A China e Timor-Leste elevaram, há pouco mais de um ano, os laços de cooperação rumo a uma parceria estratégica abrangente, o segundo nível mais alto no protocolo da diplomacia chinesa. Macau, argumenta António Ramos da Silva, delegado timorense junto do Fórum de Macau, também tem uma palavra a dizer no desenvolvimento de Timor-Leste
Texto Marco Carvalho
Uma porta privilegiada para a China, um parceiro preferencial de negócios, mas, fundamentalmente, um exemplo a seguir em domínios como o turismo, a indústria do jogo e a valorização do património.
Os dias em que Macau e Timor-Leste eram duas faces de uma mesma circunscrição administrativa fazem há muito parte do passado, mas a mais jovem nação do continente asiático continua a olhar para a agora Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) com a mesma reverência com que um menino na Primavera da vida encara um irmão mais velho e mais experiente.
Secular, o intercâmbio entre as duas regiões antecede em muito a autodeterminação do povo timorense, mas ganhou um novo fôlego após a independência, com a República Popular da China a assumir um papel instrumental na afirmação dos símbolos da soberania do país, afirma António Ramos da Silva, desde Março delegado de Timor-Leste junto do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau) – também conhecido como Fórum de Macau.
“Depois da independência, a China, através de um programa de apoio à construção de infra-estruturas, edificou o Palácio Presidencial e os edifícios dos ministérios da Defesa e dos Negócios Estrangeiros”, recorda o representante timorense.
“Depois disso, empresas estatais chinesas, sobretudo do sector da construção, participaram em vários concursos internacionais e ganharam praticamente todos os projectos. Outra área em que no passado já tivemos alguma cooperação foi o sector das pescas”, com investimento de empresas da província de Fujian, embora o projecto ainda não tenha arrancado, acrescenta António Ramos da Silva.
Aprender com Macau
Se as autoridades de Díli contam com o potencial investimento chinês para impulsionar sectores como os das pescas e da extracção mineira, no domínio do turismo, mais do que atrair parceiros e visitantes chineses, o Governo timorense quer mobilizar o conhecimento e a experiência de Macau. A cidade é vista como o exemplo a seguir em termos de práticas de gestão turística e as autoridades timorenses querem replicar no país o que a RAEM tem vindo a fazer bem.
“Queremos aproveitar as oportunidades que Macau oferece e que o Governo da RAEM oferece. Temos um protocolo com a Direcção dos Serviços de Turismo, assinado em 2013, que prevê que possamos aproveitar o contributo de Macau em termos de formação e de divulgação”, postula António Ramos da Silva.
“Queremos aproveitar a experiência de Macau, sobretudo na área do desenvolvimento dos resorts integrados. O objectivo da nossa parte é atrair turistas da Austrália, mas também da República Popular da China. É óbvio que não se trata de potenciar o turismo de massa. Não vamos competir com Bali, mas queremos aproveitar o que de melhor temos para oferecer, o nosso património ecológico”, salienta o responsável.
Se o objectivo é, numa primeira fase, apostar no turismo de qualidade e em actividades de nicho, como o mergulho nas águas paradisíacas da ilha de Ataúro e do ilhéu de Jaco, a médio prazo a aposta do Governo timorense deverá incidir sobre uma realidade que Macau conhece melhor do que ninguém.
Os jogos de fortuna e de azar deverão ser um dos vectores fundamentais do desenvolvimento do sector da actividade turística em Timor-Leste, com os olhos postos no mercado da Indonésia e em outras jurisdições.
“Neste momento, estamos a fazer a revisão da lei do jogo de Timor-Leste. Em Díli, já existem algumas casas de jogo de menor dimensão, mas temos de mudar a actual lei do jogo para que esteja mais focada em resorts integrados e, dentro dos resorts integrados, integrar esta componente do jogo”, esclarece António Ramos da Silva. “Actualmente, na região do Sudeste Asiático, há vários países a apostar neste sector, como a Tailândia, as Filipinas ou Singapura. No caso de Timor, temos de gerar capacidade para atrair eventuais apostadores da Indonésia. É uma possibilidade que está em aberto e que Timor-Leste tem de procurar aproveitar”, argumenta o delegado timorense.
Para que o projecto de desenvolvimento se concretize, Timor-Leste tem, no entanto, de acudir a uma das principais debilidades com que a jovem nação se depara, o aparente isolamento do país. Mais de duas décadas volvidas sobre a restauração da independência, a conectividade aérea internacional de Timor-Leste resume-se a três países, com a ilha indonésia de Bali a afirmar-se como principal ponto de ligação.
O cenário poderá alterar-se muito em breve, também com o contributo de Macau. “A Autoridade da Aviação Civil de Macau e a Autoridade da Aviação Civil de Timor-Leste vão assinar um memorando para permitir a realização de ligações directas entre Díli e Macau, seja através de voos charter ou do estabelecimento de uma ligação regular”, revela António Ramos da Silva.
“Estamos em contactos com algumas empresas e operadores turísticos da região da Grande Baía [Guangdong-Hong Kong-Macau] para que visitem Timor. Numa primeira fase, queremos atrair visitantes que possam ter interesse em fazer mergulho na ilha de Ataúro e no ilhéu de Jaco. Estamos a trabalhar no sentido de atrair mais turistas de qualidade”, acrescenta.
Novo capítulo na cooperação
O turismo foi, de resto, um dos vértices da trindade de interesses económicos que Timor-Leste optou por destacar na última edição da Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla em inglês), realizada em meados de Outubro. O país enviou ao maior evento empresarial de Macau uma delegação dominada por representantes dos sectores das pescas, do turismo e da extracção mineira, domínios da actividade económica que o Executivo timorense quer potenciar com a ajuda do Fórum de Macau.
“Há várias áreas para explorar, como o sector do minério e da extracção mineira. Timor-Leste aproveitou a participação na MIF para dar a conhecer esse sector e atrair mais investimentos para a área dos recursos minerais. A economia azul e o sector das pescas são outros dos domínios em que estamos a apostar. Timor tem uma vasta extensão de território marítimo. A proporção da superfície marítima de Timor é de oitenta e tal por cento, em comparação com a superfície terrestre. No âmbito da plataforma que o Fórum de Macau nos proporciona, tivemos uma visita à província de Fujian. Aquando da minha última deslocação a Timor, estive reunido com as equipas técnicas dos sectores das pescas e da agricultura para discutir a retoma do investimento da China na área das pescas”, adianta António Ramos da Silva.
Há também outros domínios, como a agricultura, em que a cooperação com a China apresenta já resultados significativos. Nos supermercados do Interior da China, é já possível encontrar café e óleo de coco com origem em Timor-Leste, mas as autoridades timorenses querem ver o leque das exportações agrícolas alargado, depois de Beijing ter incluído Timor-Leste no grupo de países em vias de desenvolvimento que beneficiam de políticas especiais de isenção alfandegária.
A medida é vista por António Ramos da Silva como uma oportunidade imperdível para o sector primário timorense. “Em termos de trocas comerciais entre Timor-Leste e a China, estive a olhar para as estatísticas relativas ao primeiro trimestre e a primeira constatação é que há uma diferença enorme entre o valor das importações e o valor das exportações. De qualquer forma, em termos concretos, a marca ‘Café de Macau’ tem essa designação, mas a origem do produto está em Timor. Através da plataforma do Fórum de Macau conseguimos também introduzir óleo de coco no mercado chinês”, adianta o representante timorense.
“Estive reunido com as partes do comércio e da indústria, mas também das pescas e da agricultura, para os informar e para que se criem as condições sobre a possibilidade de se exportar para o mercado da China. Se o Governo chinês concedeu isenção alfandegária a 98 por cento dos produtos agrícolas e pesqueiros de Timor, temos uma oportunidade em mãos. E essa oportunidade passa pelo aumento da produção nacional, para que possamos aproveitar esse mercado”, considera o delegado.
A amizade de longa data entre Timor-Leste e Macau entrou, no final de Setembro, numa nova era, com a assinatura de um acordo de geminação entre Macau e Díli. O memorando prevê o reforço da cooperação em domínios como a economia, o comércio, a educação e a cultura.