Zhang Lie é, desde Agosto, director musical e maestro principal da Orquestra Chinesa de Macau. O conceituado regente, com longa carreira no Interior da China, diz pretender valorizar aquilo que considera ser uma marca da orquestra: a capacidade de trazer elementos musicais ocidentais à sua base oriental
Texto Vitória Man Sok Wa
É na sabedoria milenar do filósofo clássico chinês Lao Zi que o maestro Zhang Lie afirma procurar ensinamentos para o seu dia-a-dia como “gestor” de músicos. O novo director musical e maestro principal da Orquestra Chinesa de Macau dá eco às palavras do pensador chinês em prol da harmonia e da simplicidade.
“Segundo Lao Zi, quem toca música deve ser feliz. Prefiro cultivar um ambiente agradável e descontraído numa profissão por si só já exigente”, afirma o maestro em entrevista à Revista Macau. Segundo acrescenta, quando dirige um conjunto de músicos, o objectivo é que todo o grupo “esteja unido em busca da excelência, nomeadamente na interpretação das ideias artísticas e musicais do compositor” cuja obra está a ser executada.
A filosofia de Zhang como regente não é novidade para a Orquestra Chinesa de Macau, visto que os dois lados já colaboraram no passado. Daí que o maestro fale numa relação de amizade antiga, com a sua nomeação para dirigir o conjunto a ser classificada pelo próprio como uma honra e uma responsabilidade significativa.
No papel de homem-forte da Orquestra Chinesa de Macau, cargo para o qual foi oficialmente anunciado no início de Agosto, Zhang diz pretender elevar a excelência artística do grupo. No seguimento do trabalho levado a cabo pelo malaio Chew Hee Chiat, maestro principal convidado e conselheiro artístico do conjunto na temporada transacta, Zhang afirma que uma das suas metas é valorizar algo que já faz parte do ADN da orquestra: a integração de elementos musicais ocidentais no universo clássico oriental.
Uma orquestra especial
Fundada em 1987, a Orquestra Chinesa de Macau tem vindo a pautar o seu trabalho pela máxima “sediada em Macau, abraçando o mundo e promovendo a cultura com repertório do Oriente e do Ocidente”. O conjunto, composto por cerca de meia centena de músicos profissionais, está inserido na Sociedade Orquestra de Macau, Limitada, empresa de capitais integralmente públicos.
Ao longo dos seus 37 anos de história, a orquestra tem servido como embaixadora cultural de Macau, promovendo a cidade à escala internacional. O grupo actuou já em vários países, desde Portugal à Índia, Singapura ou Bahrein. Além disso, conta com dezenas de espectáculos no Interior da China no seu historial.
A Orquestra Chinesa é presença habitual nos principais certames musicais locais, incluindo no Festival Internacional de Música de Macau e no Festival de Artes de Macau. Tem ainda levado a cabo um esforço para apresentar concertos noutros locais que não apenas salas de espectáculo convencionais – por exemplo, em edifícios históricos, museus, bibliotecas e parques –, de forma a activar o interesse da comunidade pela música tradicional chinesa. Em Setembro, a orquestra deu dois concertos gratuitos junto das Ruínas de S. Paulo, a propósito do Festival do Bolo Lunar – a liderar os músicos, esteve o maestro Zhang.
Ao longo dos anos, a orquestra tem visado potenciar o intercâmbio e a cooperação musical, promovendo Macau como um local de integração cultural entre o Oriente e o Ocidente. O grupo já colaborou com vários músicos e vocalistas portugueses, incluindo o flautista Rão Kyao e os fadistas Carlos do Carmo, Camané e Mariza – esta última esteve em Macau em Novembro, actuando ao lado da orquestra no espectáculo de encerramento da edição deste ano do Festival Internacional de Música de Macau.
Valorizar a diversidade
Zhang constata que, embora três décadas não constituam um historial particularmente extenso para um conjunto de tipo orquestral, a Orquestra Chinesa de Macau tem vindo a desenvolver-se a um ritmo notável. Para isso têm contribuído as colaborações regulares com maestros de renome, defende.
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O responsável nota que a Orquestra Chinesa de Macau se distingue de outras organizações similares porque tem a tarefa particular de manter uma identidade distinta que combina elementos musicais chineses e ocidentais. “De facto, é um desafio para a orquestra identificar um maestro adequado”, admite. “O conjunto requer um líder que não só seja proficiente em música ocidental, mas que também possua uma profunda compreensão da música chinesa, demonstre capacidade e seja hábil na integração de elementos musicais ocidentais na orquestração chinesa”, enumera.
O novo director musical da Orquestra Chinesa de Macau sublinha o papel dos músicos do conjunto na definição desta identidade única. Na sua opinião, trata-se de um naipe de instrumentistas notáveis, não só pelas capacidades musicais, mas também pela variedade de origens. Os músicos dominam uma multiplicidade de géneros musicais, abrangendo estilos tradicionais e modernos, bem como influências orientais e ocidentais, elogia.
Nesta mistura, Zhang reconhece que a música portuguesa tem um papel especial. “Os laços históricos e culturais entre Macau e Portugal têm facilitado um intercâmbio dinâmico entre a Orquestra Chinesa e músicos lusos.” Mas não só: em Novembro, o grupo aliou-se ao afamado músico, compositor e cantor cabo-verdiano Tito Paris para um concerto no âmbito do “6.º Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa”, certame promovido pelo Instituto Cultural. A batuta nesse espectáculo esteve a cargo do próprio Zhang.
Visão abrangente
Para o maestro, a qualidade que define um director musical de orquestra bem-sucedido é o respeito pela própria profissão. Sem dúvida que o talento musical é um pré-requisito, mas não é suficiente, afirma. Além disso, a capacidade de demonstrar competência numa ampla gama cultural é essencial, acrescenta.
Da mesma forma, continua Zhang, a mera familiaridade com a sua própria orquestra não basta a um maestro. É necessário que tenha um conhecimento abrangente de outras orquestras de outras regiões e géneros musicais diferentes.
Olhando para a temporada de concertos 2024-2025 da Orquestra Chinesa de Macau – que arrancou em Setembro e se prolonga por 11 meses, contando com um total de 14 programas –, Zhang fala na importância deste tipo de planeamento “como uma componente vital da gestão de uma orquestra, constituindo um canal de envolvimento com o público e sustentando o dinamismo” de qualquer conjunto orquestral. Como linhas directrizes para a corrente temporada, o maestro refere uma aposta no engajamento com o público, na promoção da diversidade cultural e na selecção de temas que possam ser apelativos.
Não é, assim, surpreendente que a chamada “dupla celebração” de 2024 – o 75.º aniversário da implantação da República Popular da China e o 25.º aniversário do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau – represente um tema fulcral para a actual temporada. Isso traduz-se na escolha de temas festivos e tradicionais, caracterizados por ambiências musicais enérgicas e alegres, refere o responsável.
Por outro lado, nota Zhang, o público de hoje está exposto a uma variedade cada vez maior de géneros musicais. É imperativo que a programação de uma temporada de concertos reflicta essa diversidade, mesmo numa orquestra de estilo chinês. “A era contemporânea caracteriza-se por um processo de fusão cultural”, diz. Isso tem como “consequência inevitável” uma crescente multiplicidade de formas artísticas, que cabe à orquestra reflectir nas suas actuações.
“O foco de um concerto não é apenas a colaboração harmoniosa entre músicos e o maestro, mas também a fruição de quem assiste”, sustenta Zhang. “É importante ter em conta as preferências e os gostos do público”, acrescenta, para estimular o desenvolvimento de um verdadeiro “ecossistema musical”, composto de intérpretes, críticos especializados e comunidade em geral.