25 Anos de RAEM

Uma região em (grande) mudança

Nos últimos 25 anos, a aparência física de Macau sofreu uma mudança radical
De mais habitação pública a melhores transportes, passando por novas áreas de expansão, através de aterros. Ao longo dos últimos 25 anos, foram várias as grandes obras públicas que marcaram o desenvolvimento de Macau. Estes projectos não mudaram apenas a imagem da cidade, mas tiveram um forte impacto na qualidade de vida da população e na economia

Texto Marta Melo

“Rapidez” é o termo que mais facilmente pode descrever o desenvolvimento urbano da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) desde o retorno à Pátria – a alavancar esse crescimento esteve uma forte aposta no investimento público. Nos últimos 25 anos, o Executivo intensificou a edificação de habitação pública, avançou com um novo hospital e outros edifícios de interesse público, construiu novas travessias rodoviárias e inovou no sistema de transporte público. Mais recentemente, foi aprovado o Plano Director da RAEM (2020-2040) que, ao traçar as linhas gerais de organização urbana, é considerado estruturante para o futuro desenvolvimento de Macau.

Uma simples comparação entre imagens da RAEM do início de 2000 e da actualidade permite perceber facilmente como mudou – e muito – a aparência física da cidade. Ocorreu o desenvolvimento urbanístico da frente ribeirinha sul da península de Macau, o Cotai transfigurou-se por completo, novos núcleos habitacionais nasceram em diversas áreas da região e foi edificado um elevado número de grandes infra-estruturas públicas, desde postos fronteiriços a espaços culturais e desportivos, unidades de saúde, um novo terminal marítimo de grande capacidade, escolas e muito mais. Fruto de novos aterros, a área total da RAEM aumentou cerca de 40 por cento desde 2000, ao passo que a extensão total das rodovias registou um aumento de 150 quilómetros durante o mesmo período.

Olhando para o crescimento urbano verificado, Christine Choi Wan Sun, presidente da Associação dos Arquitectos de Macau, considera que, nos últimos 25 anos, a estratégia seguida pelas autoridades locais envolveu um “desenvolvimento equilibrado”. Tal traduziu-se tanto em melhorias para o sector do turismo como numa resposta eficaz às necessidades da população, bem como na promoção de uma paisagem urbana vibrante e sustentável, diz.

“Foi necessário um desenvolvimento significativo das infra-estruturas para apoiar o aumento do turismo”, nota a arquitecta. Para Christine Choi, o desafio permanente para Macau foi – e continuará a ser – como garantir a preservação da “diversidade entre os novos bairros e os antigos”, mas também “manter a essência única de Macau” e garantir que o desenvolvimento futuro “se mantém inclusivo e benéfico para todos”.

A área total da RAEM aumentou cerca de 40 por cento desde 2000, devido à criação de diversos novos aterros

Avaliando o último quarto de século, Nuno Soares, director do Departamento de Arquitectura e Design da Universidade de São José, considera que o crescimento urbano foi inicialmente “muito impulsionado” pela economia, nomeadamente através de empreendimentos ligados ao sector do turismo e entretenimento. Nas palavras do também arquitecto, existia em Macau uma estratégia de desenvolvimento económico, mas faltava uma componente ligada ao desenvolvimento urbano. A lacuna foi colmatada com a aprovação do Plano Director e subsequente elaboração dos diversos planos de pormenor, processo ainda em curso. “Neste momento, estamos a converter esse desenvolvimento económico em desenvolvimento urbano. Acho que o melhor destes 25 anos foi esta mudança do paradigma”, afirma.

A chegada do metro ligeiro

O metro ligeiro parou em Macau pela primeira vez em 2019, trazendo consigo uma proposta de um novo tipo de mobilidade urbana. Considerada uma das principais obras públicas desde a criação da RAEM, começou por circular apenas na área da Taipa e do Cotai, ligando o Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, o aeroporto e o Posto Fronteiriço da Flor de Lótus, entre outros locais, num total de 12 estações.

Em Dezembro de 2023, a “Linha da Taipa” foi estendida, através do tabuleiro inferior da Ponte de Sai Van, até à Estação da Barra, na península de Macau. Em Novembro deste ano, entrou em funcionamento a “Linha Seac Pai Van”, dispondo de duas estações, servindo o Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas e a zona habitacional de Seac Pai Van, à entrada de Coloane. Está ainda em construção um traçado transfronteiriço de extensão do metro ligeiro até à Ilha de Hengqin, que deve igualmente ser inaugurado ainda este ano. Tal permitirá a integração de Macau no sistema de transporte ferroviário do Interior da China através de Hengqin, facilitando, por exemplo, as viagens de comboio interurbanas entre a RAEM e outras cidades da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau.

Para Christine Choi, o metro ligeiro não só contribuiu para a melhoria do sistema de transportes públicos, como aliviou o congestionamento do tráfego rodoviário na RAEM e aumentou a conectividade entre diferentes zonas de Macau. “Ao melhorar as ligações de transporte, apoia-se o crescimento económico, especialmente ao facilitar um melhor acesso entre o sector do turismo e os negócios locais”, sustenta a arquitecta.

O próximo passo é a construção, já em curso, da “Linha Leste”. Tal irá permitir ligar a zona das Portas do Cerco, na península de Macau, à estação de metro ligeiro do Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa, passando pela Zona A dos Novos Aterros Urbanos.

O metro ligeiro é uma das principais obras públicas desde a criação da RAEM

Nos transportes, o metro ligeiro não é, de todo, a única grande obra pública na “era RAEM”. Christine Choi aponta para um elemento muitas vezes esquecido: a construção de vários viadutos pedonais, a começar pela Taipa. “Melhoram os percursos pedonais, reduzem o congestionamento ao nível das ruas e abrem caminho a futuras inovações na mobilidade urbana, rumo a uma cidade mais verde”, refere.

Outro projecto importante, cuja entrada em funcionamento ocorreu em Outubro, trata-se da Ponte Macau. É a quarta ligação rodoviária entre a Taipa e a península de Macau, cujas obras arrancaram cerca de duas décadas depois da construção da Ponte de Sai Van, outra grande obra pública do pós-retorno à Pátria. Com um troço acima do mar de cerca de 2,9 quilómetros de comprimento, a Ponte Macau tem uma largura superior à das outras três pontes península-Taipa, devido ao total de oito faixas de rodagem, quatro em cada sentido. “Servindo como rota adicional entre Macau e a Taipa, a quarta ponte melhora as ligações com Hong Kong e o resto da Grande Baía, ao mesmo tempo que facilita o acesso ao Cotai”, aponta Christine Choi.

Nas ligações com as cidades vizinhas, há uma obra que se destaca, pela sua dimensão e importância estratégica: a Ponte Hong Kong-Zhuhai-Macau. A infra-estrutura é considerada uma “obra muito marcante” por Nuno Soares. “É uma das primeiras obras de carácter regional em Macau”, justifica.

Inaugurada em 2018, tem um total de 55 quilómetros – incluindo uma estrutura principal com 29,6 quilómetros de comprimento – e reduziu drasticamente o tempo de viagem entre as três regiões. Foi co-financiada pelos governos de Macau, Hong Kong e da província de Guangdong.

“Macau faz parte da Grande Baía e com esta ponte consegue estar ligada e estar dentro desta dinâmica territorial”, enfatiza Nuno Soares.

Habitação para todos

A construção de habitação pública tem estado entre as prioridades dos sucessivos Governos da RAEM. Em Março de 2000, nas suas primeiras Linhas de Acção Governativa, Ho Hau Wah, então Chefe do Executivo, apontava já para a necessidade de “satisfazer, por um lado, a necessidade dos cidadãos, traduzida na procura de habitação social e económica, e evitar, por outro lado, a eventual pressão” que tal pudesse “causar ao mercado imobiliário”. O importante, sublinhava, era criar “um ponto de equilíbrio”.

Nave Desportiva dos Jogos 
da Ásia Oriental de Macau
Foi construída de raiz para albergar os Jogos da Ásia Oriental, que tiveram lugar em Macau em 2005. É a maior instalação desportiva coberta da RAEM, com capacidade para até 7000 pessoas na arena principal. Além de um complexo multidesportivo, conta ainda com um centro de convenções de grandes dimensões.
Centro de Ciência de Macau
Inaugurado oficialmente em 2009, visa promover a educação científica entre os jovens e complementar a oferta turística de Macau. Desenhado pelo atelier do afamado arquitecto sino-americano I. M. Pei, conta com 14 galerias de exposições interactivas, um planetário e um centro de convenções.
Novo campus da Universidade de Macau
Em 2014, a Universidade de Macau mudou-se para um novo campus, na Ilha de Hengqin, numa zona colocada pelo Governo Central sob a administração da RAEM. O complexo tem uma área vinte vezes superior às instalações anteriormente ocupadas na Taipa pela instituição de ensino superior. A ligação de Macau ao campus é feita por um túnel subaquático no Cotai, sem necessidade de qualquer controlo fronteiriço.
Terminal Marítimo de Passageiros da Taipa
Entrou em funcionamento em 2017 e ocupa uma área de cerca de 200.000 metros quadrados. O terminal dispõe de 16 lugares de atracação para embarcações rápidas, três cais multifuncionais e 127 canais de passagem fronteiriça, entre outros equipamentos. Tem capacidade para receber até 400.000 passageiros por dia.
Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas
Localiza-se no Cotai, num lote com cerca de 75.800 metros quadrados. O empreendimento, quando completo, será constituído por sete edifícios. A primeira fase, concluída no ano passado, incluiu, entre outros equipamentos, o Centro Médico de Macau do Peking Union Medical College Hospital, conhecido também como Hospital Macau Union, bem como novas instalações para o Instituto de Enfermagem Kiang Wu. O Hospital de Reabilitação faz parte da segunda fase de construção do complexo, com conclusão prevista para 2027.

Acompanhando as mudanças económicas e sociais verificadas na RAEM, incluindo um forte crescimento populacional, o Governo avançou, durante o segundo mandato de Ho Hau Wah como Chefe do Executivo, com um ambicioso plano de construção, de forma faseada, de 19.000 fracções de habitação pública. Multiplicaram-se os projectos deste tipo, especialmente nas zonas de Seac Pai Van, em Coloane, e no Fai Chi Kei, Ilha Verde e Mong-Há, na península de Macau.

Macau chegou a 2023 com 52.510 fracções de habitação pública, comparando com as 29.947 unidades existentes em 2003. O número deve continuar a aumentar nos próximos anos, com o avanço dos planos do Executivo para disponibilizar, de forma gradual, um total de 28.000 fracções de habitação pública na Zona A dos Novos Aterros Urbanos – parte destas unidades já está em fase de construção.

Para Nuno Soares, os projectos de habitação pública estão entre aqueles que tiveram “um impacto mais notório” na qualidade de vida da população. “Haver uma política de habitação pública é importante para manter a população em Macau e para dar alguma tranquilidade às pessoas de que é possível terem a sua casa” na RAEM, justifica.

Expansão territorial

O crescimento físico marca igualmente os últimos 25 anos de Macau, que passou de uma área de 23,8 quilómetros quadrados, em 1999, para 33,3 quilómetros quadrados, em 2023. Christine Choi considera que o desenvolvimento do Cotai – aterro de ligação entre as ilhas de Coloane e da Taipa, cuja dimensão quase que triplicou no último quarto de século – foi “um dos mais influentes” projectos realizados em Macau, “marcando uma nova era para a cidade e para as pessoas”.

O Cotai é hoje uma zona de empreendimentos turísticos de grandes dimensões, com instalações hoteleiras de topo, diversas atracções de entretenimento e lazer, centros de convenções e exposições e salas de espectáculos. “Esta expansão não só impulsionou o turismo, como também transformou Macau num destino turístico de primeira linha, remodelando significativamente a paisagem urbana e a dinâmica económica”, assinala a presidente da Associação dos Arquitectos de Macau.

Um momento importante na expansão física da RAEM foi a aprovação, em 2009, pelo Conselho de Estado, de um novo conjunto de aterros para Macau. Divididos em cinco zonas, os denominados “Novos Aterros Urbanos” possuem uma área total de cerca de 350 hectares. Estes vieram oferecer novas possibilidades de desenvolvimento à RAEM, estando o seu aproveitamento a decorrer de forma faseada, com o foco actualmente colocado na Zona A, junto à Areia Preta, na península de Macau.

“Os aterros, pela extensão e pela ambição que envolvem, são a obra mais marcante” na “era RAEM” e aquela que “vai ter um impacto maior” a longo prazo, observa Nuno Soares. Para o arquitecto, a expansão territorial permite que Macau tenha mais espaço para projectar o futuro e para se reinventar a diversos níveis.

Da parte do Executivo, ficou desde cedo definido que os novos aterros seriam destinados a projectos habitacionais públicos e privados, bem como à instalação de infra-estruturas públicas. Tal está, de resto, consagrado no Plano Director da RAEM, uma ferramenta essencial para o planeamento urbanístico de Macau, que foi aprovado em 2022. O documento regulamenta o ordenamento urbano e as condições de uso e aproveitamento dos solos, bem como inclui orientações sobre a organização das infra-estruturas públicas e dos equipamentos de utilização colectiva.

Christine Choi assinala a importância da entrada em vigor do Plano Director de Macau, cobrindo questões como o desenvolvimento de habitação pública, escolas, locais de recreio e outras infra-estruturas críticas. Na sua opinião, tal “é crucial para moldar um ambiente urbano dinâmico”.

O Plano Director é, para Nuno Soares, o avanço “mais importante” do último meio século no que toca ao planeamento urbanístico de Macau. O arquitecto considera que, ao longo dos tempos, tinham vindo a ser construídas diferentes obras públicas na cidade, mas sem um conceito geral do que se pretendia ao nível da organização do tecido urbano local. Tal mudou com a aprovação do Plano Director. “Parece-me que, nesta fase final dos 25 anos, houve uma preocupação de dar uma coerência a Macau e uma estrutura que lhe permitisse ter um desenvolvimento mais sustentável para o futuro”, refere.

Sustentabilidade como meta

Segundo a presidente da Associação dos Arquitectos de Macau, os novos projectos urbanos para a RAEM devem considerar a preservação da cultura e do património, com o objectivo de tornar as “características únicas de Macau não apenas acessíveis, mas também uma experiência tangível para todos”. A RAEM deve ter também como prioridade a sustentabilidade, diz Christine Choi, assinalando que tal deve ser incorporado de forma transversal nos planos de desenvolvimento. “As directrizes de planeamento devem defender práticas sustentáveis para promover um futuro mais verde para Macau”, diz a especialista. Já Nuno Soares considera também que a arquitectura aplicada na RAEM deve ser sustentável, mas igualmente “inovadora” e “mais única”.

A melhoria das ligações rodoviárias entre a península de Macau e a Taipa contribuiu para o crescimento urbano da RAEM

O desenvolvimento de espaços verdes e o aproveitamento das zonas costeiras são áreas a que deve continuar a ser dada particular atenção, defende Christine Choi. A arquitecta sustenta que, “ao expandir os espaços de lazer ao ar livre, melhoramos a qualidade de vida”, quer de residentes, quer de turistas, “criando um ambiente urbano mais habitável e envolvente”. Essa tem sido uma política seguida pelas autoridades locais, com o desenvolvimento de novos espaços verdes de lazer e recreação ao longo dos últimos 25 anos.

Olhando para o amanhã, Nuno Soares enfatiza que é essencial que a obra pública ajude a estruturar as novas áreas urbanas em desenvolvimento. “Nos novos aterros, é mesmo importante que os principais edifícios públicos sejam centralidades urbanas, sejam locais onde as pessoas se possam reunir, que tenham espaço público, espaços protegidos das intempéries e que sejam espaços, do ponto de vista arquitectónico, marcantes e únicos.”

Nas prioridades de futuro, uma mobilidade eficaz é um aspecto a considerar. Christine Choi aponta que, considerando a elevada densidade populacional da RAEM e os desafios ao nível do tráfego rodoviário, é uma “necessidade estratégica” promover uma malha urbana “acessível a pé, que seja integrada com um sistema de transportes públicos eficiente”. Segundo diz, “esta transformação pode ser facilitada através da implementação de soluções tecnológicas avançadas” – algo que está já a ser seguido pelo Governo de Macau, com a introdução de aplicações móveis de promoção de mobilidade inteligente e projectos como o Sistema Pedonal Circundante da Guia, que entrou em funcionamento em 2022. 

  • Zona de espectáculos ao ar livre do Cotai
  • Nova Biblioteca Central de Macau
  • “Linha Leste” do metro ligeiro
  • Novas instalações para o Tribunal de Última Instância
  • Túnel da Colina da Taipa Grande (fase de concurso)
  • Estação Elevatória de Águas Pluviais e Drenagem no Porto Interior