25 Anos de RAEM

Mais e melhor

O Festival Internacional de Artes para Crianças de Macau foi lançado este ano pelo Instituto Cultural
As Linhas de Acção Governativa para 2024 oficializaram o posicionamento de Macau como uma cidade de espectáculos e desporto. Tal é o culminar de um forte desenvolvimento dos sectores cultural e desportivo desde o retorno à Pátria, impulsionado pelo investimento público em infra-estruturas e apoios tanto a artistas como atletas

Texto Cherry Chan*

Uma das grandes mudanças verificadas ao longo dos últimos 25 anos na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) foi uma aposta significativa na cultura e desporto, a qual se intensificou em anos recentes, através da organização de grandes eventos. Estas iniciativas, além de contribuírem para o desenvolvimento local, visam ter um papel na afirmação de Macau a nível regional e internacional.

Os dados constantes no Anuário Estatístico da RAEM dão bem conta do rápido progresso cultural e desportivo verificado. Se, em 2000, foram registadas menos de 11.000 sessões relativas a espectáculos públicos e exposições culturais na região, no ano passado, o número cifrou-se em mais de 55.000, um novo máximo na “era RAEM”. Em 2023, os espectáculos públicos e exposições culturais atraíram mais de 29,7 milhões de espectadores, cerca de 35 vezes mais do que o verificado em 2000.

Já o número de bibliotecas e salas de leitura abertas ao público situava-se no ano passado em 71, quase o dobro do existente duas décadas antes. A subida foi em parte impulsionada por uma política pública, desde 2000, de criação de novos espaços do género em centros comunitários e outros equipamentos públicos. Nos próximos anos, irão nascer no local do antigo Hotel Estoril novas instalações para a Biblioteca Central de Macau, que prometem ser um equipamento estruturante no campo da cultura.

No desporto, a tendência tem sido também de crescimento nos últimos 25 anos. Registou-se um aumento do número de clubes desportivos, que passaram de 615 em 2000 para 974 no ano passado, com o total de atletas filiados a subir cerca de 60 por cento durante esse período, para mais de 34.000. Também a crescer estiveram os subsídios atribuídos pelo Instituto do Desporto, mais do que quintuplicando entre 2000 e 2023, ano em que superaram a fasquia dos 100 milhões de patacas.

Novas (e muitas) infra-estruturas

Além de subsídios a artistas e atletas, a criação de novas infra-estruturas tem sido essencial para o desenvolvimento cultural e desportivo de Macau ao longo do último quarto de século. No campo cultural, há a apontar a recuperação de diversos espaços patrimoniais e posterior transformação em museus – como é o caso icónico da Casa do Mandarim, mas também da Antiga Farmácia Chong Sai ou da Antiga Residência do General Ye Ting. Outros edifícios recuperados foram convertidos em espaços culturais, de que são exemplos a Cinemateca·Paixão, a Academia Jao Tsung-I, o Centro de Arte Contemporânea de Macau – Oficinas Navais n.º 1 e n.º 2 ou, mais recentemente, a Casa da Literatura de Macau. Entre os equipamentos construídos de raiz, um dos destaques é o edifício do Teatro-Estúdio do Centro Cultural de Macau, inaugurado no ano passado.

No caso do desporto, foram igualmente criadas pelos sucessivos governos da RAEM novas infra-estruturas, incluindo de carácter comunitário, como o Pavilhão de Mong-Há. As várias competições internacionais que Macau recebeu entre 2005 e 2007 – nomeadamente os Jogos da Ásia Oriental, a edição inaugural dos Jogos da Lusofonia e os Jogos Asiáticos em Recinto Coberto – deram também o mote para um ambicioso plano de construção de equipamentos desportivos de topo, com destaque para a Nave Desportiva dos Jogos da Ásia Oriental e o Pavilhão Polidesportivo Tap Seac.

Quer na cultura, quer no desporto, a par com a promoção comunitária de práticas culturais e desportivas, as autoridades da RAEM – em particular o actual Governo de Ho Iat Seng – têm apostado na introdução de grandes eventos, capazes de trazer à região mais visitantes, ajudando a diversificar a economia. Ao longo dos últimos 25 anos, além da consolidação e expansão dos já existentes Festival de Artes e Festival Internacional de Música, foram lançadas muitas outras iniciativas, como a Arte Macau – Bienal Internacional de Arte, o Desfile Internacional de Macau ou, já este ano, o Festival Internacional de Artes para Crianças de Macau.

A RAEM recebeu em Abril a edição de 2024 das Taças Mundiais Masculina e Feminina da Federação Internacional de Ténis de Mesa

No desporto, a receita tem sido similar. Ao já histórico Grande Prémio de Macau, no desporto motorizado, têm-se vindo a juntar, mais recentemente, outras grandes competições desportivas, como a Regata Internacional de Macau ou o renovado Open de Golfe.

Nos últimos anos, o Governo da RAEM tem também solicitado, com resposta positiva, uma maior participação das empresas de turismo e lazer integrados no apoio à cultura e ao desporto. Tal tem-se traduzido não só na captação para Macau de grandes eventos, mas também num maior apoio directo às indústrias culturais e criativas locais.

Dinâmica de crescimento

“O desenvolvimento cultural de Macau ao longo dos últimos 25 anos registou um crescimento significativo e histórico, quer em termos de eventos, quer de actividades artísticas”, reconhece Alice Kok Tim Hei, presidente da Art For All Society (AFA), plataforma local dedicada à promoção das artes plásticas, estabelecida em 2007. A também artista e curadora de arte nota a dinâmica cultural que se estabeleceu em Macau no pós-retorno à Pátria, com vários grupos e espaços independentes a nascerem e contribuírem para a formação de novos talentos.

“Temos visto, durante estes anos, que muitos jovens se estabeleceram efectivamente como artistas reconhecidos e de sucesso”, afirma Alice Kok. A responsável dá dois exemplos: o artista plástico Lai Sio Kit e o ilustrador Eric Fok Hoi Seng. Segundo diz, estes e outros novos talentos beneficiaram dos “esforços comuns” entre as associações artísticas locais, bem como do apoio dos vários governos da RAEM, para desenvolverem as suas carreiras.

O progresso cultural da RAEM no último quarto de século fica marcado por uma data: 15 de Julho de 2005, quando o Centro Histórico de Macau foi inscrito na Lista do Património Mundial da UNESCO. Tal impactou, de forma indelével, muito do que se seguiu na área cultural nas duas décadas subsequentes, com uma forte aposta na identificação, preservação e promoção do património local, não só arquitectónico, mas também intangível. Essa ideia, de resto, constava no Relatório das Linhas de Acção Governativa logo para 2006, apresentado pelo então Chefe do Executivo, Ho Hau Wah. “A inscrição pela UNESCO do Centro Histórico de Macau na Lista do Património Mundial permitiu aos cidadãos reforçarem a sua identidade cultural, originando a sedimentação de um maior sentido de pertença e de coesão”, referia na altura o governante.

Em Junho de 2008, a “Escultura de Ídolos Sagrados” foi inscrita na “Lista Nacional de Itens Representativos do Património Cultural Intangível da China”, sendo o primeiro elemento proposto exclusivamente pela RAEM a conseguir a distinção. Hoje, são um total de 11 os itens ligados a Macau que estão listados a nível nacional – isto para além de todos os bens imóveis classificados a nível local e elementos integrados na lista e inventário do património cultural intangível da RAEM.

Em Novembro de 2017, Macau recebia nova distinção: era designada como membro da Rede de Cidades Criativas da UNESCO na área da Gastronomia, em reconhecimento da singularidade da cultura gastronómica local.

A próxima etapa

O empenho no desenvolvimento das indústrias culturais e criativas foi uma imagem de marca dos sucessivos governos da RAEM ao longo dos últimos 25 anos, com o objectivo de promover a diversificação económica local. Os trabalhos começaram oficialmente em 2010 e, com os esforços concertados de três instituições centrais – o Instituto Cultural, o Fundo das Indústrias Culturais e o então Conselho para as Indústrias Culturais –, visou-se estimular este sector nascente. Por exemplo, foi publicado o “Quadro da Política do Desenvolvimento das Indústrias Culturais (2014–2019)”, a que se seguiu uma segunda edição, referente ao quinquénio 2020-2024, além de terem sido criados diversos programas de subsídios para o sector.

Ao longo dos últimos 25 anos, o Instituto Cultural tem levado a cabo iniciativas que visam permitir a novos públicos o contacto com actividades culturais

Alice Kok não tem dúvidas: “Nos últimos 25 anos, assistimos ao nascimento de uma indústria artística e cultural na RAEM”, com as iniciativas e eventos a sucederem-se a grande velocidade. “Agora, devemos levar o ‘bebé’ para a próxima etapa”, nota.

Uma das estratégias do Governo para atingir esse objectivo visa que as empresas de turismo e lazer integrados de Macau apoiem o desenvolvimento das indústrias criativas e culturais locais, bem como o sector do desporto. Alice Kok refere que o modelo ainda está a dar os primeiros passos. A responsável admite que “cada vez mais exposições e eventos de arte estão a ser co-organizados pela indústria de resorts, hotéis e entretenimento, em parceria com artistas, curadores de arte e associações artísticas locais”. E acrescenta: “Na verdade, tal abre boas perspectivas para ambos os lados, para que possamos unir forças e trabalhar em conjunto”.

Ainda assim, Alice Kok sublinha que “uma preocupação importante” é que, “na aliança recém-formada entre estas empresas e o sector da arte, o papel do Governo como elemento de ligação seja bem definido”. A dirigente cultural nota que o apoio das autoridades locais continua a ser necessário, “dado que ainda estamos num período de ‘teste’ destas colaborações e ainda há muitos termos que precisam de ser definidos”, diz.

Do desporto comunitário à alta competição

Desde o retorno à Pátria, os vários governos da RAEM têm-se dedicado também à promoção da actividade física junto da população. Tem vindo a ser dada grande atenção ao aumento do nível competitivo dos desportistas locais, apoiando-se e encorajando-se entidades de Macau a organizarem e participarem em eventos e competições dentro e fora da RAEM.

A par dos esforços dos atletas locais, as autoridades têm investido bastantes recursos no desporto de alta competição. Dois exemplos são o “Plano de Apoio Financeiro para Formação de Atletas de Elite” e a criação do Centro de Formação e Estágio de Atletas, inaugurado em 2019 e especialmente concebido para o treino de desportistas de alto rendimento.

Os resultados têm aparecido: depois de Macau ter conquistado duas medalhas de ouro em Jogos Asiáticos no sector masculino – pelos atletas de wushu Jia Rui, em 2010, e Huang Jun Hua, em 2018 –, a RAEM viu no ano passado Li Yi vencer naquela competição a prova feminina de wushu na variante changquan.

Segundo o presidente do Comité Olímpico e Desportivo de Macau, China, Chan Chak Mo, “desde o retorno à Pátria, Macau tem realizado e introduzido na cidade eventos desportivos de diferentes tipos, tendo igualmente criado uma série de eventos de marca”. Além disso, aponta o também deputado à Assembleia Legislativa, houve “enormes melhorias” no que toca aos equipamentos desportivos de uso público. Tudo isto, refere, “lançou uma base sólida” para o desenvolvimento do sector desportivo de Macau.

Chan Chak Mo salienta o papel-charneira do Governo na organização de grandes eventos desportivos anuais, que não só atraem desportistas de topo para a RAEM, como levam muito público às bancadas. O dirigente dá o exemplo de eventos já consolidados, como as Regatas Internacionais de Barcos-Dragão de Macau, mas também de provas que entraram em anos recentes no calendário desportivo local, apoiadas por empresas de turismo e lazer integrados, como é o caso do Torneio de Campeões WTT Macau, em ténis de mesa.

Estes eventos “atraem muitos amantes do desporto” para assistirem às provas, refere Chan Chak Mo, enfatizando que “uma indústria desportiva em expansão pode impulsionar o desenvolvimento económico”, através do turismo desportivo.

O presidente do comité olímpico local sublinha que a organização de grandes eventos em Macau pode igualmente contribuir para o progresso do sector desportivo local. “A realização de eventos de desporto de grande dimensão não apenas fornece oportunidades de intercâmbio para atletas locais, mas também pode ajudá-los a adquirir novas técnicas e competências com atletas de outros países, mais avançados em termos desportivos”, nota o dirigente.

“Macau está a aproveitar ao máximo as suas próprias vantagens”, conclui Chan Chak Mo, “esforçando-se por promover a construção de uma ‘Cidade de espectáculos e desporto’”. 

*com Emanuel Graça