Mercado Nocturno Hong Kung

Criar raízes para o futuro

O mercado nocturno na Rua de Cinco de Outubro é realizado regularmente há quase dez anos
Com quase uma década de estórias na Rua de Cinco de Outubro, o Mercado Nocturno Hong Kung é um cartão de visita de um dos bairros mais antigos de Macau. Mais do que contribuir para revitalizar o comércio tradicional, o mercado é muitas vezes o ponto de partida para uma jornada empreendedora

Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka

É um ponto de encontro para os locais, um lugar com muita animação e um espaço onde as tradições se vão mantendo vivas. Todas as noites, aos fins-de-semana, uma rua usualmente deserta – num dos bairros mais antigos de Macau – enche-se de vida, com o apregoar dos vendedores e o burburinho das multidões que procuram algumas das mais típicas iguarias locais. 

São mais de 60 barracas e stands que se condensam na Rua de Cinco de Outubro, mesmo junto à Avenida de Almeida Ribeiro, uma das principais vias que disseca a cidade. Produtos culturais e criativos locais dividem o protagonismo com jogos tradicionais e bancas de petiscos típicos que fazem as delícias de quem visita o Mercado Nocturno Hong Kung.

Orquestrado pela Federação da Indústria e Comércio de Macau Centro e Sul Distritos, aquele que é conhecido como o primeiro mercado nocturno regular de Macau abre agora todos os sábados e domingos entre as 18h00 e as 22h00. “Temos que solicitar ao Governo a cada três meses o uso desta parte da Rua de Cinco de Outubro, mas temos a sorte de ter o apoio das autoridades e de todos os sectores da comunidade, o que permite organizar o mercado todos os fins-de-semana”, diz Lei Cheok Kuan, presidente da federação, à Revista Macau.

Rejuvenescer o bairro

Um dos objectivos do mercado nocturno passa por apoiar o rejuvenescimento do antigo bairro, incluindo a Rua de Cinco de Outubro e a zona do Porto Interior, cujo comércio viveu tempos dourados nos anos 1950 e 1960, quando o Porto Interior era o principal centro de transportes que ligava Macau a Hong Kong e a várias cidades do Interior da China. 

“Este bairro perdeu alguma vivacidade, pelo que decidimos apresentar um projecto comercial, há alguns anos, para estimular o comércio nesta zona da cidade”, conta Lei Cheok Kuan. “Fizemos, naquela altura, um levantamento sobre os negócios na Rua de Cinco de Outubro e quase nove em cada dez lojas estavam fechadas.”


“Esperamos atrair algumas pessoas para estes bairros comunitários e ajudar a revitalizar as zonas mais tradicionais da cidade”

LEI CHEOK KUAN
PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MACAU CENTRO E SUL DISTRITOS

A associação liderada por Lei Cheok Kuan lançou, em 2013, o projecto do mercado nocturno, oferecendo petiscos típicos, lembranças e jogos tradicionais, avivando as memórias dos anos dourados de um dos mais antigos bairros da cidade. Após alguns anos, o projecto foi, em 2017, rebaptizado com o actual nome, Mercado Nocturno Hong Kung, realizado com maior frequência e mostrando influências de diferentes bairros de Macau.

“No início, o mercado nocturno tinha apenas cerca de 30 stands, mas agora temos mais de 60. Para além da quantidade, há também uma maior oferta gastronómica e de produtos culturais e criativos”, refere Lei Cheok Kuan. “Por exemplo, já existem alguns stands de petiscos macaenses e até artigos com um toque português”, acrescenta. “Através de iniciativas como o mercado nocturno, esperamos atrair algumas pessoas para estes bairros comunitários e ajudar a revitalizar as zonas mais tradicionais da cidade.”

Mais abrangente

O A Chi, um estabelecimento de massas e sopa de fitas, é um dos principais pontos de atracção do mercado. Em operação há cerca de três décadas na Travessa da Dorna, uma zona adjacente à Rua de Cinco de Outubro, o estabelecimento serve as suas iguarias no seu próprio espaço durante o dia, e aos fins-de-semana, quando o sol se põe, confecciona no mercado petiscos com base na gastronomia cantonense.

Segundo Lei Cheok Kuan, o estabelecimento A Chi tem obtido “muito bons resultados nos últimos anos, em parte porque o mercado nocturno ajudou a loja a angariar novos clientes, que se tornaram fregueses regulares do estabelecimento”.

Também presença assídua no mercado, o restaurante de churrasco Siu Che tem colhido os benefícios da iniciativa. O espaço, que ostenta o nome do proprietário, lançou o negócio como uma barraca de churrasco na praia de Hác-Sá há cerca de quatro décadas, antes de se mudar para o Mercado Municipal de S. Lourenço. A filha começou a assumir o negócio há quase dez anos, quando o estabelecimento começou a participar no mercado nocturno. “O Hong Kung certamente ajudou-nos a alargar a nossa base de clientes – alguns dos nossos clientes no Mercado Municipal de S. Lourenço procuram por nós no mercado nocturno e vice-versa”, diz a responsável.

Evolução permanente

O estabelecimento Siu Che também se juntou a outros eventos locais, como o Festival de Gastronomia de Macau, mas o Mercado Nocturno Hong Kung continua a reunir as preferências entre a sua clientela. “Comparado com outros arraiais ou festivais gastronómicos, o Hong Kung tem a melhor infra-estrutura, oferecendo muitas mesas e cadeiras para os clientes apreciarem a comida”, diz a filha de Siu Che. “O mercado nocturno também evoluiu ao longo dos anos com mais actividades temáticas para atrair um maior número de visitantes. O organizador também nos apoia em caso de dúvidas, para que possamos nos concentrar apenas no sucesso dos nossos negócios.”

Só este ano o mercado nocturno já acolheu uma série de actividades para tornar a iniciativa mais apelativa. Entre elas contam-se alguns jogos desportivos para crianças, oficinas de artesanato e culinária com o tema relacionado com os Barcos-Dragão e até um palco para motos Harley-Davidson. 

“A lista de comerciantes também é ajustada a cada trimestre com alguns novos restaurantes e lojas, para manter a experiência dinâmica para os visitantes que nos visitam com frequência”, conta Lei Cheok Kuan. Outra grande mudança, que foi ocorrendo ao longo dos anos, foi a inclusão de mais elementos que visam atrair famílias, como máquinas de jogos e diversão para os mais jovens, com o objectivo de aliciar tanto os residentes como os turistas, acrescenta.

Residentes e turistas

Os residentes de Macau são os principais consumidores no mercado nocturno, no período marcado pela pandemia da COVID-19. De acordo com estimativas da organização, os moradores locais representam agora cerca de 80 a 90 por cento dos visitantes do mercado, em contraste com uma divisão uniforme entre residentes e turistas antes da crise de saúde pública.

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Emily Lam e a sua família, que moram nos arredores da Rua de Cinco de Outubro, visitam o mercado nocturno cerca de uma vez por mês. “Às vezes, quando não queremos cozinhar e pensamos no que jantar, visitamos o Hong Kung, que tem uma variedade de opções gastronómicas”, diz Emily Lam. “Definitivamente, o número de stands de jogos e actividades recreativas no Mercado de Hong Kung tem vindo a crescer nos últimos tempos, (…) tornando o evento não apenas atraente para os turistas, mas também para os moradores.”

Já um grupo de três amigos de Guangzhou, na província de Guangdong, visitou o mercado nocturno pela primeira vez este ano, depois de ter recebido várias recomendações de outras pessoas no Xiaohongshu, uma plataforma digital popular entre os consumidores no Interior da China. “Em comparação com as ofertas de hotéis e resorts, parece que podemos ter uma melhor compreensão da cultura e costumes locais através do Mercado Nocturno [Hong Kung]”, diz à Revista Macau um dos membros do grupo.

Estimular o empreendedorismo

Além de revitalizar o antigo bairro da Rua de Cinco de Outubro, o mercado nocturno também serve de plataforma para o ganha-pão dos moradores ou até para estimular o empreendedorismo entre a comunidade local. Foi através do Mercado Nocturno de Hong Kung que Shu, dona de casa e mãe de dois filhos, ganhou coragem para lançar, em 2018, um negócio de venda de iguarias tradicionais que confeccionava em casa, com destaque para uma variedade de dim sums, bolinhos de camarão e algumas sobremesas típicas.

“Este negócio é um meio para eu ganhar algum dinheiro para ajudar nas despesas familiares. O mercado nocturno, que só abre aos fins-de-semana, também se enquadra com a minha agenda, pois preciso de cuidar dos meus dois filhos durante a semana”, explica.

Shu vende iguarias tradicionais no mercado de rua desde 2018

É uma história com contornos semelhantes, mas algo diferente, para o recém-chegado Alan Lam, um ex-funcionário de um complexo de entretenimento local, que se viu confrontado com a necessidade de dar um novo rumo à sua vida profissional. Desde Janeiro deste ano que Alan Lam está à frente de um stand de petiscos fritos e sobremesas com o nome de “Mr Potato”. “Sempre tive uma paixão por cozinhar e, com a necessidade de encontrar um novo emprego, achei que era altura de tentar lançar o meu próprio negócio na área da gastronomia”, conta à Revista Macau. “Ouvi falar do Hong Kung, que é o primeiro mercado nocturno da cidade, e decidi tentar.”

“É uma boa plataforma para pessoas como nós que desejam iniciar o seu próprio negócio, porque podemos testar as águas e verificar se as nossas ofertas são adequadas para o mercado”, comenta Alan Lam. Satisfeito com o desempenho do negócio até ao momento, o empreendedor integrou também um mercado gastronómico realizado em Junho, na Taipa, para procurar expandir a base de clientes. “Se surgirem oportunidades no futuro, é claro que esperamos expandir o nosso negócio, que tem como base o stand em Hong Kung”, acrescenta.

Vários grupos de estudantes de universidades locais também lançaram, recentemente, os seus próprios stands no mercado nocturno para ganhar alguma experiência na área da gestão do seu próprio negócio, conta Lei Cheok Kuan, ilustrando com os apoios providenciados pelo Governo de Macau ao incentivo do empreendedorismo jovem. “O custo e o investimento para montar um stand no mercado nocturno são bastante reduzidos em comparação com uma loja física, e o Hong Kung oferece espaço para as pessoas tentarem e falharem, permitindo minimizar os riscos na jornada do empreendedorismo”, diz o presidente da associação organizadora. “É apenas mais um exemplo que comprova o valor do Hong Kung para a cidade”, sublinha.