Texto Marco Carvalho
O que têm em comum a Universidade de Macau, a Universidade bósnia de Banja Luka e a Escola de Língua Chinesa de Calcutá, na Índia? As três instituições estão entre as universidades e os estabelecimentos de ensino que mais recentemente se associaram ao universo da organização de promoção linguística que mais visibilidade tem ganho em todo o mundo.
O crescimento excepcional da economia chinesa e o papel cada vez mais influente de Pequim em domínios como o comércio, a construção de infra-estruturas ou o turismo transformaram a língua chinesa num idioma apetecido: milhares de pessoas um pouco por todo o planeta estão presentemente inscritas em cursos de mandarim, num processo que se intensificou a partir de 2004.
Foi no final desse ano, em Novembro, que Seul, capital da Coreia do Sul, acolheu a primeira representação do Instituto Confúcio. Nos últimos 14 anos, o organismo alastrou-se aos quatro cantos do planeta e a presença da organização no seio das mais relevantes academias mundiais tornou-se ubíqua. “O Instituto Confúcio foi fundado em 2004 e desde então foram criados 525 Institutos e 1113 Turmas Confúcio em 146 países e regiões. No caso das Turmas Confúcio são ministradas tanto em escolas primárias como em escolas secundárias”, ilustra o Gabinete do Conselho Internacional da Língua Chinesa em entrevista à MACAU.
Também conhecido por Hanban, é ao Gabinete do Conselho Internacional da Língua Chinesa que estão subordinadas todas as representações do Instituto Confúcio espalhadas pelo mundo. O organismo tem sido o principal responsável pelo exponencial incremento que o estudo do putonghua – a variante de mandarim sancionada pelas autoridades chinesas – tem conhecido por todo o globo, num processo em que os números, sustenta o Hanban, falam por si. “Ao longo dos últimos 14 anos, o Confúcio formou cerca de 9,16 milhões de falantes de língua chinesa e mais de 1000 milhões de pessoas participaram nas actividades promovidas pelo Instituto um pouco por todo o mundo.”
Se o âmbito de abrangência do Instituto Confúcio é admirável, o ritmo a que vão surgindo novas representações do organismo é estonteante: num período de pouco mais de três meses, entre o início de Outubro de 2017 e o final de Janeiro deste ano, o Hanban acrescentou nove novas valências e 37 novas turmas Confúcio ao seu portefólio internacional, passando a marcar presença em quatro outros países e territórios.
Na Bósnia-Herzegovina, a segunda representação do Instituto Confúcio a abrir portas na república jugoslava foi inaugurada a 21 de Janeiro, nas instalações da Universidade de Banja Luka, e em Calcutá, a Escola de Língua Chinesa tornou-se, no final de Novembro, a primeira instituição indiana de ensino não-superior a oferecer aulas de putonghua em colaboração com o Instituto Confúcio.
Potencial da plataforma
A RAEM também entra agora nos planos do Hanban, com a Universidade de Macau a receber a primeira valência do Confúcio na região. Em Outubro de 2017, a maior instituição de ensino superior de Macau e o Gabinete do Conselho Internacional da Língua Chinesa assinaram um acordo com o propósito de estabelecer uma representação permanente do Instituto Confúcio no campus da Ilha da Montanha. As novas valências deverão ajudar a reforçar a cooperação ao nível da educação e da cultura entre a RAEM e o País, bem como definir o papel que Macau se propõe desempenhar no âmbito da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”.
O anúncio da criação da primeira representação do Instituto Confúcio na região foi feito pela vice-primeira-ministra chinesa, Liu Yandong. “Em Dezembro de 2017, na abertura da 12.ª edição da Conferência dos Institutos Confúcio, que decorreu em Xi’an, na província de Shaanxi, a vice-primeira-ministra, Liu Yandong, deu a conhecer a criação do novo Instituto nas instalações da Universidade de Macau”, recorda o Hanban, enfatizando o estatuto particular que a nova delegação do Confúcio pode vir a desempenhar no âmbito do esforço global de promoção da língua chinesa impulsionado pelo organismo.
Criada mais de 12 anos depois do organismo se ter fixado na vizinha Hong Kong pela mão da Universidade Politécnica local, a representação do Instituto em Macau é liderada por Hong Gang Jin e por Shi Jianguo, directora e vice-director da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de Macau, e tem por grande objectivo promover a RAEM como uma plataforma internacional para o ensino da língua chinesa, tendo como ponto de partida a relação privilegiada que o território mantém com os países de língua portuguesa. “Entre os principais propósitos do Instituto Confúcio da Universidade de Macau estão, por um lado, a formação intensiva de professores e de alunos e, por outro, o desenvolvimento de recursos pedagógicos, quer em termos de suportes analógicos, quer em termos de suportes digitais”, esclarece à MACAU o Gabinete do Conselho Internacional de Língua Chinesa. “Numa perspectiva mais específica, o Instituto quer ainda providenciar formação e instrumentos pedagógicos a professores de chinês que leccionem em países de língua portuguesa ou noutros países de substrato cultural similar”, complementa o organismo.
Em comunicado, a Universidade de Macau explica que o Instituto Confúcio vai procurar capitalizar o estatuto único de Macau como Região Administrativa Especial, a sua localização geográfica privilegiada e a sua diversidade linguística e cultural com o propósito de reforçar o estatuto de Macau como plataforma internacional para o ensino, a formação e o intercâmbio de estudantes. O alvo específico da iniciativa, salientava a maior instituição de ensino superior do território na mesma nota de imprensa, são “os alunos oriundos dos países de língua oficial portuguesa e de outras regiões e territórios com relações privilegiadas com Macau”.
Em termos concretos, explica o Hanban, o novo Instituto Confúcio da Universidade de Macau vai fazer o que fazem as demais representações do organismo em termos de certificação internacional, mas também promover iniciativas que se coadunam com o estatuto único de Macau como plataforma para os países lusófonos. “O Instituto vai procurar dinamizar estudos de natureza cultural nos países de língua portuguesa, bem como providenciar testes de proficiência a falantes de chinês, sejam eles oriundos de Macau ou provenientes dos países lusófonos”, aponta o organismo. “Por outro lado, o Instituto quer ainda providenciar pequenos cursos de iniciação à língua chinesa que serão leccionados numa segunda língua, seja ela o português, seja ela o inglês”.
O cumprir de uma vocação
A abertura do Instituto Confúcio na Universidade de Macau ganha particular proeminência ao abrigo do plano de desenvolvimento da iniciativa “Uma Faixa, uma Rota”. Proposto pela República Popular da China em 2013, o projecto abrange a “Faixa Económica da Rota da Seda” e ainda a “Rota Marítima da Seda do Século XXI”, duas medidas que têm por objectivo impulsionar a construção de uma rede de infra-estruturas que se propõe ligar a Ásia à Europa e à África, tendo por base as antigas rotas comerciais que ligavam as três regiões.
“Em Março de 2015, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério do Comércio lançaram em conjunto o Plano de Desenvolvimento e Construção da Faixa Económica da Rota da Seda, bem como a Rota Marítima da Seda para o século XXI e definiu muito claramente qual deve ser o papel de Macau no âmbito da iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota”, salienta o Hanban. “Macau é um nó importante no que diz respeito à construção e à afirmação da iniciativa”, reitera o organismo.
Entre as mais de meio milhar de representações do Instituto Confúcio criadas um pouco por todo o mundo até ao início de Outubro do ano passado, 135 estão situadas em 51 dos 68 países que integravam originalmente o projecto “Uma Faixa, uma Rota”, de acordo com dados oficiais divulgados pelo jornal China Daily.
Para os responsáveis pelo Gabinete do Conselho Internacional da Língua Chinesa, o natural protagonismo que o novo Instituto Confúcio da Universidade de Macau deve assumir é fruto de uma feliz coincidência entre o estatuto de Macau como “importante ponto de encontro entre Oriente e Ocidente” e a própria filosofia que norteia a acção das representações do Hanban espalhadas pelo mundo. Mais do que um eventual sentido de missão, interessa aos responsáveis pelo Confúcio a vocação da região para aproximar diferentes povos e culturas. “Macau encarna como poucos a abertura e o carácter inclusivo da cultura chinesa. O princípio de harmonização das diferenças – ‘Harmoniosos, mas diferentes. Diferentes e harmoniosos’ – tornou-se uma valiosa característica de Macau. Este traço vai ao encontro da própria filosofia que preside ao Instituto Confúcio”, assegura o Hanban.
Para Terry Flew, académico que ensina Comunicação e Media na Universidade de Tecnologia de Queensland, o Instituto Confúcio ajudou a suprir, em pouco mais de uma década, um dos principais desafios com que Pequim se deparava. Cada vez mais influente em termos económicos, a República Popular da China exibiu, durante um período considerável de tempo, manifestas dificuldades em garantir uma influência cultural que fosse remotamente comparável ao seu poderio económico. “A China passou por uma transformação notável desde a década de 1980. É agora um dos principais motores económicos do planeta e a influência política que exerce um pouco por todo o mundo está a crescer. Onde a China falhava até recentemente era no capítulo da influência cultural; não dispunha de um soft power que pudesse ser remotamente comparável com o crescimento do seu estatuto político económico”, explica o investigador australiano. “O Instituto Confúcio é uma das iniciativas – a par da CCTV, da agência noticiosa Xinhua e do aumento da presença chinesa em co-produções de Hollywood – com que a China procura ir ao encontro dos outros e expandir a sua influência cultural por todo o mundo”, complementa Flew, explicando de que forma o Executivo de Pequim conseguiu dar a volta à situação.
Em 2014, o professor da Universidade de Tecnologia de Queensland assinou com o alemão Falk Hartig um estudo – intitulado “Confucius Institutes and the network communication approach to public diplomacy” – no qual os autores procuram determinar de que forma e até que ponto a rede de Institutos Confúcio espalhados pelo mundo contribuiu para a afirmação de um novo paradigma no que toca à diplomacia cultural chinesa.
Investigador na Universidade Goethe, de Frankfurt, Falk Hartig sublinha que o papel primário desempenhado pelas representações do organismo espalhadas pelo mundo é um papel eminentemente cultural. “Não é errado argumentar que o Instituto ajuda cada vez mais pessoas por todo o mundo a entrar em contacto com a língua e a cultura chinesa. O Confúcio pode estabelecer um primeiro ponto de contacto para muita gente que, sem esta plataforma, não teria a oportunidade de aprender mais sobre a língua e a cultura chinesa.”
Em Macau, onde o chinês já goza do estatuto de língua oficial e onde uma parte considerável da população já domina o idioma, as premissas genéricas que se aplicam a uma boa parte das outras valências do Instituto acabam por se diluir. Falk Hartig não exclui a possibilidade do novo Confúcio da Universidade de Macau poder vir a ter funções eminentemente diplomáticas, tendo em conta não apenas a forte ligação entre a RAEM e o círculo dos países lusófonos, mas também a secular e estreita relação que Macau mantém com a Europa. Mais pragmático, Terry Flew sustenta que o primeiro Instituto Confúcio da RAEM vai dar um forte contributo para a afirmação da cidade como plataforma privilegiada de intermediação entre a República Popular da China e o universo dos países de língua portuguesa. “Macau vai chamar a si um importante papel no âmbito da iniciativa ‘Uma Faixa, uma Rota’, ao servir como um ponto de intermediação entre a China e os países de língua portuguesa, em particular com Portugal e com o Brasil”, defende o académico australiano.
Ao papel de relevo em termos de promoção cultural e económica que o Instituto Confúcio deve vir a desempenhar, Pan Suyan, professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Educação de Hong Kong, acrescenta um propósito mais, o de impulsionar uma maior harmonização cultural entre a RAEM e o Interior do País. “As representações do Instituto Confúcio que existem em todo o mundo servem propósitos culturais e económicos. No caso de Macau, creio que o Instituto Confúcio poderá ter um maior significado em termos de assimilação cultural. Uma vez que Macau já dispõe de laços muito próximos quer com a cultura, quer com a tradição chinesas, o Instituto Confúcio poderá servir principalmente para socializar a população da RAEM para com a cultura oficial da República Popular da China, para além de funcionar como centro de ensino de língua chinesa”, defende a investigadora.
Autora, em colaboração com Joe Lo Tin-yau, do artigo científico “Os Institutos Confúcio e o soft power da China: práticas e paradoxos”, Pan Suyan considera que o contributo que o organismo pode dar a Macau no âmbito genérico da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” está ainda, e em grande medida, por definir. “A forma como o Instituto poderá vir a ajudar Macau a definir o seu papel nesta iniciativa vai depender, sobretudo, da sua capacidade de servir como pioneiro em termos económicos e de funcionar como entidade facilitadora em termos de diálogo”, adverte a docente da Universidade de Educação de Hong Kong.
Mais do que diálogo, o Gabinete do Conselho Internacional de Língua Chinesa quer que o novo Instituto Confúcio da Universidade de Macau facilite a criação de competências e ajude a projectar mais-valias a uma escala global. “Esperamos que o Instituto Confúcio da Universidade de Macau esteja virado para o mundo”, aclaram os responsáveis pelo Hanban. A formação de professores bilingues, mas também de falantes com capacidade para alavancar a criação de pontes entre a China e o mundo lusófono em vários sectores estão entre as principais missões da nova representação do Confúcio em Macau. “Vamos estar activamente empenhados no ensino da língua chinesa, ajudar a preparar e a formar professores bilingues e promover estudos de natureza intercultural, ao mesmo tempo que queremos ajudar a desenvolver negócios e empresas para as quais o conhecimento das línguas e das culturas da China e dos países lusófonos é essencial”, enuncia o organismo responsável pela tutela da rede mundial de Institutos Confúcio. “Vamos ajudar Macau a formar quadros qualificados para que possa colocar os seus pontos fortes ao serviço da iniciativa ‘Uma Faixa, uma Rota’”.
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Uma língua cada vez mais global
Desde que o Instituto Confúcio foi criado, há 14 anos, mais de nove milhões de alunos um pouco por todo o mundo estudaram nas representações do organismo. Em Outubro último, e de acordo com dados oficiais avançados pelo jornal China Daily, 2,1 milhões de pessoas encontravam-se matriculadas em cursos e em programas académicos ministrados ou tutelados pelo Instituto Confúcio.
Baptizado com o nome de uma das principais figuras do pensamento chinês, o Instituto Confúcio é uma organização pública não lucrativa sob a supervisão directa do Ministério da Educação da China. O organismo assume como principal missão a promoção da língua e da cultura chinesa no estrangeiro, a exemplo do que fazem organizações como o Instituto Camões, o British Council ou a Alliance Française. Com o desenvolvimento da economia chinesa e as mudanças no cenário internacional que lhe estão inerentes, a demanda pelo idioma chinês a nível mundial tem vindo a aumentar de forma exponencial, sustenta o Hanban.
Até ao início de Outubro, e em simultâneo com a acção desenvolvida pelo Instituto Confúcio, 67 países e regiões tinham promovido leis e regulamentos que visavam fazer da língua chinesa uma disciplina de estudo obrigatório ou facultativo. Programas académicos de licenciatura e mestrado são ainda oferecidos em universidades e instituições de ensino superior de mais de 170 países, de acordo com informações oficiais.