Complexa, subtil e, em grande medida, incompreendida. É assim que Yang Dengquan se refere à cozinha que prepara há quase quatro décadas. O influente chef trocou há cinco anos Chengdu por Macau e assumiu o desafio de desmistificar a culinária de Sichuan e provar que há vida para além do picante
Texto Marco Carvalho
Yang Dengquan é um homem em missão. Nascido e criado em Chengdu e radicado em Macau há cinco anos, o responsável pela cozinha do restaurante “Five Foot Road” (“Viela”, em português) trocou o Centro pelo Sul da China com o propósito de ajudar a dissipar a nuvem de equívocos e de estereótipos que rodeiam a gastronomia de Sichuan.
Tida como a mais atrevida das cozinhas regionais da China, a culinária de Sichuan é, também, uma das mais diversas em termos de paladar, assegura o veterano chef. Refém do cliché que a associa, o mais das vezes, a malaguetas, pimenta e pratos que entorpecem os sentidos, a gastronomia de Sichuan abrange um leque de 24 nuances de sabor que oscilam entre o azedo e o doce, o quente e o amargo ou o aromático e o salgado.
“Diversidade é a palavra-chave no que toca à cozinha de Sichuan. É uma gastronomia muito diversificada e muito inclusiva. E quando digo que é inclusiva quero dizer que é possível adicionar vários ingredientes a um único prato e, ainda assim, poder apreciar o sabor de cada um deles. Esta é a essência e alma da cozinha de Sichuan”, assinala Yang Dengquan em entrevista à Revista Macau.
Uma refeição no restaurante que o conceituado chef lidera é um exercício de subtileza, uma viagem refinada por um cortejo de sabores que embalam o paladar. Doce, salgado, acre, estaladiço, tenuemente picante. Diáfana, uma mera sopa de galinha com ninho de andorinha dá ares de aguarela gastronómica: no caldo translúcido paira um naco de peito de frango, reconstituído com a consistência e a textura de uma nuvem. O prato é uma das iguarias clássicas da cozinha de Sichuan, mas é praticamente desconhecido fora da província, face à fama esmagadora de que gozam pratos como o mapo doufu (tofu picante).
Mas mesmo o mais emblemático dos acepipes típicos de Chengdu, assegura Yang Dengquan, tem mais fama do que proveito. “Parece-me que continuam a persistir muitos mal-entendidos na forma como o picante é percepcionado. Na verdade, a cozinha de Sichuan é muito diversa. Em termos de paladar, abrange um portefólio com 24 nuances de sabor”, ilustra o chef. “Os pratos picantes, aqueles que nos entorpecem os sentidos, constituem apenas um terço daquilo que é o perfil gastronómico de Sichuan. Eu entendo que parte da minha missão, aqui em Macau, é dar a conhecer os outros dois terços”, sublinha.
Viajar no tempo
A subtileza com que diferentes nuances de sabor se misturam num único prato elevou a culinária de Sichuan ao pódio das cozinhas mais apreciadas na China.
Mas, mais do que viajar por novos sabores e por novas geografias, o conceito que Yang Dengquan importou para Macau é um convite à redescoberta do passado. Refinada e sumptuosa, uma refeição no seu restaurante é também uma viagem no tempo até à Chengdu da década de 1940, quando as mansões da cidade eram palco de luxuosos banquetes onde eram servidas requintadas iguarias. É esta herança gastronómica – e a história que a ela está associada – que Yang Dengquan recria há anos em Macau, com o recurso a pimenta, malaguetas, sal e outros condimentos importados da sua província natal.
“Sempre cozinhei os pratos clássicos e as iguarias tradicionais porque me parece que tenho a responsabilidade de transmitir a cultura do local onde cresci às novas gerações. O aspecto positivo dos pratos tradicionais é que há sempre imensas histórias associadas a eles”, refere. E acrescenta: “Parte do meu trabalho passa por dar voz a essas histórias, transmitir o património gastronómico de Sichuan aos mais novos e lembrá-los que não nos devemos esquecer do nosso passado”.
Importados com uma cadência quase diária, as malaguetas, a pimenta e o sal que Yang Dengquan utiliza na sua cozinha não são os únicos elementos provenientes de Sichuan. A maior parte dos 19 chefs que integram a equipa que lidera – e que valeu ao estabelecimento a inclusão no Guia de Viagens da Forbes com o estatuto de restaurante de cinco estrelas – foi recrutada em Chengdu. A capital da província de Sichuan tornou-se, em 2010, a primeira cidade asiática a ser considerada pela UNESCO como uma Cidade Criativa da Gastronomia, condição partilhada por Macau desde Novembro de 2017.
A distinção, considera Yang Dengquan, acarreta reconhecimento e visibilidade, mas também uma responsabilidade acrescida. “Chengdu e Macau são ambas cidades muito inclusivas e não é difícil encontrar influências de outros locais. Mas, em comparação com Chengdu, Macau é uma cidade bem mais internacional”, reconhece o chef.
“Vejo-me a mim próprio como um embaixador da gastronomia de Chengdu e até mesmo da cozinha de Sichuan em Macau. Trabalhar numa Cidade Criativa da Gastronomia pressupõe uma responsabilidade acrescida, na medida em que temos de dar resposta às expectativas dos nossos clientes, mas também honrar o nome e a confiança da UNESCO. E é neste sentido que eu quero trabalhar, para que Macau mantenha o estatuto de Cidade Criativa da Gastronomia”, remata Yang Dengquan.