Garantir três estrelas no mais conceituado guia gastronómico mundial não é fácil, mas mais difícil é manter a distinção durante três anos consecutivos. O chef Kelvin Au Yeung elegeu o respeito pela tradição, o fomento da inovação e o recurso aos melhores ingredientes sazonais como os três pilares fundamentais da sua forma de estar na cozinha
Texto Marco Carvalho
“SEMPRE procurei encorajar uma filosofia culinária de preservar as tradições, ao mesmo tempo que cultivo a inovação.” A garantia é transmitida por Kelvin Au Yeung, quase em jeito de manifesto. Nascido em Hong Kong, Au Yeung assumiu a cozinha do restaurante Jade Dragon – um dos três restaurantes de Macau actualmente distinguidos com três estrelas pelo Guia Michelin – em Novembro de 2017. Desde então, ajudou não só a colocar o estabelecimento entre a elite gastronómica, mas também a transformá-lo num verdadeiro templo da cozinha cantonense.
A gastronomia do sul da China é fresca, doce e sublime – pela mão de Au Yeung, ganhou também requinte e sofisticação. O chef explica a manutenção da mais desejada distinção atribuída pelo mais conceituado guia gastronómico do mundo com uma fidelidade inamovível a três valores que vê como fundamentais. “Procuro ter como referência o conhecimento transmitido através de incontáveis gerações e usar produtos sazonais provenientes de todo o mundo, incorporando nos pratos que faço os traços da cultura culinária contemporânea”, esclarece em entrevista à Revista Macau.
Segundo o chef, o acto de comer, para muitas pessoas, “não é um gesto meramente funcional, tornou-se uma cultura, um estilo de vida e uma paixão”.
“Recebo muitas vezes clientes que têm um grande conhecimento de gastronomia, que demonstram uma grande paixão. Há outros que são verdadeiros especialistas na cozinha tradicional cantonense”, explica. “Queremos falar-lhes aos sentidos, mas também confrontá-los com um elemento de surpresa e de descoberta. É possível manter a essência de um prato ao mesmo tempo que se fomenta a redescoberta”, assegura Au Yeung.
Rica em elementos e ingredientes, a cozinha cantonense é uma das oito cozinhas tradicionais da China e, muito provavelmente, a mais conhecida em todo o mundo. Longe vai o tempo em que era associada a humildes casas de pasto ou a bancas de rua, defende o premiado chef.
“Ao longo dos últimos anos, muitos chefs e muitos restaurantes de cozinha cantonense foram avaliados de forma positiva por alguns dos mais conceituados guias gastronómicos do mundo. Os prémios multiplicaram-se e isso, obviamente, ajudou a promover a gastronomia cantonense a nível internacional”, salienta Au Yeung.
Tradição e inovação
Com o reconhecimento, chegou também uma perspectiva mais desafrontada quer da individualidade da gastronomia cantonense, quer da complexidade das técnicas e dos métodos que lhe são únicos. Outrora vista como rústica e pouco elaborada, a cozinha cantonense moderna, garante Au Yeung, exige níveis de proficiência que ultrapassam em muito a arte de manusear o “wok”.
“Cozinhar alguns pratos cantonenses requer alguma capacidade de improvisação, o domínio do uso do wok e a arte de temperar com precisão. Cozinhar produtos do mar secos – como abalone, pepinos-do-mar e bucho de peixe – e os benefícios terapêuticos de uma cozinha saudável e equilibrada são factores que distinguem a cozinha cantonense das demais cozinhas”, considera o chef.
Para além de ter garantido, desde 2019, a distinção com três estrelas pelo Guia Michelin, o trabalho desenvolvido por Au Yeung valeu ainda ao seu restaurante as distinções máximas outorgadas pelo Forbes Travel Guide e pelo Black Pearl Restaurant Guide, um dos mais conceituados da China. Ao casamento bem-sucedido entre tradição e inovação, Au Yeung junta uma preocupação genuína com a qualidade dos produtos com que trabalha. Algo que, garante, é cada vez mais comum entre os chefs que procuram fazer dos seus restaurantes uma porta para o universo da sofisticação.
“Obter os melhores ingredientes é, frequentemente, um dos mais difíceis desafios com que nos deparamos. E é para mim um desafio muito pessoal. Visito mercados e produtores com a minha equipa para garantir que a qualidade não é comprometida, mas também para encorajar os agricultores e produtores a fazer as coisas da forma mais adequada”, explica.
“Tenho quase 30 anos de experiência e estas três décadas ajudaram-me a dominar a cozinha cantonense. Conheço bem os pontos fortes e os pontos fracos dos diferentes ingredientes e sei bem o que os clientes querem. É por isso que trabalho de muito perto com a minha equipa de forma a criar pratos que possam ser, ao mesmo tempo, refinados e clássicos e que possam satisfazer quem nos visita”, remata Au Yeung.