Texto Marta Curto (Em Portugal) | Fotos Paulo Cordeiro
Em Outubro de 2015, o Ministro da Educação e Ciência português, Nuno Crato, homologou as Orientações Curriculares para o ensino do mandarim, Língua Estrangeira III, dos Cursos Científico-Humanísticos do Ensino Secundário em Portugal. Assim, uma das competências a adquirir pelos alunos do 10.º ano em Portugal era “ver o mundo de forma diferente através da aprendizagem da língua e cultura chinesas.”
Muito mais do que apenas a língua chinesa, aos alunos portugueses era mostrada uma cultura nova cada vez mais presente no mundo ocidental. A China deixava de ser apenas um país longínquo e tremendamente diferente do português. Passava a ser tangível, compreensível e quase próximo.
Nesse ano lectivo, 500 alunos começaram a aprender mandarim nas escolas portuguesas. E a disciplina passou a ser obrigatória para os alunos de Humanidades e opcional para os restantes, a partir do 10.º ano de escolaridade. Chegados ao 12.º ano, os alunos teriam de lidar com elementos culturais chineses e compreender a relação entre a aprendizagem da cultura e a da língua. Teriam de conhecer vários elementos da arte chinesa, como a caligrafia, o recorte de papel, a pintura e jogos tradicionais como o Mahjong. Teriam de aprender a identificar os signos chineses. E por fim, conhecer as contribuições do povo chinês para a sociedade portuguesa e vice-versa, e entender a importância da aprendizagem do mandarim e a sua utilidade num mundo global.
Uma “Jogada Audaz”
Maria Silveira Botelho tem 13 anos e frequenta o oitavo ano, no Colégio de São Tomás, em Lisboa. “No quinto ano tive de escolher entre aprender mandarim e alemão. Tive as minhas dúvidas sobre qual preferia, mas acabei por escolher mandarim, porque sabia que, no futuro, me seria mais útil”. Para Maria, o mais difícil é decorar os caracteres chineses e a sua associação a cada palavra. Pelo contrário, “o que mais me fascina na China é o facto da sua cultura e forma de viver serem tão diferentes da nossa. Sinto-me como uma Alice no País das Maravilhas”.
“Cada vez mais os alunos e os pais estão alerta para o papel que o mandarim pode ocupar na vida profissional”, confirma Catarina Cambóias, que dá aulas de apoio de Português Língua Não-Materna a alunos maioritariamente chineses e aulas de mandarim a alunos portugueses, na preparação do nível I do Hanyu Shuiping Kaoshi (HSK), o exame de proficiência de chinês.
“Tenho alunos desde os seis anos (primeiro ano de escolaridade) até aos 15 anos (nono ano) e creio que a aposta no domínio de uma língua com a dimensão do mandarim nunca pode ser considerada perda de tempo ou de dinheiro. Pelo contrário: é uma jogada audaz com qualidade; De empenho mas com visão. E as crianças são muito atentas para este tipo de coisas. Muitas vezes contam-me notícias que viram na televisão sobre investimento chinês em Portugal”.
Tendo começado o seu contacto com o mandarim no curso de Tradução e Interpretação Português/ Chinês – Chinês/Português, no Instituto Politécnico de Leiria há cerca de cinco anos, Catarina Cambóias considera que não há duvidas sobre a importância do ensino da língua chinesa, mas, mais do que isso, da introdução à cultura chinesa. Afinal, uma língua sem explicação cultural, é apenas um conjunto de sons. Sem entender a cultura, não há comunicação possível. Por isso, Catarina faz questão de partilhar curiosidades da cultura chinesa com os seus alunos.
“A mais-valia da aprendizagem das línguas é que nós precisamos delas para comunicar e a comunicação é precisa em todos os contextos profissionais. Uma escola que acredita nisto não só forma excelentes alunos, como também, homens e mulheres globalizados, preparados para brilhar em qualquer contexto profissional”.
Um projecto-piloto, dois anos antes
Manuela Barbosa é titular de turma do quarto ano da EB1 do Espadanal em São João da Madeira, no distrito de Aveiro. Os seus alunos aprendem mandarim há dois anos. “A cidade é industrial e muitas crianças são filhos de empresários. O facto de aprenderem mandarim é incentivado pelos pais, que vêm nesta aprendizagem uma forma dos seus filhos continuarem o trabalho que eles fizeram mas em novos mercados”.
Por estar numa região fortemente industrializada, o município de São João da Madeira “tendo consciência de que as relações luso-chinesas nos domínios económico, cultural, social e diplomático são, na actualidade, uma prioridade”, decidiu, em Setembro de 2012, introduzir um programa de ensino de mandarim no seu Projecto Educativo Municipal”, explica Manuela Barbosa.
O projecto-piloto começou em Janeiro de 2013, ou seja, dois anos antes da introdução oficial desta matéria aos alunos do 10.º ano, e pretendia dar início ao ensino do mandarim a turmas do terceiro ano do Ensino Básico. Nesse ano lectivo começou com 289 estudantes do terceiro ano. O projecto alargou-se progressivamente nos anos seguintes e hoje chega a seis anos lectivos, do terceiro ao oitavo ano, num total de 762 alunos, distribuídos por 12 escolas e 37 turmas. Para chegar a esta meta, a Câmara Municipal de São João da Madeira convidou a Universidade de Aveiro que, através do Departamento de Línguas e Culturas, elaborou os conteúdos didático-pedagógicos e deu formação a professores, entre 2012 e 2017. A partir de 2015, o projecto passou a ser acompanhado pelo Instituto Confúcio da Universidade de Aveiro.
Hoje, em São João da Madeira, o mandarim é então uma disciplina curricular obrigatória para todos os alunos do terceiro e quarto ano do primeiro ciclo do Ensino Básico, ou seja, alunos entre os oito e os 10 anos de idade e opcional para os restantes anos, que abrangem alunos entre os 11 e 15 anos. As aulas semanais são de 60 minutos para as turmas do primeiro ciclo, e de 45 minutos para as do segundo e terceiro ciclo.
“Os alunos têm mostrado muito interesse pela língua chinesa. Acham a língua e os sons muito interessantes, mas têm algumas dificuldades com os caracteres”, afirma Manuela Barbosa, acrescentando que, no início, as aulas eram muito baseadas na escrita, mas que, com o tempo, foram-se ajustando às competências dos alunos. “Hoje temos aulas mais lúdicas, apostamos mais na oralidade.”
Por seu turno, “os pais destas crianças incentivam esta aprendizagem e gostam que eles aprendam mandarim. Muitos queriam ajudar mais, mas não entendem a língua”, afirma a professora que também não domina a língua. Para o seu ensino, conta com o apoio de um professor chinês que sabe Português, e de outro português que sabe mandarim. As aulas são dadas por eles, sendo que ela só supervisiona.
Este projecto-piloto tem sido, desde o início, monitorizado por uma equipa do Ministério da Educação de Portugal, que assistiu a aulas e promoveu reuniões de avaliação com docentes, encarregados de educação, autarcas e técnicos da Câmara Municipal de São João da Madeira e, ainda, com os responsáveis da Universidade de Aveiro.
“A avaliação do projecto tem sido, globalmente, muito positiva, evidenciando um grande impacto na sociedade e na comunicação social, nacional e internacional”, afirma Paulo Bragança do Gabinete de Comunicação da Câmara Municipal de São João da Madeira.
Ir para a China para falar melhor
Desde 2006, que o Instituto de Línguas da Universidade Nova de Lisboa dá aulas de mandarim. A procura foi bastante tímida até 2012, mas nesse ano o número de interessados catapultou. Hoje, o Instituto recebe sobretudo alunos entre os 18 e os 25 anos, mas têm estudantes com 50 anos também. A maioria dos alunos trabalha em empresas que operam com o mercado chinês ou são pessoas que procuram uma nova oportunidade de trabalho e estão a aprender a contactar com a língua pela primeira vez.
Já na EF Education First, uma empresa especialista no ensino de línguas no estrangeiro, viagens educativas, mestrados, pós-graduações e intercâmbios culturais, o mandarim está no seu currículo há cerca de 10 anos e quem mais os procura as suas aulas são pessoas que já tiveram aulas de mandarim, mas querem melhorar o seu domínio da língua. Muitos recorrem à EF para fazerem um intercâmbio na China. “Como viajar para o país de origem de uma língua é a melhor forma de a aprender, é natural que os alunos recorram à EF para avançar no mandarim, sendo a forma mais rápida de se tornarem fluentes. Os alunos sabem a dificuldade que têm em falar mandarim a um nível suficiente para viverem e trabalharem na Ásia, e dedicam-se uns meses (ou anos) a tornarem-se fluentes. Nós acolhemos estes alunos em Xangai”, explica Constança Oliveira e Sousa, da EF.
Com alunos maioritariamente entre os 18 e os 22 anos, os aprendizes reconhecem a China como player internacional, e pretendem facilitar as relações de trabalho nas suas empresas, ou ter uma experiência de trabalho na Ásia. “A Ásia é cada vez mais procurada por alunos universitários. Há algo de exótico que os fascina, e todos a querem conhecer”, explica Constança.
Também Maria Silveira Botelho foi à China. No ano passado passou duas semanas em Tianjing. Na altura tinha 12 anos, e estudava mandarim há cerca de três.
Regressou a Portugal ainda sem saber qual a área profissional que seguirá mas não tem dúvidas da importância que o mandarim terá a nível global e na sua vida: “A China vai ter uma grande influência no mundo e poder comunicar na sua língua materna será uma vantagem enorme”, afirma. Considera então, que escolher o mandarim em detrimento do alemão foi uma boa decisão.