As corridas de atletismo de rua, assim como as provas de aventura em trilho, entraram na moda e ganham cada vez mais adeptos em Macau. Actualmente, há pouco mais de um milhar de atletas que participam regularmente em provas, número que tem vindo a crescer nos últimos anos, segundo associações locais
Texto Vítor Rebelo
Não é surpresa para ninguém ver com frequência os amantes das corridas pedestres nas ruas de Macau, Taipa ou Coloane, a qualquer hora do dia, mas com maior incidência bem cedo pela manhã ou ao final da tarde. Muitos deles fazem-no há vários anos, até nos trilhos da região, como parte de uma rotina quase diária.
Na última década, assistiu-se a um crescimento global na prática deste desporto – ou passatempo, dependendo de com quem se fala –, originado por interesses diversos, como são a promoção do bem-estar físico, a fuga ao stress e a procura de actividades de lazer ou de competição ao ar livre. Além disso, este desporto tem baixos custos, sendo por isso considerado um desporto popular ou de massas.
Em Macau, dizem à Revista Macau alguns praticantes e representantes de associações locais, o “boom” ocorreu durante e no período pós-pandemia da COVID-19, numa clara procura por actividades ao ar livre que pudessem “oxigenar o corpo e a alma”.
Actualmente, a corrida passou a ser, para muitos dos seus entusiastas, uma forma de viver. Embora o número de praticantes seja difícil de calcular, até porque muitos deles correm de forma individual – sem clube nem competição –, as estimativas apontam para pouco mais de um milhar de atletas que participam regularmente em provas na cidade, número superior ao que acontecia em 2019.
A maioria dos “corredores de estrada” iniciou-se na prática por simples gozo pessoal, passando depois a querer algo mais, como a entrada em competições e a procura por melhores tempos e recordes pessoais.
Muitos deles estão registados em clubes, os quais, por sua vez, necessitam de ter filiação na Associação de Atletismo de Macau (AAM). Actualmente, são pouco mais de 70 clubes, cuja maioria se dedica às provas de estrada.
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Wisley Keong, dirigente da AAM, recorda o elevado nível competitivo que havia em Macau nas décadas de 1980 e 1990. “Nessa altura, a corrida de estrada já era um desporto bastante popular e a qualidade dos atletas, a avaliar pelos tempos alcançados, era superior à média dos actuais”, conta em entrevista à Revista Macau. A diferença agora, acrescenta, “é que as corridas são organizadas com a introdução de cronometragem por chip e o percurso da Maratona Internacional de Macau foi credenciado pela Associação Internacional de Maratonas”.
Sérgio Real, que faz corrida desde criança influenciado pelo pai, que era atleta semiprofissional, só em Macau se lançou mais a sério na prática regular. “Muita gente que se deslocava com regularidade a Hong Kong, ao Interior da China e mesmo ao estrangeiro para fazer provas, nos últimos anos, focou-se nos eventos locais”, explica o atleta. “Tem-se visto uma maior participação em provas, sobretudo nas faixas etárias menos jovens”, adianta, referindo dois motivos que podem explicar esta observação.
“Primeiro, os mais jovens estão focados nas provas realizadas fora de Macau e, quando participam a nível interno, é apenas nos dois eventos principais”, a corrida internacional de dez quilómetros, realizada em Março, e as provas de meia-maratona e maratona, que têm lugar no início de Dezembro.
Em segundo, refere Sérgio Real, “os menos jovens fazem desporto mais pela parte da saúde e participam de um modo menos competitivo, por isso não sentem a necessidade de ir ao estrangeiro, recorrendo sobretudo às provas locais”.
Actividades ao ar livre
Na opinião de Álvaro Mourato, que na maioria dos fins-de-semana faz provas fora de Macau, “a corrida desenvolveu-se bastante durante o período da pandemia, porque as pessoas não podiam sair [de Macau], o que fez aumentar a prática deste desporto, especialmente corridas nas estradas e nas montanhas”.
Também Sandra Joaquim, que começou a correr mais a sério em 2018, realça que as pessoas estão agora mais conscientes para a necessidade de fazer desporto e ter mais cuidados com a saúde, algo que terá levado mais pessoas “a começar a correr”.
Benson Leong, responsável pelo Macau Top Sports Club, fundado há mais de 30 anos, também é da opinião de que em anos recentes houve um “crescimento da população local interessada na modalidade de corrida, uma vez que as pessoas tinham actividades ao ar livre limitadas e a corrida é um dos exercícios mais convenientes”.
Ana Telo Mexia reconhece que há uma maior adesão das pessoas à corrida. “Não tenho olhado para os números da participação, mas a sensação que tenho é a de que há cada vez mais corredores em Macau”, destaca a atleta, que ganhou o gosto pela corrida através do pai, João Frederico Telo Mexia, que fez várias dezenas de maratonas ao longo da sua vida, muitas das quais em Macau.
Jovens ainda longe
Quanto às idades dos aderentes a este tipo de desporto em Macau, Erik Lok, praticante e também presidente do Macau Marathon Promotion Club, fala em corredores amadores de meia-idade ou mais, atraídos por diferentes motivos.
“A corrida é relativamente simples e eficaz, eles têm empregos estáveis ou estão reformados, os seus filhos cresceram e, como estão a envelhecer, prestam mais atenção à sua saúde. Por outro lado, há também os que são influenciados pela ‘loucura’ de participar em provas como a maratona e pelas pessoas que os rodeiam”, diz o dirigente.
No entanto, salienta, “os jovens atletas estão normalmente a treinar nas escolas ou ocupados com o trabalho depois da licenciatura”, acrescentando que faltam subsídios ao treino de corrida de longa distância e de maratona, e que “deve haver uma maior aposta no treino de maratonistas de elite e na formação de jovens atletas com potencial”.
Ana Telo Mexia aponta para idades entre os 25 e os 50 anos. “Talvez os jovens despertem mais tarde e uma vez começando a praticar e a participar em provas, não é fácil deixar de competir e talvez por isso já somos muitos ‘menos jovens’”, salienta.
Sandra Joaquim vê esses “menos jovens” em maior quantidade. “Muitos estão na casa dos 40 anos, ainda que possamos ver mais gente nova nas provas do que acontecia anteriormente”, refere. No entanto, sublinha, “os jovens preferem os ginásios e quando correm é na passadeira”. Para fazer provas de rua “é preciso correr na rua”, afirma, reconhecendo que “não é fácil correr na rua com o clima de Macau, porque ou está muito calor, ou chove demasiado, ou está vento ou há tufão”.
Ana Telo Mexia reforça a ideia, referindo que o clima “é o maior desafio” nos períodos de treino, incluindo a qualidade do ar.
Erik Lok diz que, por vezes, é muito perigoso correr em Macau, visto que “há muitos obstáculos”. Uma ideia partilhada por Benson Leong: “Devido ao congestionamento do tráfego, a corrida de rua tornou-se uma actividade de alto risco, mas, felizmente, o novo percurso ao longo da zona ribeirinha da Taipa e de Macau reduziu o risco de treino”.
Alguns lugares mais comuns utilizados pelos atletas são a zona do Lago Sai Van e do Lago Nam Van, a zona do Reservatório, o circuito da Guia, a ciclovia da Taipa e do Cotai, a Colina da Taipa Grande, a Colina da Taipa Pequena, os trilhos de Coloane, o campus da Universidade de Macau e os estádios que oferecem pistas de 400 metros.
O chamamento dos trilhos
Também a ganhar adeptos, as corridas de trilho, ou as chamadas provas de aventura, são cada vez mais populares, não apenas em Macau, mas também em Hong Kong e no Interior da China.
“A transição natural é começar na estrada e depois passar para os trilhos, que exige uma abordagem diferente, mais equipamento e acesso a trilhos para treinar, o que em Macau nem sempre é fácil”, declara Sérgio Real, há vários anos membro do principal clube nesta área, o Trail 100 Runners Club. “Está a haver no momento um crescimento mundial no número de participantes em corridas de trilho e, sem dúvida, que Macau acompanha esse crescimento.”
O Trail 100 Runners Club foi estabelecido em 2019, tendo sido o primeiro clube de corrida de Macau focado em provas de trilhos e juntando uma grande parte dos interessados neste tipo de competições de aventura, nas quais há já muitos portugueses. “Neste momento somos mais de 200 e temos vindo a crescer de ano para ano”, destaca Sérgio Real.
O clube organiza duas competições anuais em Macau. Uma é o “The King of Macao Hills Urban Trail Race”, a prova local mais longa, com 50 quilómetros, que atravessa toda a cidade e sobe aos 15 pontos mais elevados de Macau. A outra é a “Grande Dragon Trail Challenge” no trilho e escadas da Colina da Taipa Grande, prova com uma elevação por quilómetro bastante considerável, tornando-se um desafio, mas também uma boa plataforma de treino para eventos mais difíceis fora de Macau. Esta prova inclui ainda uma versão mais curta, indicada para quem está a dar os primeiros passos no mundo das corridas em trilho.
“No passado, a corrida em trilhos era a solução para o tédio do treino de longa distância, mas nos últimos anos tem sido dada mais atenção a este evento em todo o mundo, com informações sobre vários desafios extremos, “ultra trails” e outras corridas a tornarem-se mais populares, atraindo muitos corredores de estrada para este desafio”, salienta o atleta.
Quanto ao número de eventos que Macau proporciona, Sandra Joaquim afirma que “em Macau há ainda poucas provas, tanto que as inscrições esgotam umas horas depois de abrirem”.
Benson Leong diz que o processo para organizar corridas em Macau é complexo, visto que, por motivos de segurança dos participantes, é preciso obter aprovação de vários departamentos, o que acaba por condicionar o calendário local de corridas.