As medalhas sucedem-se numa carreira desportiva repleta de sucessos. Porém, a triatleta Hoi Long quer servir de exemplo para as gerações futuras pelo seu empenho e dedicação no treino, não pelos resultados
Texto Cherry Chan
Fotografia Cheong Kam Ka
Hoi Long é um dos nomes mais sonantes do desporto em Macau, com provas dadas no triatlo e atletismo, que se traduzem em muitas medalhas ganhas a nível local, nacional e internacional. A atleta de 37 anos, portadora de deficiência auditiva e que participa tanto em competições regulares como de desporto adaptado, teve um final de 2021 para recordar.
Em Outubro, Hoi Long participou nos 11.º Jogos Nacionais para Deficientes e 8.º Jogos Olímpicos Especiais da China, que decorreram na cidade de Xian, na província de Shaanxi. Conquistou uma medalha de ouro na maratona e uma medalha de prata na prova dos 10.000 metros, em ambos os casos na categoria de deficiência auditiva.
No desporto regular, a atleta estabeleceu em Dezembro um novo recorde feminino absoluto de Macau para a meia-maratona, durante a Maratona Internacional de Macau, correndo 21,1 quilómetros em 1:23:05 horas. Antes disso, tinha vencido o Campeonato de Triatlo de Macau de 2021 e terminado em nono lugar a prova de triatlo dos 14.º Jogos Nacionais regulares.
O seu impressionante currículo não se limita a vitórias em 2021. Conquistou uma medalha de bronze para Macau em triatlo nos Jogos Asiáticos de Jacarta 2018, além de ter vencido diversas outras provas de triatlo a nível asiático. O seu desempenho já lhe mereceu várias distinções por parte do Governo de Macau, incluindo um título honorífico de valor, em 2009, e duas medalhas de mérito desportivo, atribuídas em 2011 e 2018.
Desafios feitos oportunidades
Hoi Long perdeu a audição ainda bebé, aos cinco meses, fruto de um incidente médico. Aprendeu leitura labial em chinês e inglês, para entender o que os outros em seu redor diziam, e é capaz de se exprimir oralmente. Essas capacidades, aliadas a um forte empenho, ajudaram-na nas salas de aula enquanto criança e adolescente.
Na altura, os recursos disponíveis no campo da educação especial eram escassos e Hoi Long concluiu os seus estudos no ensino regular. Hoje, frequenta o curso de doutoramento em desporto ministrado pelo Instituto Politécnico de Macau (IPM) em colaboração com a Universidade de Desporto de Xangai. Antes, completou um mestrado na área do desporto, leccionado pelo IPM em parceria com a Universidade de Desporto de Pequim, e uma licenciatura em gestão desportiva, na Universidade de Desporto de Pequim.
A desportista diz que as suas vitórias académicas foram obtidas a maior custo do que as desportivas. “As dificuldades que encontro no meu treino não são grandes comparadas com as que enfrento no meu estudo”, explica, numa alusão à sua deficiência auditiva.
Apesar de ser hoje reconhecida pelos seus feitos no triatlo e atletismo, foi na natação que tudo começou para Hoi Long, aos seis anos de idade, pela mão da sua mãe. De resto, a progenitora foi uma figura marcante na sua infância e juventude, encorajando-a sempre a não se deixar definir pela sua deficiência auditiva. “Agradeço muito à minha mãe, que sempre me apoiou em todos os aspectos”, diz a atleta.
Aos 12 anos, a prática de ciclismo entrou na sua vida. “No meu último ano de ensino secundário, porque achava a natação e o ciclismo interessantes – e também porque já tinha ganho alguns prémios em competições nessas duas modalidades –, iniciei-me no triatlo”, juntando assim o atletismo ao seu portfólio de desportos, recorda.
Inicialmente, a desportista não gostava de correr. “Só comecei realmente a aprender a correr depois de completar a minha licenciatura”, diz.
Hoi Long compete agora em provas regulares e também de desporto adaptado para pessoas portadoras de deficiência auditiva. A atleta diz que a competitividade é similar em ambas. “As provas de desporto adaptado são iguais a todas outras, sendo a única diferença o sinal de partida”, que não é sonoro, explica.
Hoi Long conjuga o desporto com um emprego a tempo inteiro na função pública, além dos seus estudos de doutoramento. Os seus dias começam cedo, com sessões de treino antes de ir para o trabalho, que diversas vezes se repetem ao final do dia. “O desporto é o meu meio para manter a minha vida equilibrada”, diz.
O seu plano de treino é bastante exigente: a incapacidade auditiva de Hoi Long não tem qualquer impacto na carga ou intensidade das sessões. A desportista diz que a única preocupação especial se prende com a prática de ciclismo de estrada e o trânsito, que não consegue ouvir.
“Lembro-me de que uma vez, em 2007, quando estava a praticar na rua, houve um táxi que me ultrapassou e eu não me apercebi de que ele estava a parar, porque o motorista não ligou qualquer sinal”, recorda. “Bati contra o táxi, a bicicleta partiu-se em dois sítios e eu fui parar ao hospital.”
Ando Kenta, treinador de Hoi Long, diz que a principal diferença entre a atleta e os restantes desportistas sob a sua alçada prende-se com a forma como comunica com ela durante o treino. “Normalmente ando de bicicleta atrás dos atletas e digo-lhes as minhas observações e indicações. Em relação à Hoi Long, a maior diferença é que tenho de me colocar ao seu lado e deixá-la ver os meus lábios quando falo”, explica.
De resto, o treinador japonês não poupa elogios à atleta. Salienta em particular o seu empenho e dedicação ao treino, apesar da sua agenda preenchida.
Mais do que ouro
Hoi Long aponta como um dos principais momentos na sua carreira a medalha de bronze obtida em 2015 no Campeonato Mundial de Aquatlo (natação e corrida) da União Internacional de Triatlo, em Chicago, nos Estados Unidos, na categoria de elite feminina. “Foi a primeira vez que um atleta de Macau obteve uma medalha nesta competição mundial”, recorda. “Senti-me orgulhosa de ser de Macau.”
No desporto adaptado, são motivo de orgulho as medalhas de ouro obtidas na prova de contra-relógio individual em ciclismo de estrada na edição de 2013 dos Jogos Surdolímpicos – também conhecidos como “Deaflympics” – e na maratona nos Jogos Nacionais no ano passado. Essas vitórias “são provas para todo o mundo do avanço no nível dos atletas surdos em Macau”, diz Hoi Long.
A desportista prefere, porém, não olhar para resultados. “Em vez de mostrar aos outros que estou a conquistar cada vez mais medalhas, preferia que vissem o meu esforço de base, assim como a minha experiência”, refere. “Isso é agir como um exemplo a seguir, para eliminar a discriminação na sociedade.”
Hoi Long afirma que os atletas portadores de deficiência enfrentam as mesmas exigências que os atletas regulares, mas também necessitam de lidar com dificuldades ligadas à sua condição, seja no que toca à procura de oportunidades de treino ou de apoios. Neste campo, a desportista refere o esforço do Governo de Macau em responder às necessidades dos atletas locais e melhorar as condições de treino disponíveis no território.
Olhando em redor, Hoi Long sublinha que é necessário continuar a promover a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência. “Ainda existem alguns estereótipos na sociedade”, alerta, dando como exemplo as dificuldades no que toca ao emprego.
Em jeito de conselho às novas gerações de Macau, Hoi Long afirma que devem traçar metas claras. “Caso tenham um alvo, têm que persistir em trabalhar para o atingir, por mais duro que seja”, sublinha. A atleta partilha o seu mote: as dificuldades são a ponte que nos leva rumo aos nossos sonhos.