A exposição “Novas Perspectivas: Obras Modernas e Contemporâneas do Museu de Arte de Macau” reúne peças de diversos artistas locais, jovens e veteranos, e de diferentes proveniências e estilos. A mostra não só traça um mapa da evolução das artes plásticas em Macau desde os anos 1980, como também aponta caminhos para o futuro
Texto Vitória Man Sok Wa
Fotografia Cheong Kam Ka
É uma espécie de “best of” local dos últimos 40 anos, em versão artes plásticas. Estão lá representados grandes nomes, como os pintores Carlos Marreiros ou Lai Ieng, não faltando artistas já incontornáveis de gerações mais recentes, como a escultora Fan In Kuan ou o ilustrador Eric Fok Hoi Seng. A exposição “Novas Perspectivas: Obras Modernas e Contemporâneas do Museu de Arte de Macau” está patente ao público até 25 de Maio e promete uma imersão profunda na evolução artística local desde a década de 1980, destacando a mistura única entre as culturas oriental e ocidental que caracteriza a cena criativa da cidade.
Noah Ng Fong Chao, o curador da mostra, explica: “Desde o regresso de Macau à pátria há 25 anos, a cidade tem-se tornado num ponto de encontro cultural, atraindo artistas de todo o mundo. Esta exposição reflecte essa diversidade e riqueza cultural, mostrando como a arte pode transcender fronteiras e trazer novas perspectivas”.
Cerca de metade dos artistas representados na mostra, que ocupa dois andares do Museu de Arte de Macau (MAM), têm menos de 45 anos, nota Noah Ng. Segundo o curador, estes evidenciam-se por explorar novos meios de expressão e técnicas artísticas, desafiando convenções.
Entre os destaques está a obra de Zhang Ke, artista do Interior da China radicada em Macau, cujas composições em madeira em exibição abrem uma nova dimensão, para os visitantes, no que toca à arte contemporânea local. Inevitavelmente, o artista russo Konstantin Bessmertny, a viver há décadas na cidade, está também representado na exposição. Outro “imprescindível” é o australiano Denis Murrell, com um percurso artístico a nível local que se prolonga por mais de 30 anos.
Amálgama de influências
Segundo refere Noah Ng no prefácio que acompanha a exposição, “em termos da história da arte recente, a cena artística de Macau começou no início dos anos 1980”. Antes deste “acordar” para a arte moderna e contemporânea, o panorama local era sobretudo dominado por obras de cariz mais tradicional, particularmente influenciadas por artistas que chegaram à cidade durante a Segunda Guerra Mundial, como refugiados, vindos de locais como Hong Kong ou Guangzhou.
Nos anos 1980, a arte abstracta começa a florescer em Macau, pela mão de artistas provenientes do Interior da China e de Portugal, juntando-se a artistas macaenses e chineses locais. De acordo com os textos que acompanham a exposição, “esta amálgama de influências e perspectivas conduziu ao desenvolvimento da expressão abstracta em Macau, onde alguns artistas, enquanto perpetuavam o espírito da pintura tradicional, também criaram nova arte a tinta-da-china, com tons e formas diversificados, e com técnicas abstractas”.

As autoridades locais desempenharam um papel de relevo nesta emergência da arte moderna e contemporânea, dando uma crescente importância à promoção artística. Merece relevo a organização, em 1984, da primeira “Exposição Colectiva dos Artistas de Macau”, a que se seguiram outras edições, que contribuíram em grande medida para a evolução das artes plásticas na cidade, funcionando também como forma de reconhecimento e encorajamento dos artistas locais.
Outro contributo importante foi a criação da Academia de Artes Visuais em 1989, antecessora da actual Faculdade de Artes e Design da Universidade Politécnica de Macau. Estabelecida pelo Instituto Cultural, a academia é considerada por muitos a primeira escola de artes moderna da cidade, tendo tido como director-fundador o artista português Nuno Barreto, que veio para Macau com o propósito expresso de lançar o projecto, e tendo como vice-director o pintor Mio Pang Fei, do Interior da China e então radicado em Macau, ambos, entretanto, já falecidos.
O espaço disponibilizava diversos cursos, incluindo de pintura, desenho, escultura e serigrafia. Por lá passaram, como formadores, personalidades como o escultor português João Cutileiro, desempenhando um papel crucial na formação daquela que pode ser considerada a primeira geração de artistas modernos “made in Macau”.
Espólio único
A mostra “Novas Perspectivas” apresenta uma selecção de 100 peças, da autoria de mais de 50 artistas. Além de uma forte presença de criadores nascidos em Macau, há também obras de artistas do exterior, mas que viveram ou vivem na cidade. Os trabalhos em exposição, parte da colecção do MAM, abrangem vários estilos criativos, incluindo aguarela, pintura a óleo, tinta-da-china, gravura, fotografia, instalação e técnica mista.
A colecção do Museu é, provavelmente, a mais rica no que toca a documentar a evolução artística local – e não apenas em relação aos períodos moderno e contemporâneo. O acervo é fruto de um trabalho prolongado no tempo, tendo tido início ainda antes da criação, em 1999, do MAM.
A base da colecção foi herdada do antigo Museu Luís de Camões, sob a tutela do então Leal Senado de Macau. A partir desse espólio, o património do MAM cresceu significativamente, através de diversos meios, como encomendas, aquisições e doações, contando o Museu agora com vários milhares de peças.

A equipa fundadora do MAM, incluindo Noah Ng, desempenhou um papel decisivo no lançamento dos alicerces para a colecção do MAM. Por exemplo, Ng, seleccionado em 1998 para uma formação em restauração de arte em Guangzhou, foi responsável por integrar as obras do acervo do antigo Museu Luís de Camões na colecção do MAM aquando da abertura deste.
Atracção e inclusão
O curador sublinha que a arte moderna e contemporânea em Macau não se teria desenvolvido da mesma forma sem a influência do exterior. Artistas de outras paragens foram-se estabelecendo em Macau, de forma mais ou menos permanente, criando elos com os criativos locais, sejam de origem chinesa, macaense ou portuguesa.
“Embora o número de artistas estrangeiros em Macau não seja grande, o seu impacto na cena artística local é significativo”, diz Noah Ng. “Artistas portugueses, russos, australianos e de outras nacionalidades encontraram na cidade um ambiente propício para a expressão criativa.”
“Um dos aspectos mais notáveis de Macau é a sua sociedade inclusiva”, continua. “Quando esses artistas aqui chegam, não só encontram uma cidade que aprecia e valoriza a arte, mas também uma comunidade que está disposta a abraçá-los como parte integrante da sua identidade cultural.”

Segundo o curador, essa integração fácil é benéfica não apenas para os artistas do exterior, mas também para os artistas locais, “que têm a oportunidade de aprender com as diferentes técnicas e perspectivas trazidas pelos seus colegas estrangeiros”.
Como exemplo marcante, Noah Ng destaca o artista australiano Denis Murrell, que chegou a Macau em 1989 para ensinar inglês, e acabou por se apaixonar pela cidade e se integrar na sua cena artística. “Denis Murrell, tal como outros artistas estrangeiros, foi rapidamente acolhido pela comunidade local e passou a ser considerado um artista de Macau. A sua experiência demonstra como a cidade pode ser um local de enriquecimento mútuo, onde a troca de ideias e influências culturais é constante”, refere Noah Ng.
Diálogo entre gerações
Na exposição “Novas Perspectivas”, é possível apreciar o trabalho de três gerações de criativos locais.
Nos anos 1980, o panorama cultural de Macau começou a integrar obras de artistas vindos de Portugal e então a viver no território. A mostra inclui várias peças dessa época, demonstrando a influência europeia na arte contemporânea de Macau.
É também destacado o papel do Círculo dos Amigos da Cultura de Macau, fundado em 1985, cujos membros foram, nos anos 1980, pioneiros da cena artística contemporânea da cidade, através de uma exploração inovadora das linguagens visuais e de experiências com diversos materiais.
Após o retorno de Macau à pátria, em 1999, iniciou-se um novo capítulo na história da arte local. “A melhoria nas condições de vida permitiu que muitos jovens nascidos nas décadas de 1980 e 1990 tivessem acesso a estudos de arte no exterior, como na Austrália, Reino Unido, Estados Unidos, Taiwan e Interior da China”, assinala Noah Ng. “Esta geração de artistas, com formação internacional, trouxe uma nova força e vitalidade para a arte contemporânea de Macau.”


Segundo diz o curador, os jovens artistas têm mostrado uma “capacidade notável” de inovação. “Influenciados por novas formas de educação artística, não têm medo de desafiar as normas estabelecidas e explorar novas formas de expressão. Esse espírito inovador é evidente na diversidade das suas obras, que vão desde o abstracto até ao conceptual, reflectindo a complexidade das suas experiências e emoções.”
Noah Ng destaca que a exposição “Novas Perspectivas” foi estruturada de maneira a proporcionar aos visitantes uma experiência similar à de um turista que explora as paisagens de Macau. As obras foram organizadas para que, ao percorrer a mostra, o público consiga sentir a fusão cultural entre Oriente e Ocidente que define a cena artística da cidade.
“A ideia central é que os visitantes possam, através das obras expostas, entender o papel que Macau desempenha como ponto de encontro entre culturas e como isso se manifesta na produção artística”, explica o curador.