicas da gastronomia do sul da China
Texto Tony Lai
Jacky Lam Chan Kuok passou a maior parte da sua carreira de mais de 50 anos fora de Macau, à procura de oportunidades e a moldar a reputação como um dos mais destacados promotores da cozinha cantonense. Nos últimos anos, este celebrado chef voltou à sua cidade natal, com uma missão: elevar o estatuto da cozinha cantonense em Macau a um nível global.
Aos 70 anos, o papel que Jacky Lam teve e continua a ter na promoção da gastronomia cantonense é inestimável, ajudando a formar centenas de aspirantes a chefs na região da Grande China durante os períodos em que trabalhou em diferentes restaurantes de renome em Macau e na província de Guangdong.
Rica em elementos e ingredientes, a astúcia da cozinha cantonense está na preservação do sabor natural da comida. Mas aprender todos os truques desta gastronomia – que é cartão de visita da província de Guangdong, Hong Kong e Macau – não é uma tarefa fácil, devido à sua complexidade em termos de ingredientes e técnicas.
Na estimativa de Jacky Lam, um chef leva, em média, cerca de cinco anos para aprimorar todas as técnicas necessárias na cozinha tradicional cantonense e pelo menos dez anos para se afirmar no mundo culinário contemporâneo.
“Só no que diz respeito ao frango, temos mais de 200 maneiras diferentes de confeccioná-lo”, diz o chef Lam em entrevista à Revista Macau. Mas a dedicação e a paixão pela cultura gastronómica serão sempre uma mais-valia. “Se essa paixão se reflectir nos pratos que preparam, tudo o resto fluirá de forma natural”, acrescenta.
Audácia e inovação
Segundo o chef Lam, que recebeu, em 2014, um prémio de reconhecimento de carreira da Associação Culinária da China, a incorporação de muitos dos ingredientes que se vêem hoje na cozinha cantonense só ocorreu nas últimas décadas, graças à criatividade dos chefs das duas regiões administrativas especiais. “Embora esta cozinha tenha a sua origem em Guangdong, só se tornou conhecida a nível global em Hong Kong e Macau”, refere Lam. Muitos chefs de renome do Interior da China mudaram-se para Hong Kong no século passado e foi esta cidade, como centro costeiro e internacional, que lhes deu inspiração e uma diversidade de ingredientes para criar pratos.
Um deles é o pato de Bombaim frito com sal e especiarias, um prato comum em quase todos os restaurantes cantonenses actualmente, mas que era inexistente até o chef Lam o colocar nos menus na década de 1980. “Até essa altura, havia apenas duas maneiras de cozinhar pato de Bombaim: assar com massa chinesa ou cozinhá-lo a vapor. Não se tinha ainda pensado em fritar, uma ideia que eu decidi pôr em prática”, conta.
Tomar decisões ousadas em relação ao uso de ingredientes ou técnicas depende de anos de prática na cozinha. “Nos últimos anos tenho aprimorado a técnica de confecção de joelho de porco refogado com peixe salgado. É difícil para muitas pessoas imaginar como estes dois ingredientes podem ser combinados, sem falar nos sabores. Mas quem já o provou, diz que é saboroso e de criar água na boca”, sublinha. Este prato, revela, foi resultado de um instinto e de anos de experiência: “Eu sei à partida que estes dois ingredientes podem funcionar juntos, só preciso de trabalhar os detalhes da execução.”
Apesar da evolução e da modernidade que ganhou ao longo das últimas décadas, a génese da cozinha cantonense mantém-se inalterada. “É uma culinária que dá grande ênfase à frescura dos ingredientes e ao equilíbrio de sabores, evitando o excesso de gordura”, aponta Jacky Lam. “Outros destaques incluem a textura suave e macia da comida.”
Cozinha em evolução
Embora o chef Lam tenha iniciado a sua carreira culinária em Macau, em 1966, passou pouco tempo na cidade, que agora chama novamente de casa. “Antes do desenvolvimento do sector do turismo nas últimas duas décadas, não havia muitas oportunidades para chefs cantonenses em Macau”, afirma. Mas quando voltou ao território, há cerca de dez anos, testemunhou uma cena culinária local em constante evolução. A inauguração de vários empreendimentos de turismo contribuiu para atrair para a cidade chefs cantonenses de renome, o que proporcionou oportunidades para os chefs de Macau aprenderem e melhorarem as suas técnicas.
Quando retornou à cidade, foi consultor de vários restaurantes locais e também ajudou a fundar a Associação de Cozinha de Macau, que organiza viagens para chefs locais participarem em concursos internacionais de culinária e apresenta mostras de talentos culinários, entre outras iniciativas.
O novo fulgor da indústria gastronómica local surgiu numa altura em que Macau foi designada, em 2017, como Cidade Criativa da UNESCO na área da Gastronomia. “Macau é definitivamente uma cidade gastronómica, mas há muitas outras cozinhas, como a cantonense, que devem ser destacadas e promovidas”, comenta o chef Lam, que foi agraciado, em 2017, com a Medalha de Mérito Turístico da Região Administrativa Especial de Macau.
“Não apenas os restaurantes sofisticados em empreendimentos turísticos devem ser reconhecidos”, diz Jacky Lam, salientando que há muitos outros espaços de pequena dimensão em Macau “que oferecem iguarias únicas que também devem ser conservadas e promovidas para complementar a imagem gastronómica da cidade”.