Carlos Frescata era ainda menino e moço quando se começou a sentir fascinado pela China. Há 30 anos. Hoje vive em Portugal e tem 47 anos. A poluição afastou-o do Oriente. O que o fascinou foi o ambientalismo chinês.
A entrevista faz-se por e-mail. O meio é frio, não se vê o sorriso vago, nem se sente a hesitação antes da resposta, mas nas palavras escritas ainda se consegue ler o fascínio de menino e moço.
“Nasceu em mim o interesse pela China quando, em 1978, em pleno sonho juvenil sobre a possibilidade de se construir uma sociedade ambientalmente equilibrada no planeta, um companheiro de ideal, bem mais velho do que eu, me ter dito: ‘acabou-se tudo, a China aderiu ao nosso sistema’”.
Em 1992, Carlos Frescata chegava enfim à China, numa viagem de investigação para o doutoramento em engenharia agronómica. Quatro anos depois, fundava em Pequim a empresa cem por cento portuguesa Beijing Biosani, filha da sua empresa Biosani, de Palmela. Em 2007 lançava a publicação Green China e no ano passado lançou o livro A China Obriga-nos a Mudar.
Na China conheceu a sua mulher, Cao Bei, com quem teve dois dois filhos, Carlos Nuno e Ana Bei. Actualmente, Frescata vive em Portugal, mas o seu elo à China não se fica pelas relações familiares.
“Antes de chegar à China sabia que era o grande país do Mundo, mas nunca tinha tido ideia da sua verdadeira dimensão imperial, multimilenar, autónoma da Europa. Quer queiramos quer não, é extremamente fácil sermos eurocentristas. À China devo ter-me finalmente encontrado numa dimensão humana intercultural e multiracial”.
A sinopse do seu livro A China Obriga-nos a Mudar explica que “acima de tudo, a China constitui para nós, ocidentais, uma oportunidade de redenção, por nos obrigar a mudar drasticamente de comportamento”.
Carlos admite que a China, ao ter adoptado modelos de consumo idênticos aos seguidos no Ocidente, aquando da industrialização, esgota o que resta do planeta. “Constitui a gota, grossa por sinal, que fará transbordar o copo. A China, pelo seu efeito fulminante de absorção de recursos e de emissão de poluentes atmosféricos, está nesse âmbito a desempenhar um papel determinante para o despertar global”, explica Frescata, adiantando, no entanto, que, apesar, de ser aquele que mais recorre a fontes poluentes, a China é também o que vai chegando ao primeiro lugar no sector das energias renováveis. Não é por acaso que a primeira eco-cidade mundial será inaugurada no próximo ano em Dongtan, próximo de Xangai.
“Nesse âmbito, julgo que a China vai surpreender-nos com iniciativas cada vez mais originais e amadurecidas do ponto de vista intelectual”, explica.
A poluição que o afastou
Carlos Frescata não pensa regressar à China. “Infelizmente, e por uma razão muito simples: a poluição. O irmão da minha mulher, com 44 anos, está a lutar contra um cancro nos pulmões”.
A partir da década de 80, a China começou a fazer quase tudo de novo e por essa época já se conheciam os modelos de sustentabilidade. Mas segundo o engenheiro, a China queria crescer depressa, estava saturada de esperar e o caminho a percorrer era gigantesco, pelo que recorreu aos métodos seguidos pelos países já desenvolvidos, aquando das suas revoluções industriais”. Para Frescata, Ocidente e Oriente estão, agora, no mesmo barco, afundando-se económica e ambientalmente, tendo as soluções de ser justas e equitativas “porque os poderes já não estão quase só a Ocidente, como durante os dois séculos anteriores. É nesta possibilidade do Encontro que reside para mim a grande oportunidade do fenómeno ‘China’, precisamente devido à sua ameaça”.
Quando a China atingiu uma posição de quase superpotência, começou a manifestar as suas preocupações ambientais, nomeadamente no plano quinquenal anterior e mais claramente neste de 2006-2010. Foi também o primeiro país a apresentar um cálculo de PIB Verde, em 2006. “Apesar de, por vezes, estas medidas parecerem somente cosméticas, o chamado greenwashing, revelam que uma nova China, mais consciente ecologicamente, está de facto a surgir e que todo o Mundo só terá a ganhar em que ela tenha sucesso quando tenta caminhar desse modo”.
Até lá, Carlos vive em Portugal, com a sua mulher Cao Bei, responsável por um sector da Biosani e pela gestão dos recursos humanos. “A minha mulher vive bem em Portugal, embora à chinesa, isto é, vivendo o seu mundo muito próprio e em profunda comunhão com outras amigas chinesas que aqui foi conhecendo”, explica o marido. Cao Bei cantava ópera em Pequim. Em Portugal canta o fado, dizendo que a guitarra toca a alma.
Os filhos do casal, Carlos Nuno de nove e Ana Bei de dez anos, já estiveram cinco vezes na China. Todos os fins-de-semana a mãe dá-lhes aulas de mandarim, mas não são bilingues. Sentem-se claramente portugueses.
A vantagem cultural da China
“Consiste na sua disciplina natural em seguir directrizes do poder central, salvaguardando os interesses colectivos em detrimento dos individuais. Um bom exemplo disso foi a polémica ‘política do filho único’. O Mundo ‘civilizado’ gosta de os criticar nesse aspecto, quando lhes devia estar grato pelo sacrifício que conseguiram manter, poupando a humanidade de uma explosão demográfica esmagadoramente mais grave do que a actual”, diz Carlos Frescata.
O engenheiro conta, meio a brincar meio a sério, que para compreender a China tem a vantagem de ter antes estudado a sociedade das abelhas. “Tal como um enxame, por vezes a China parece caótica, contudo há directrizes, invisíveis para nós, que mantêm tudo organizado, valorizando a colónia em detrimento do indivíduo”. Diz ele que aqui poderá estar uma chave para o sucesso chinês no futuro, nomeadamente a nível ambiental.
Uma empresa cem por cento portuguesa em Pequim
A Beijing Biosani foi criada em 1996, com capital português, da empresa Biosani, sediada em Palmela, propriedade de Carlos Frescata e de Cao Bei. “Começámos com a produção de um medicamento adquirido nos hospitais da China, onde o meu cunhado tinha uma óptima relação comercial, tendo as encomendas sido superiores à nossa capacidade de produção”. Se tivesse ficado na China, Carlos teria conduzido a firma noutras direcções e nelas canalizado as energias de um jovem de 30 anos, mas em Portugal, começava a Biosani, dedicada a produtos ecológicos no combate a pragas agrícolas, a ter um notório crescimento, pelo que Frescata decidiu investir na empresa que mais prometia. “Entretanto, a Beijing Biosani continua, mas quase só à espera de novas oportunidades”.