Hengqin e Qianhai viram, há um ano, o seu papel reforçado no que toca à promoção da cooperação entre a província de Guangdong e as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong. Se os empresários da RAEM vêem nas zonas de cooperação novas oportunidades de crescimento, há recomendações quanto à necessidade de elevar a competitividade local para assegurar uma integração de sucesso na Grande Baía
Texto Viviana Chan*
Foi há um ano, em Setembro de 2021, que o Governo Central promulgou o “Projecto Geral de Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”, tendo na mesma altura lançado o “Projecto de Reforma e Abertura da Zona de Cooperação da Indústria de Serviços Modernos Shenzhen-Hong Kong em Qianhai”. As duas zonas – na província de Guangdong, respectivamente nos municípios de Zhuhai e Shenzhen – reflectem uma iniciativa sem precedentes, rumo a uma maior integração regional, em consonância com as “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, publicadas em Fevereiro de 2019 pelo Comité Central do Partido Comunista Chinês e pelo Conselho de Estado.
Doze meses volvidos, foram registados avanços significativos em relação a ambos os projectos. Os membros dos órgãos de administração da zona de cooperação aprofundada em Hengqin foram nomeados ainda em Setembro do ano passado e, desde então, os trabalhos não pararam. Em Dezembro, foram apresentados 12 empreendimentos considerados “essenciais”, englobando áreas como circuitos integrados, informação electrónica, biomedicina, medicina tradicional chinesa, “big health” e finanças modernas.
Em Junho deste ano, foram implementados benefícios fiscais para residentes da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) a trabalhar em Hengqin, bem como para empresas. Antes, em Maio, foram lançados dois programas de estágios, oferecendo oportunidades de colocação para jovens de Macau em diferentes indústrias na zona de cooperação aprofundada de Hengqin.
Fruto dos avanços alcançados, o número de empresas da RAEM registadas em Henqgin tem vindo a aumentar: passou de quase 2000 no final de 2019 para 4934, segundo dados oficiais relativos a Junho deste ano. Já o produto interno bruto da zona de cooperação aprofundada atingiu 22,39 mil milhões de renminbis na primeira metade de 2022, um crescimento anual de 2,5 por cento.
O progresso é também óbvio no caso da Zona de Cooperação da Indústria de Serviços Modernos Shenzhen-Hong Kong em Qianhai. A zona, estabelecida em 2010 com uma área de 14,92 quilómetros quadrados (km2), passou a contar com 120,56 km2, fruto do plano de reforma e abertura anunciado em Setembro de 2021.
Entre os desenvolvimentos mais recentes, conta-se um acordo assinado no final de Junho deste ano entre a Universidade de Hong Kong e as autoridades de Qianhai. O documento visa o estabelecimento conjunto na zona de cooperação de uma instituição de investigação na área da tecnologia financeira (“fintech”) e de um parque de tecnologias avançadas.
Várias outras medidas foram implementadas em Qianhai nos últimos 12 meses. Entre elas estão políticas facilitando o acesso a diversas profissões por parte de residentes de Macau e Hong Kong, ou a introdução de novidades a nível fiscal e alfandegário, de forma a elevar o ambiente de negócios na zona de cooperação.
Alvos diferentes, mesmo objectivo
O académico Samuel Tong Kai Chung, presidente do Instituto de Gestão de Macau, explica que, apesar de visarem o mesmo objectivo global – fazer avançar a integração regional –, as zonas de cooperação de Hengqin e Qianhai seguem caminhos distintos.
“A construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin tem por finalidade promover a diversificação da economia da RAEM”, refere. “Para diversificar a economia, Macau necessita de mais recursos – por exemplo, profissionais, quadros qualificados, espaço e acesso a novos mercados”, acrescenta. A ilha de Hengqin ajudará nesse aspecto, em particular no que toca a espaço físico: a zona de cooperação aprofundada ocupa toda a ilha, com uma área total de 106 km2, o triplo da dimensão de Macau.
Em relação à zona de cooperação de Qianhai, “a política está focada na construção de uma zona pioneira de demonstração do socialismo com características chinesas”, considera Samuel Tong. “Quando a China começou a promover as políticas de abertura económica e reforma política, foram criadas cinco zonas económicas especiais. A ideia era estabelecer campos experimentais nestas zonas para ganhar experiência. Mais tarde, o Governo pôde implementar essas políticas noutras áreas do país”, recorda. “Após mais de 40 anos de abertura, no próximo passo, Qianhai será desenvolvida como zona pioneira de demonstração de uma abertura aprofundada. Essa abertura alargada poderá não só promover a cooperação com Hong Kong, mas também servir eventualmente outras zonas no Interior da China.”
Segundo o académico, as indústrias a desenvolver em Qianhai são planeadas para servir toda a China; no caso da zona de cooperação aprofundada de Hengqin, estas estão mais concentradas em apoiar o desenvolvimento de Macau. “Qianhai faz parte de Shenzhen”, uma das zonas económicas especiais de maior sucesso, “beneficiando da experiência acumulada” da metrópole no que toca a políticas de abertura e reforma, bem como de “condições vantajosas em áreas como a inovação e disponibilidade de talentos”, recorda.
Do ponto de vista da administração das duas zonas de cooperação, Samuel Tong sublinha uma diferença essencial: a zona de Hengqin é administrada em conjunto por Macau e Guangdong. Porém, não existe um modelo similar de gestão partilhada para Qianhai, acrescenta.
Elevar a competitividade
O presidente do Instituto de Gestão de Macau destaca que, no âmbito da crescente integração regional, “as oportunidades e desafios coexistem para as empresas de Macau”. Estas terão “mais possibilidades de cooperação no futuro”, ao mesmo tempo que “enfrentarão maior competição”, diz.
A zona de cooperação aprofundada de Hengqin foca-se em quatro sectores: indústria de investigação e desenvolvimento científico-tecnológico e indústria manufactureira de alto nível; indústrias de marcas de Macau, como a indústria de medicina tradicional chinesa; indústrias cultural e turística, de convenções e exposições e de comércio; e indústria financeira moderna. “Actualmente, Macau só possui experiência em algumas áreas destes sectores”, reconhece Samuel Tong. “Assim, é oportuno para as empresas ponderarem criar uma cadeia produtiva com o apoio de Shenzhen, sobretudo com base nos talentos e tecnologia aí existentes. Mas, por outro lado, Macau precisa de estar consciente quanto à concorrência, necessitando elevar a sua competitividade de forma urgente”, refere.
Por sua vez, Kevin Ho King Lun, presidente da Associação Industrial e Comercial de Macau, revela que os empresários locais, de uma forma geral, acreditam que “a zona de cooperação aprofundada em Hengqin vai trazer oportunidades infinitas”. Segundo acrescenta o também delegado da RAEM à Assembleia Popular Nacional, “a sociedade de Macau enfrenta falta de terrenos a longo prazo”. “É urgente termos mais espaços físicos para atrair novos investimentos, incubar novas empresas e desenvolver novas indústrias”, defende.
O empresário afirma que Hengqin e Qianhai são pontos de partida. Isto porque, na sua opinião, o papel das duas zonas de cooperação é, numa primeira fase, apoiar empresas de Macau e Hong Kong na apresentação dos seus serviços junto das outras cidades na Grande Baía, para depois, numa fase posterior, esses grupos empresariais procurarem expandir a sua presença ao resto do Interior da China.
Kevin Ho acredita que Hengqin vai alargar os horizontes do sector comercial de Macau, promovendo o empreendedorismo, incluindo através das incubadoras de negócios aí existentes. Segundo diz, a zona de cooperação aprofundada oferece aos empresários da RAEM opções de baixo custo para o lançamento de novos projectos, entre outras vantagens. “Acredito que iremos ter um grupo de empreendedores de Macau a entrar em Hengqin no futuro, sobretudo nas áreas de medicina tradicional chinesa e alta tecnologia”, assegura.
O empresário também prevê que muitas empresas da RAEM já bem estabelecidas expandam a sua presença até Hengqin. “Isto será um teste para todos porque, por um lado, essas empresas precisam de assegurar e estabilizar os seus negócios em Macau e, por outro, têm que promover os negócios em Hengqin.”
Tomar a iniciativa
Lao Ngai Leong, empresário de Macau com vários investimentos em Hengqin, partilha da perspectiva optimista de Kevin Ho, considerando que a ilha pode servir como plataforma para o desenvolvimento da RAEM.
“A criação da zona de cooperação aprofundada significa que foi estabelecido um regime único, o que pode beneficiar Macau”, afirma. Por um lado, sustenta, Hengqin pode oferecer mais empregos e espaços de lazer para os residentes de Macau; por outro, disponibiliza condições para a diversificação da economia da RAEM.
O também delegado de Macau à Assembleia Popular Nacional recorda que “a província de Guangdong foi pioneira na abertura e reforma da China”, alojando três das zonas económicas especiais iniciais. O empresário nota que, nesse sentido, “Macau tem falta de experiência ao nível da implementação de reformas e promoção da inovação comparativamente a Guangdong”. Por isso, diz, “é necessário que o território tome a iniciativa no que toca ao desenvolvimento da Grande Baía – isso será chave para o sucesso”, garante.
Lao Ngai Leong sublinha ainda, no contexto do planeamento para a zona de cooperação de Hengqin, a construção do “Novo Bairro de Macau”, disponibilizando apartamentos para residentes da RAEM a preços acessíveis. O complexo, com funções integradas de habitação, saúde e educação, é visto como um projecto pioneiro em Hengqin, visando que as pessoas de Macau que optem por viver na ilha tenham acesso a serviços sociais e outros benefícios que têm como referência aqueles disponíveis em Macau.
O empresário também se mostra optimista em relação à zona de cooperação de Qianhai, afirmando que a aceleração da integração na Grande Baía irá trazer benefícios para a RAEM, particularmente se a proposta para criação de uma ligação entre a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau e Shenzhen avançar. Isto porque, com essa segunda ponte, a zona oeste da Grande Baía teria um melhor acesso àquela cidade.
“A ligação pode facilitar a mobilidade”, diz Lao Ngai Leong. Por um lado, empresas de Shenzhen podem beneficiar das vantagens disponibilizadas pela zona de cooperação de Hengqin, e “projectos inovadores de Hengqin e Macau podem ser incubados em Shenzhen”, usufruindo das mais-valias da metrópole no campo da logística e tecnologia.
*com Emanuel Graça