O acesso, por parte dos empresários de Macau, a seguros de crédito à exportação pode elevar o intercâmbio comercial sino-lusófono a um patamar inédito, diz Eduardo Ambrósio, acrescentando que a Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos quer agora abrir uma representação permanente em Hengqin
Texto Marco Carvalho
A Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos (ACIML) elegeu, no final de Janeiro, os novos corpos sociais para o próximo triénio e, para o mandato que agora se inicia, garantir uma presença permanente na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin é uma das principais prioridades.
Reconduzido no cargo de Presidente da Comissão Executiva da organização, Eduardo Ambrósio espera que a ACIML possa abrir ainda este ano um escritório de representação em Hengqin.
Para o empresário de Macau, a Zona de Cooperação Aprofundada deverá desempenhar um papel cada vez mais relevante no âmbito das relações sino-lusófonas. Na confluência de vários projectos estruturantes de desenvolvimento, Hengqin é, no entender de Eduardo Ambrósio, uma porta aberta para a área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e um espaço com grande potencial para a agilização efectiva dos contactos comerciais entre empresários da China e dos países de língua portuguesa.
“Vamos estabelecer um escritório em Hengqin. Queremos que as empresas de Macau que estejam interessadas em trabalhar com a Grande Baía e com os países de língua portuguesa possam ter lá uma base”, adianta o dirigente associativo.
Segundo Eduardo Ambrósio, Hengqin “apresenta inúmeras vantagens”. “Por um lado, tem espaço para armazéns e para armazenamento. Em Macau já não há muito espaço para crescimento. Por outro lado, Hengqin facilita as oportunidades de negócio na Grande Baía e o acesso às plataformas de comércio electrónico. É mais fácil fechar um negócio em Hengqin do que em Macau, até porque a maior parte dos empresários chineses só podem entrar na RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] duas vezes por mês”, afirma.
Uma representação permanente em Henqgin, sustenta o empresário, pode também ajudar o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (também conhecido como Fórum de Macau) a cumprir a sua vocação. Eduardo Ambrósio está convicto de que uma presença mais assídua dos delegados dos países lusófonos junto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau na Zona de Cooperação Aprofundada pode elevar o intercâmbio empresarial sino-lusófono a um patamar nunca visto.
A presença de um escritório em Hengqin permitiria que os delegados do Fórum de Macau se reunissem com “muito mais frequência com empresários chineses”. “Na minha opinião, isso facilitaria muito os contactos de negócios”, acrescenta.
Transacções mais seguras
A razão pela qual Hengqin se deverá tornar, no entender do Presidente da ACIML, um ponto nevrálgico no intercâmbio comercial sino-lusófono é, no entanto, outra. A Zona de Cooperação Aprofundada ajudou a dar resposta a uma velha aspiração dos investidores e empreendedores da RAEM, um desígnio pelo qual a ACIML se bateu ao longo de duas décadas. Hengqin oferece aos empresários de Macau a possibilidade de finalmente acederem ao seguro de crédito à exportação oferecido pela China Export & Credit Insurance Corporation, também conhecida por Sinosure, empresa com fundos estatais criada com o objectivo de promover o comércio externo e potenciar a cooperação económica internacional.
A medida foi anunciada pela própria seguradora durante a última Conferência Anual da Associação dos Supervisores de Seguros Lusófonos, que decorreu em Macau no final de Outubro de 2024. No entender de Eduardo Ambrósio, este mecanismo vai ajudar a elevar as trocas comerciais e as oportunidades de negócio entre a China e os países de língua portuguesa para níveis inéditos.
“Ao longo dos últimos 20 e poucos anos, os proveitos que os empresários de Macau tiraram da plataforma não foram muitos. Aproveitámos muito pouco porque em Macau não existe nenhum instrumento de crédito, de seguro de crédito contra riscos de exportação, de maneira que, nós, os empresários de Macau, se queríamos exportar para os países de língua portuguesa, tínhamos de o fazer por nossa conta e risco”, recorda Eduardo Ambrósio.

“O que foi acordado com a Sinosure é que, se estabelecermos uma empresa em Hengqin, podemos garantir a cobertura das nossas exportações a partir da China para os países de língua portuguesa. É uma boa notícia para nós, para os nossos associados. É algo que nos ajuda muito, porque reduz o risco dos exportadores e, ao mesmo tempo, podemos convencer os países de língua portuguesa a usar o renminbi para os pagamentos”, complementa o Presidente da ACIML.
A mudança de paradigma, sustenta o empresário, foi acolhida com grande entusiasmo pelos associados da ACIML, para quem a medida abre novas janelas de oportunidade. O próprio Eduardo Ambrósio, que importa café de Timor-Leste e exporta para Angola motorizadas, produtos farmacêuticos e produtos hospitalares, revela que poderá vir a explorar novos filões de negócio, até porque, diz, o apetite por produtos “made in China” na África lusófona é insaciável.
Riscos reduzidos
De acordo com o dirigente associativo, a Sinosure “é a maior companhia seguradora de exportações do mundo, e, além de financiar exportações, também financia projectos”. “Temos sócios que agora começam a fazer projectos em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau. Há projectos em vários domínios. Há negócios no ramo da indústria têxtil, das motorizadas e dos medicamentos”, exemplifica.
“Esta é a altura oportuna para promovermos Macau verdadeiramente como uma plataforma e de alinharmos a RAEM e os países de língua portuguesa com a Grande Baía. Com o acesso ao seguro de crédito à exportação, podemos assumir o estatuto de agentes das empresas chinesas. Pagamos os produtos directamente às empresas e exportamos por conta própria com cobertura da Sinosure, de maneira que as empresas ficam em vantagem, porque recebem o pagamento de imediato, em vez de receberem o pagamento através de Angola ou de Moçambique. Nós pagamos aos fabricantes, mas, graças ao seguro da Sinosure, o risco em que incorremos também diminui muito. E mais a mais, estamos a tentar convencer os empresários de Angola a fazer negócios com o renminbi”, reitera Eduardo Ambrósio.
Fundada em 2002, antes ainda do Fórum de Macau ter sido criado por iniciativa do Governo Central, a ACIML procurou, desde a primeira hora, afirmar-se como “centro de apoio ao comércio internacional e ao fomento da cooperação entre os agentes económicos que operam nos mercados lusófonos”. O propósito está inscrito nos próprios estatutos da organização e traduz-se, em termos efectivos, na participação em feiras, missões, seminários ou em outras concretizações de natureza comercial, mas também na promoção do português como língua de negócios. Uma das iniciativas mais populares fomentadas pela associação é a organização de um curso de português para negócios, em colaboração com o Centro de Produtividade e de Transferência de Tecnologia de Macau (CPTTM).
“Em Macau, há muitas pessoas que estão a aprender português, muitas mais do que antes do retorno, mas o problema é que estão a aprender português, mas não é português comercial. Não é o português para fazer negócios. A nossa associação tem vindo a colaborar com o CPTTM para oferecer um curso de português direccionado para essa dimensão”, diz o dirigente. “Este curso foi criado há quase 20 anos e os alunos são, na sua maioria, adultos que aprendem português em horário pós-laboral. São empregados bancários, funcionários e empresários que querem aprender a língua portuguesa para conduzirem negócios com mais facilidade com os países lusófonos”, explica.
Na perspectiva de Eduardo Ambrósio, também o Governo poderá fomentar o ensino do português comercial. Um melhor domínio linguístico técnico por parte dos empresários locais seria uma vantagem nos negócios com os países de língua portuguesa, considera.