São 60 anos de actividade, a vender produtos a várias gerações de clientes. Escondida num dos mais antigos bairros de Macau, e entregue à segunda geração da família, a Si Heung continua a vender amendoins e outros petiscos tradicionais, com sabores únicos criados há décadas
Texto Tony Lai
Fotografia Cheong Kam Ka
Desde os armários de vidro já antigos, com uma variedade de petiscos como amendoim, sementes de melão e frutas em conserva, até às grandes prateleiras feitas com técnicas tradicionais chinesas de trabalhar a madeira, sem pregos nem parafusos, passando ainda pelos sinais à mão a descrever os produtos: o tempo parece ter parado na Si Heung, uma pequena loja que desde 1962 se ergue no cruzamento entre a Rua do Infante e a Rua Cinco de Outubro, na zona do Porto Interior.
“Basicamente, nada mudou na decoração da loja”, diz o proprietário, Sam Hoi Ngok, à Revista Macau, enquanto recorda como este estabelecimento nostálgico sobreviveu a várias inundações em anos recentes, causadas por tufões. A loja tem persistido e resistido às tempestades – literal e metaforicamente – nas últimas seis décadas.
‘Tempos dourados’
Situada num dos bairros mais antigos da cidade, numa área menor do que um lugar de estacionamento, a Si Heung oferece hoje cerca de 60 tipos de petiscos tradicionais chineses, incluindo diferentes sabores de amendoim, como pele de peixe, ovas de camarão e wasabi; diferentes tipos de sementes de melão; pistácios; frutas em conserva, como ameixas salgadas e azedas, damasco seco e alcaçuz com limão. Com excepção do amendoim e das sementes de melão, provenientes do Interior da China e processados em Macau, os outros produtos são importados do continente, Hong Kong, Taiwan, Tailândia, Estados Unidos e outros lugares.
Quando a loja abriu, a Si Heung vendia apenas amendoim e sementes de melão. “Foi a época de ouro para o nosso negócio, porque as pessoas tinham uma variedade limitada de petiscos por onde escolher, nos anos 60. As batatas fritas, as bolachas de camarão e os chocolates ainda não eram populares, por isso os amendoins e as sementes de melão eram as únicas opções disponíveis”, explica Sam.
Desde tenra idade que Sam e os irmãos estiveram envolvidos no negócio da família. A transformação do amendoim e das sementes de melão – incluindo fritar, assar e temperar – era feita pelos adultos, mas os mais jovens tinham de ajudar a empacotar os produtos e a atender os clientes. “Não tínhamos tempo para brincar depois da escola, pois tínhamos que ajudar a família”, diz Sam, de 65 anos.
Mudar com o passar do tempo
Após os seus pais lhe terem passado o negócio em 1976, Sam começou a observar mudanças no mercado local. A Si Heung enfrentou forte concorrência de empresas do Interior da China que começavam a transformar e vender amendoins e sementes de melão por conta própria, seguindo as reformas económicas e a política de abertura do outro lado da fronteira, no final da década de 1970.
Além disso, houve também uma mudança nas preferências dos consumidores. “Ainda me lembro quando um empresário de Hong Kong nos disse, na década de 80, que só poderíamos manter o nosso negócio por mais dez anos antes de irmos à vida”, acrescenta.
Uma previsão que se tornou realidade para muitas lojas semelhantes que até então existiam no mercado local e até em Hong Kong, conta Sam. Muitos desses estabelecimentos, dedicados à transformação e venda de petiscos tradicionais chineses em Macau e Hong Kong, foram fechando portas, mas a Si Heung conseguiu sobreviver e até prosperar. A loja expandiu a sua oferta ao longo dos anos e começou a fornecer petiscos a espaços locais de entretenimento.
“Não tivemos alternativa senão ir ajustando o nosso modelo de negócios com o passar do tempo e a evolução do mercado”, explica Sam.
Um duo ao leme
Mas se o tempo obriga a certas mudanças, há outras coisas que permanecem inalteradas. O negócio é inteiramente gerido por Sam e pela esposa. Às vezes, quando ele precisa de transformar alguns dos produtos numa unidade industrial próxima, a irmã mais velha vem ajudar a cuidar da loja. “Os nossos filhos às vezes também ajudam, se estivermos muito ocupados, mas a operação diária é basicamente apenas mantida por mim e pela minha esposa”, acrescenta.
“A loja vai continuar aberta todos os dias enquanto o meu corpo me deixar”
SAM HOI NGOK
PROPRIETÁRIO DA SI HEUNG
Apesar dos parcos recursos humanos, a Si Heung está aberta todos os dias, excepto no primeiro dia do mês. “Antigamente não tínhamos qualquer dia de folga, pois podia haver clientes a fazer encomendas a qualquer momento. Se estivéssemos fechados, perdíamos a encomenda”, explica Sam. “Antes também morávamos nas proximidades da loja, para que pudéssemos tratar rapidamente de quaisquer entregas [de mercadorias e ingredientes] quando elas chegassem, a qualquer momento”, revela.
Dedicação e empenho que, no entanto, não mudam o facto de o negócio estar em declínio ou, como Sam repetiu várias vezes durante a entrevista, “a chegar ao pôr do sol”. “O tamanho da lista de clientes locais vem diminuindo, pois podem comprar produtos semelhantes em supermercados e outros lugares ou escolher outros produtos. Alguns dos nossos clientes de longa data só voltam para nos visitar uma vez por ano, na véspera do Ano Novo Chinês, para comprar sementes de melão e outros petiscos festivos”, explica.
Novas oportunidades
Apesar da mudança nos hábitos de consumo, os turistas – principalmente de Hong Kong – e os espaços locais de entretenimento têm sido, nos anos mais recentes, a principal fonte de receitas para a Si Heung, embora também estes tenham sido afectados pela pandemia da COVID-19. “2020 foi o pior ano para a Si Heung. Os visitantes estiveram praticamente ausentes durante a maior parte do ano, enquanto muitos espaços locais de entretenimento estiveram fechados”, explica Sam.
No entanto, quando uma porta se fecha, outra se abre, como a Si Heung tem provado repetidas vezes. Nos últimos tempos, as autoridades de Macau têm ajudado pequenas e médias empresas locais e marcas consagradas a realizar campanhas promocionais dirigidas ao mercado do Interior da China através das redes sociais. Um esforço que ajudou a Si Heung a atrair mais clientes chineses, apesar da pandemia, já que a cidade actualmente permite apenas a entrada livre de quarentena a visitantes do Interior da China. Como resultado, a loja teve um aumento no volume de vendas, conta o proprietário.
“A loja vai continuar aberta todos os dias enquanto o meu corpo me deixar”, diz Sam, falando sobre o futuro desta loja típica de Macau. “Mas, honestamente, não quero que os meus filhos continuem um negócio que está em declínio. Eles têm outros empregos e devem fazer algo pelo qual tenham paixão”, sublinha.