Hengqin

Integração (também) pela educação

Quando a segunda fase estiver concluída, a Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong terá uma área total de 40.000 metros quadrados
A abertura da Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong, no passado mês de Setembro, representa mais um passo rumo a uma maior complementaridade entre Macau e a ilha vizinha de Hengqin. O estabelecimento segue o sistema educativo da RAEM, mas quer também aproveitar as oportunidades oferecidas pela sua localização na Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau

Texto Viviana Chan
Fotografia Ng Yuk Lin 

Alex Chan, portador de Bilhete de Identidade de Residente (BIR) de Macau e pai de dois rapazes, mudou-se para a ilha vizinha de Hengqin, já parte do município de Zhuhai, do outro lado da fronteira, há cerca de meio ano. Na altura, uma das suas maiores preocupações prendeu-se com a educação dos filhos. “Tínhamos apenas duas opções: procurar uma escola local em Zhuhai ou optar por atravessar a fronteira e voltar a Macau para estudar, fazendo o trajecto diariamente”, recorda.

Mal soube que a Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong (Para Filhos dos Residentes de Macau) iria entrar em funcionamento em breve, oferecendo um modelo de ensino alinhado com o da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), não hesitou: a família fez logo a inscrição dos dois rapazes no estabelecimento de ensino.

Os portões da escola abriram-se para receber os novos alunos a 3 de Setembro. Trata-se do primeiro estabelecimento no Interior da China destinado a estudantes portadores de BIR de Macau, criado no contexto das políticas de integração regional entre a RAEM e Hengqin.

Um dos filhos de Alex Chan está no terceiro ano do ensino infantil, vulgarmente conhecido por “K3”. Já o irmão é aluno do segundo ano do ensino primário, nível comummente designado de “P2”. A família assegura que não podia estar mais feliz com a Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong.

“Agora, as crianças podem estudar perto de casa, o que me deixa bastante satisfeito”, nota Alex Chan. O trajecto da residência até à escola leva apenas dez minutos, explica o progenitor, quando anteriormente a família necessitava de sair de casa mais de uma hora antes do início das aulas.

Alex Chan também elogia as instalações do estabelecimento de ensino: “a atmosfera de aprendizagem é excelente, permitindo que as crianças evoluam num ambiente agradável”. As refeições disponibilizadas pela escola também o satisfazem. “A variedade na cantina é óptima, as crianças adoram”, aponta.

O encarregado de educação explica que, por um lado, a Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong oferece aos portadores de BIR de Macau benefícios semelhantes aos disponíveis na RAEM sob o regime de escolaridade gratuita. Por outro, consegue providenciar um leque de actividades extracurriculares ao ar livre que não é fácil encontrar em Macau, como remo ou equitação. Alex Chan diz que essa variedade não só contribui para a condição física das crianças, mas também diversifica o seu leque de interesses e aptidões.

O estabelecimento de ensino conta actualmente com cerca de 260 alunos

Em termos globais, a família sublinha a satisfação com a mudança para Hengqin. A logística no que toca à educação das crianças e deslocação dos adultos para o emprego saiu beneficiada, considera Alex Chan. “Todos os dias, faço em apenas 20 minutos o trajecto de Hengqin para trabalhar em Macau; esse tempo de deslocação curto faz-me sentir muito relaxado”, diz. Embora admita que há necessidade de mais equipamentos comunitários em Hengqin – por exemplo, parques infantis –, Alex Chan nota que existem já várias formas de entretenimento para os mais novos disponíveis na ilha: por exemplo, o parque temático Chimelong Ocean Kingdom, para o qual a família adquiriu passe anual.

Funcionar como exemplo

A Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong destaca-se enquanto projecto pioneiro e exemplo de cooperação ao nível da educação entre Macau e o resto da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. Quem o diz é Lao Meng Ngai, director do estabelecimento de ensino.

A escola faz parte de um conjunto integrado de novas infra-estruturas em desenvolvimento em Hengqin, com funções de habitação, saúde e educação, visando que os portadores de BIR de Macau que optem por viver na ilha continuem a ter acesso a serviços sociais e outros benefícios que têm como referência aqueles disponíveis na RAEM. Tal encontra respaldo no “Projecto Geral de Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”, promulgado em Setembro de 2021 pelo Comité Central do Partido Comunista da China e pelo Conselho de Estado.

O documento, que surgiu no seguimento das “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, divulgadas dois anos antes, define a estratégia para o futuro da Zona de Cooperação Aprofundada, que abrange toda a ilha de Hengqin. É esperado que o processo de integração Macau-Hengqin leve a que, em 2035, cerca de 120.000 portadores de BIR da RAEM vivam na Zona de Cooperação Aprofundada.

Desde a sua inauguração, a Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong tem atraído grande atenção. A respectiva direcção enfatiza que a filosofia pedagógica adoptada combina os padrões de Macau com as vantagens associadas à localização em Hengqin, o que proporciona aos alunos um ambiente de aprendizagem único.

Lao Meng Ngai explica que o estabelecimento conta com cerca de 260 alunos, abrangendo actualmente crianças desde o primeiro ano do ensino infantil até ao segundo ano do ensino primário. Os planos iniciais da direcção passavam por abrir uma turma por cada um destes níveis para o ano lectivo de 2024/2025. No entanto, face à procura, houve necessidade de elevar o número total de turmas.


“Recebemos muitas candidaturas [para o cargo de professor], com um grande número de docentes estrangeiros, assim como de Macau e do Interior da China”

LAO MENG NGAI
DIRECTOR DA ESCOLA DE HENGQIN ANEXA À ESCOLA HOU KONG

De acordo com Lao Meng Ngai, a política de admissão da escola é bastante flexível. O estabelecimento pode aceitar alunos portadores de BIR de Macau, mas também provenientes de Hong Kong ou Taiwan, e ainda filhos de pessoas estrangeiras titulares de documento de permanência no Interior da China. Isso, diz, torna a composição do corpo estudantil mais internacional e promove o intercâmbio cultural.

Ainda assim, a larga maioria dos estudantes do estabelecimento de ensino – cerca de 98 por cento – tem BIR da RAEM. Dois em cada três vivem junto da escola, na área habitacional do “Novo Bairro de Macau”, desenvolvido pela Macau Renovação Urbana, S.A., empresa da RAEM de capitais integralmente públicos.

O “Novo Bairro de Macau”, no qual se integra a escola, disponibiliza cerca de quatro mil apartamentos destinados primordialmente a portadores de BIR de Macau e é visto como tendo um papel essencial para atrair mais pessoas da RAEM a optar por viver em Hengqin. Uma das portas da Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong dá acesso directo à zona residencial do complexo.

Expansão em curso

O director Lao Meng Ngai destaca a qualidade do design da Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong, da integração de espaços verdes à disposição dos equipamentos, “o que é significativamente diferente do que existe em Macau”. As áreas relvadas permitem que “os alunos se movimentem livremente ao ar livre, apanhem luz do sol e desfrutem do ambiente”, nota.

Além de salas de aula normais, para ensino de disciplinas como o chinês, matemática ou inglês, a escola conta com salas multifuncionais, proporcionando uma variedade de recursos educacionais. Por exemplo, há salas dedicadas ao ensino de tecnologias de informação, com ênfase na inteligência artificial, além de um espaço para a promoção do ensino da cultura tradicional chinesa, da pintura à caligrafia. Mesmo nas salas de aula normais, há inovações como o uso de quadros escolares digitais de carácter interactivo avançado.

Lao Meng Ngai explica que, ao longo dos próximos anos, a escola vai continuar a expandir-se: está em curso a construção de um edifício para alojar turmas de ensino secundário. Isso vai permitir que uma criança possa cumprir os 15 anos do ensino não-superior no estabelecimento, refere o director.

Quando a expansão estiver concluída, a escola terá capacidade para cerca de um milhar de estudantes. A área do estabelecimento passará dos actuais 20.000 metros quadrados para o dobro.

No que toca ao currículo, Lao Meng Ngai explica que, além de adoptar os padrões do sistema educacional de Macau, o estabelecimento segue o “Primary Years Programme” do International Baccalaureate (IB), um programa educacional global que está presente em mais de uma centena de países, destinando-se a crianças entre os três e os 12 anos.

O director considera que esta abordagem, por um lado, oferece aos alunos da escola uma visão internacional. Por outro, assegura uma ligação com o sistema educativo da RAEM: tal como os jovens a estudar em Macau, os alunos da Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong finalistas do ensino secundário poderão inscrever-se em programas especiais de admissão a universidades de topo no Interior da China ou participar no exame unificado de acesso à Universidade de Macau, Universidade Politécnica de Macau, Universidade de Turismo de Macau e Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.

Uma das apostas da escola é o ensino ligado às novas tecnologias

O modelo de ensino do estabelecimento, acrescenta Lao Meng Ngai, também demonstrou ser atractivo no que toca à captação de docentes. Ao contrário do que é usual em Macau, a Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong estendeu a sua rede de recrutamento a todo o território nacional, o que permitiu atrair professores de diferentes origens. “Recebemos muitas candidaturas, com um grande número de docentes estrangeiros, assim como de Macau e do Interior da China”, diz. Actualmente, o estabelecimento conta com 25 professores: 14 provenientes do Interior da China, quatro de Macau e sete do exterior.

Educação multicultural

Sally Wang, do Interior da China, é professora de inglês na escola. Trouxe consigo uma vasta experiência de ensino adquirida não só no Interior da China, mas também em Macau e nos Estados Unidos da América.

A docente elogia o modelo da Escola Hou Kong, assente em quase um século de operações na RAEM, onde possui quatro pólos. Além do enfâse no inglês, Sally Wang nota que, nos próximos anos, será introduzido o ensino da língua e cultura portuguesas na escola em Hengqin.

“O português é uma língua oficial da RAEM e o nosso ensino abrangerá essa parte”, explica. “Isso não apenas ajuda os alunos a entender melhor a cultura local, mas também a aprimorar as suas capacidades no que toca a línguas estrangeiras e expande a sua visão no contexto global.”

A professora enfatiza igualmente a aposta num ensino focado no desenvolvimento de capacidades interdisciplinares, estimulando o raciocínio de cariz inovador. “No ensino primário, teremos seis unidades de investigação interdisciplinar, que cobrirão variados temas.”

Para a educadora de infância Catherine Chan, portadora de BIR de Macau, o emprego na Escola de Hengqin Anexa à Escola Hou Kong é a sua primeira experiência profissional, após a licenciatura em educação infantil no Interior da China. No entanto, trata-se de algo muito especial a título pessoal, já que é uma antiga aluna da Escola Hou Kong em Macau. “Sinto um forte sentido de pertença à Escola Hou Kong e quero transmitir os conhecimentos que adquiri aí à próxima geração”, afirma.

Ao abordar a filosofia pedagógica do estabelecimento em Hengqin, Catherine Chan destaca a importância da língua materna. Embora a escola utilize um ensino bilíngue assente no mandarim e no inglês, as crianças que falam também cantonês são incentivadas a não perder o seu uso. Essa valorização da identidade cultural local reflecte uma visão educativa abrangente: trata-se não apenas de ensinar conhecimentos académicos, mas também de fazer com que os alunos compreendam as suas raízes culturais, explica.

Catherine Chan acredita que um ambiente de aprendizagem internacional ajuda as crianças a desenvolver desde cedo a tolerância e o respeito pela diferença. Cada turma da escola conta com professores estrangeiros, permitindo que os alunos se familiarizem com diversos contextos culturais, reduzindo o medo do desconhecido e promovendo capacidades de comunicação e de interacção social, diz.

Observando que cada vez mais portadores de BIR de Macau estão a optar por viver em Hengqin, Catherine Chan está confiante que, à medida que as políticas no âmbito da Zona de Cooperação Aprofundada forem gradualmente implementadas, a ilha proporcionará maior comodidade e oportunidades de emprego a quem é proveniente da RAEM.