São 15 anos a trabalhar em conjunto para delinear novas formas de promover o desenvolvimento comum. O passo mais recente, a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, cria um modelo de administração inovador e solidifica as bases para a estabilidade económica da RAEM
Texto Tiago Azevedo
Quando, em 2009, o Conselho de Estado da República Popular da China deu o ponto de partida para o desenvolvimento de Hengqin, um projecto ambicioso e inédito que iria transformar a ilha num novo modelo de cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau, era difícil prever que hoje o cenário seria tão diferente. Os resultados alcançados em 15 anos são notáveis, mas com a chegada de 2024 aproxima-se o primeiro grande teste.
Este ano, será feita uma avaliação detalhada da primeira fase de implementação da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin, afirmou o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), Ho Iat Seng.
Ao discursar este ano na recepção da Primavera da Província de Guangdong, que teve lugar em Março, em Macau, o dirigente frisou a necessidade de se envidarem todos os esforços na construção da Zona de Cooperação Aprofundada e da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, introduzindo uma nova dinâmica no desenvolvimento sustentado de Guangdong e de Macau, de forma a servir melhor o desenvolvimento nacional.
Segundo Ho Iat Seng, 2024 é o “ano da grande prova para aferição da eficácia da primeira fase do ‘Projecto Geral’ de Hengqin”. Por essa razão, “é de grande responsabilidade assegurar a melhor prossecução dos trabalhos da cooperação Guangdong-Macau”, adiantou.
O Chefe do Executivo disse também, ao discursar noutra ocasião, que o Governo da RAEM está “empenhado em coordenar e acompanhar os respectivos trabalhos, a fim de corresponder à confiança e à alta expectativa depositadas pelo Presidente Xi Jinping e pelo Governo Central”. Nesse sentido, o Governo da RAEM “envidará todos os esforços para concretizar, no corrente ano, as metas da primeira fase do desenvolvimento” da Zona de Cooperação Aprofundada, ressalvou.
Na recepção da Primavera da Província de Guangdong, o governador da província de Guangdong, Wang Weizhong, acrescentou que, com a entrada em funcionamento da Zona de Cooperação Aprofundada como zona aduaneira autónoma, no passado dia 1 de Março, o desenvolvimento integrado entre Hengqin e Macau está a ser acelerado, e há cada vez mais investidores e quadros qualificados de diferentes campos que vêem com bons olhos o desenvolvimento de Hengqin, havendo também cada vez mais projectos ligados às “Quatro Novas” indústrias e empresas a instalarem-se em Hengqin.
As quatro indústrias integram a estratégia governamental “1+4” de diversificação da economia de Macau. O desenvolvimento prioritário deverá focar-se nas áreas da tecnologia de ponta, da “big health”, da indústria financeira moderna e das convenções, exposições, comércio, desporto e cultura, através do apoio do sector basilar do turismo e lazer.
O primeiro grande teste
O “Plano de Desenvolvimento Geral de Hengqin” foi anunciado em 2009, com o objectivo de posicionar a ilha como uma área de demonstração de um novo modelo de cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau. Uma década depois, foram publicadas as “Linhas Gerais do Planeamento para o Desenvolvimento da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau”, que conferiram a Hengqin um novo estatuto que incluía o seu desenvolvimento enquanto “ilha internacional de lazer e turismo”, apoiando o posicionamento de Macau enquanto centro mundial de turismo e lazer.
Cerca de dois anos depois, em Setembro de 2021, o Governo Central promulgou o “Projecto Geral de Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”, uma iniciativa sem precedentes, que estabelece uma maior integração regional e abrange toda a Ilha de Hengqin.
O Projecto Geral salienta que, em 2024, “ano do 25.º aniversário da RAEM, o mecanismo do sistema de negociação, construção e administração conjuntas e compartilha de resultados entre Guangdong e Macau irá funcionar bem, com uma concentração significativa de elementos inovadores, um desenvolvimento acelerado das indústrias características, uma articulação ordenada com Macau em termos de serviços públicos e sistema de segurança social, um aumento considerável de residentes de Macau a residirem e a trabalharem na Zona de Cooperação Aprofundada, estando a estrutura do desenvolvimento da integração de Macau e Hengqin preliminarmente estabelecida e o suporte à promoção do desenvolvimento da diversificação adequada da economia de Macau preliminarmente formado”.
Foram, entretanto, dados mais passos na persecução dos objectivos. Em Dezembro de 2023, foi divulgado o “Plano Geral do Desenvolvimento para a Construção da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin (2022-2035)”, também conhecido por “Plano Hengqin”. Este é um documento orientador que delineia um plano de desenvolvimento e as directrizes para a Zona de Cooperação Aprofundada nos próximos dez a 15 anos, estabelecendo objectivos mais concretos em relação às três fases anteriormente estabelecidas de 2024, 2029 e 2035.
Sistema sem precedentes
Segundo Edmund Sheng Li, especialista em economia política e políticas públicas ligado até recentemente à Universidade de Macau, a Zona de Cooperação Aprofundada criou um “modelo de administração único”, cujo mecanismo de gestão conjunta “permite a integração eficaz dos recursos e a agilização dos processos administrativos, facilitando o desenvolvimento da zona e atraindo investimento”.
Na opinião do académico, actualmente a leccionar na Universidade de Shandong, a Zona de Cooperação Aprofundada terá “um papel crucial” no desenvolvimento da RAEM, a começar pela “promoção da diversificação da economia de Macau, que tem sido, em termos históricos, fortemente dependente da indústria do jogo”, o que deixa a RAEM “vulnerável a choques externos e flutuações económicas”.
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“A Zona de Cooperação Aprofundada proporciona uma plataforma para Macau diversificar a sua economia, incentivando o desenvolvimento de novas indústrias, como o turismo, a saúde, as finanças e a tecnologia, viabilizando novas oportunidades de crescimento e criação de emprego para Macau”, diz Edmund Sheng em entrevista à Revista Macau. “Esta diversificação é essencial para garantir a estabilidade económica de Macau a longo prazo”, ao mesmo tempo que “aumentará a competitividade e resiliência globais de Macau face aos desafios económicos globais”, acrescenta.
O projecto da Zona de Cooperação Aprofundada, refere o professor, serve também “como uma plataforma-chave para a integração de Macau na Grande Baía, visando criar um cluster de cidades de classe mundial e promover o desenvolvimento regional coordenado”.
“Ao promover uma cooperação mais estreita entre Macau e Guangdong, a Zona de Cooperação Aprofundada permite a Macau aproveitar os vastos recursos, o potencial de mercado e as capacidades de inovação da Grande Baía, aumentando assim a sua própria competitividade e perspectivas de crescimento”, afirma Edmund Sheng.
Nesse sentido, já foram concretizados “progressos significativos” em termos de desenvolvimento de infra-estruturas em Hengqin, com a construção de projectos importantes, “como o Porto de Hengqin e a rede ferroviária de alta velocidade Guangzhou-Zhuhai”, sublinha o académico. “Estes projectos melhoraram muito a conectividade entre Macau e o Interior da China, facilitando o fluxo de pessoas, bens e serviços entre as duas regiões.”
Qualidade de vida
A Zona de Cooperação Aprofundada poderá ter mais de 5000 residentes de Macau a trabalhar e cerca de 20.000 a residir em Hengqin até ao final deste ano, segundo previsões oficiais. Após ter sido lançado, em 2020, o projecto “Novo Bairro de Macau” em Hengqin, os primeiros residentes começaram a receber as chaves das suas novas casas em Janeiro deste ano.
Este projecto é composto por cerca de 4000 fracções habitacionais, com funções integradas de saúde, instalações sociais e de educação, servindo como um projecto pioneiro na garantia de boas condições de vida aos residentes de Macau. Actualmente, há escolas, bancos, instalações sociais e públicas em pleno funcionamento em Hengqin, com vista a dar apoio ao quotidiano dos seus novos residentes.
O professor Edmund Sheng recorda que a dimensão limitada de Macau “tem colocado consistentemente desafios” ao desenvolvimento urbano e ao crescimento económico da cidade.
“A Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin expande efectivamente o espaço disponível para o desenvolvimento de Macau, permitindo a criação de novas áreas residenciais, distritos comerciais e parques industriais. Este espaço adicional é crucial para acomodar a crescente população de Macau e apoiar as suas futuras necessidades de desenvolvimento”, sublinha o académico.
Com o desenvolvimento de Hengqin, os residentes de Macau “terão acesso a uma gama mais ampla de opções de habitação, equipamentos e instalações recreativas”, realça. “Esta expansão do espaço de desenvolvimento ajudará a aliviar algumas das pressões associadas à elevada densidade populacional e à área limitada da cidade, melhorando, em última análise, a qualidade de vida dos residentes de Macau.”
Em termos empresariais, até ao final de Outubro, o número de empresas de Macau registadas na Zona de Cooperação Aprofundada superou as 6500, um aumento anual de 12,1 por cento, de acordo com dados divulgados pelas autoridades de Hengqin.
Em Abril, a Sucursal de Guangdong do Banco Popular da China lançou as “Medidas relativas à gestão da conta do comércio livre multifuncional da Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin”. Estas medidas pretendem implementar as orientações políticas relativas à gestão financeira transfronteiriça inovadora, à exploração de canais de fluxo livre de fundos transfronteiriços e ao reforço da ligação com o mercado financeiro de Macau.
Segundo a Autoridade Monetária de Macau, a “conta do comércio livre multifuncional” constitui “um elemento relevante para facilitar o comércio, o investimento e o financiamento transfronteiriços, promovendo, de forma eficaz, a cooperação financeira entre Macau e Hengqin, bem como a ligação dos mercados financeiros da Zona de Cooperação Aprofundada e de Macau”.
Modelo viável e exemplar
Chui Sai Cheong, presidente da Associação Comercial de Macau, refere que a Zona de Cooperação Aprofundada contempla oportunidades inéditas para a diversificação económica da RAEM. Os jovens, realça, têm agora mais possibilidades de prosperar, tirando partido das políticas de desenvolvimento nacional.
Considerando que a estrutura económica de Macau está numa fase de mudança, Chui Sai Cheong defende que os vários sectores devem aproveitar as oportunidades do projecto da Grande Baía e da Zona de Cooperação Aprofundada para “reforçar a resiliência e competitividade da cidade e criar condições para um desenvolvimento sustentável, proporcionando mais opções para os jovens”.
Edmund Sheng afina pelo mesmo diapasão. De acordo com o docente da Universidade de Shandong, o projecto que engloba Hengqin “reforçará a integração de Macau na Grande Baía e no resto do Interior da China”.
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“À medida que a conectividade entre Macau e Hengqin continua a melhorar através de projectos de infra-estruturas, Macau ficará mais estreitamente ligada a toda a região. Esta integração facilitará o fluxo de pessoas, bens e serviços, abrindo novos mercados e oportunidades para as empresas e residentes de Macau”, assevera.
O académico acrescenta que o sucesso da Zona de Cooperação Aprofundada será a “prova da eficácia e adaptabilidade” do princípio “um país, dois sistemas”.
“Ao permitir que Macau mantenha os seus sistemas e modo de vida únicos, ao mesmo tempo que aprofunda a sua integração com o Interior da China, a Zona de Cooperação Aprofundada demonstra a viabilidade deste modelo de administração inovador e o seu potencial para promover a cooperação mutuamente benéfica”, garante. Deste modo, adianta, a Zona de Cooperação Aprofundada “poderá também servir de modelo para outras regiões que procuram promover a colaboração transfronteiriça e a integração económica”.
“Este exemplo positivo reforçará a reputação de Macau no panorama global e atrairá mais atenção e investimento internacional para a região”, afiança Edmund Sheng.
Um destino turístico
Actualmente, além de um novo lar para viver, trabalhar e investir, a Zona de Cooperação Aprofundada é também uma atracção turística e de lazer, tal como foi estipulado no Projecto Geral. Um dos objectivos no campo do turismo é a criação de produtos que promovam o conceito “uma viagem multi-destinos”. A intenção é que os turistas da Grande Baía circulem por várias zonas da região, dando especial ênfase à complementaridade entre Macau e Hengqin.
Desde Maio que está em vigor a nova política de vistos de grupo de múltiplas entradas entre Macau e Hengqin, permitindo que visitantes do Interior da China possam entrar e sair da RAEM sem limitações durante um período de sete dias, recorrendo a um mesmo visto.
As indústrias dos eventos e turismo são aquelas que mais poderão beneficiar com a medida do Governo Central, aplaudida por diversos representantes daqueles sectores.
O novo tipo de visto alarga substancialmente os horizontes das empresas de Macau ligadas à organização de eventos, refere Alan Ho Hoi Meng, presidente da Associação dos Sectores de Convenções, Exposições e Turismo de Macau. A nova política, avança, abre espaço para que possam ser utilizadas as infra-estruturas de Hengqin para, por exemplo, exposições ou actividades ao ar livre.
Para o académico José Wong Weng Chou, docente da Faculdade de Hospitalidade e Gestão Turística da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST, na sigla em inglês), “Hengqin e Macau podem ser um exemplo” no que toca ao desenvolvimento de produtos envolvendo vários destinos numa única viagem. José Wong nota que Hengqin, por exemplo, tem dimensão para acolher grandes parques temáticos, complementando a oferta turística de Macau.
O director da Faculdade de Turismo Criativo e Tecnologias Inteligentes da Universidade de Turismo de Macau, Max Zhao Weibing, concorda que Macau possui recursos turísticos singulares ligados à sua cultura, história e arquitectura, mas com recursos naturais escassos. “Creio que os turistas podem sentir apetência por pontos turísticos naturais: nesse sentido, Hengqin pode ter um papel complementar”, afirma.
Hengqin é dotada de uma vasta área de espaços verdes. De acordo com dados oficiais, a ilha possui uma área verde total de 62,45 quilómetros quadrados, o equivalente ao dobro da área total da RAEM. A taxa de zonas verdes em Hengqin atinge 58,7 por cento.
No ano passado, o número de turistas que visitaram os principais pontos turísticos de Hengqin atingiu mais de 11,6 milhões, um aumento anual de 341,5 por cento face a 2022.