Abrir portas aos idosos

Alguns idosos, de um total superior a 900 candidaturas, já começaram a residir nos novos apartamentos da Residência do Governo para Idosos
O Governo inaugurou em Setembro um edifício integralmente adaptado para idosos de Macau. O projecto, elogiado por ter sido concebido a pensar na inclusão, pode ser a base para melhor delinear a política de habitação da região

Texto Tony Lai

A Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) abriu um novo capítulo no que diz respeito aos cuidados e serviços prestados aos idosos, com a inauguração, a 26 de Setembro, da nova Residência do Governo para Idosos. O projecto visa melhorar as condições de vida e o bem-estar geral da população idosa face ao progressivo envelhecimento demográfico em Macau.

Localizada no Lote P da Areia Preta, na península de Macau, a Residência do Governo para Idosos ocupa uma área total de 125 mil metros quadrados, composta por um total de 1815 apartamentos residenciais distribuídos por duas torres de 37 andares. O complexo alberga também três pisos subterrâneos destinados a lugares de estacionamento.

Com um custo superior a 2,1 mil milhões de patacas, o complexo residencial foi integralmente adaptado para idosos, estando repleto de diversas infra-estruturas que encorajam à participação em actividades comunitárias, tais como uma ampla plataforma ajardinada e um clube recreativo com uma área de 3 mil metros quadrados. O clube oferece uma variedade de instalações, incluindo uma sala para espectáculos de ópera cantonense, uma sala de karaoke, um ginásio e uma sala de leitura.

Segundo a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Ao Ieong U, na actual “conjuntura em que Macau transita para uma sociedade envelhecida, o Governo da RAEM lançou proactivamente uma série de iniciativas (…) mobilizando a comunidade para facilitar uma vida plena aos cidadãos idosos e promover a sua integração na comunidade”.

“Servindo como um esforço interdepartamental fundamental do Governo da RAEM, o desenho da Residência do Governo para Idosos atende meticulosamente às necessidades práticas dos nossos residentes idosos”, salientou a governante durante a cerimónia de inauguração do complexo, no final de Setembro.

Este conceito inovador de alojamento especializado para idosos foi inicialmente proposto nas Linhas de Acção Governativa para o Ano Financeiro de 2020, com o objectivo de aliviar os desafios enfrentados pela população idosa, especialmente aqueles que residem em edifícios antigos sem elevadores. A iniciativa faz parte da estrutura da habitação de Macau, dividida em cinco classes: habitação social, especificamente para arrendamento; habitação económica, fracções públicas para venda; habitação intermédia, destinada nomeadamente a residentes não elegíveis para habitação económica; as residências para idosos; e a habitação privada.

Inclusão e bem-estar

Segundo Ao Ieong U, além de proporcionar um ambiente confortável, a Residência do Governo para Idosos “integra tecnologia de ponta, um sistema doméstico inteligente e instalações concebidas a pensar na inclusão”.

O complexo residencial é composto por duas torres de 37 andares

O projecto, realçou, “dispõe ainda de um clube, um centro de saúde para idosos, apoio de emergência, assistência social e outros serviços essenciais, todos destinados a garantir a segurança e a participação comunitária activa” dos residentes idosos.

Os apartamentos residenciais do novo complexo público para idosos foram concebidos para servir residentes permanentes da RAEM com 65 anos ou mais, oferecendo a flexibilidade de inscrição individual ou em pares. No caso de candidaturas conjuntas, um membro deve cumprir o requisito de idade igual ou superior a 65 anos, enquanto o segundo membro tem de ter pelo menos 60 anos. Esta opção está aberta não só a casais, mas também a familiares e amigos que se candidatem em conjunto.

As taxas mensais de utilização a pagar por estes apartamentos variam entre as 5410 patacas e as 6680 patacas. No entanto, para os candidatos habilitados que apresentaram, entre 6 de Novembro e 31 de Dezembro de 2023, a candidatura às primeiras 1518 unidades, a taxa de utilização – durante o período de vigência do primeiro acordo de utilização de três anos – é calculada com uma redução de 20 por cento por mês, de acordo com os regulamentos em vigor.

Durante a primeira fase de candidaturas, no ano passado, o Instituto de Acção Social (IAS) recebeu mais de 1500 candidaturas ao primeiro lote de apartamentos, representando mais de 2200 idosos locais – entre os quais cerca de 780 requerentes individuais e cerca de 1420 pedidos apresentados por duas pessoas.

Segundo dados do IAS, foi dada prioridade a idosos que vivem sozinhos ou em edifícios antigos sem elevadores. Até meados de Outubro, mais de 1300 idosos – de um total superior a 900 candidaturas – já tinham procedido à selecção do apartamento residencial.

O complexo entrou oficialmente em funcionamento a 15 de Outubro, com a gradual ocupação dos apartamentos pelos idosos que seleccionaram as unidades na primeira fase de candidatura, sendo que a ocupação dos restantes apartamentos residenciais já seleccionados terá lugar em 2025. No primeiro dia, o IAS organizou a assinatura do acordo de utilização com cerca de 40 candidatos idosos elegíveis.

Aumentar a oferta

Paul Pun Chi Meng, secretário-geral da Cáritas de Macau, uma organização sem fins lucrativos que gere serviços para idosos na cidade, elogia o projecto da Residência do Governo para Idosos, visto que ajuda a expandir as opções de alojamento para a população idosa.

“Estas residências destinam-se mais a idosos com maiores recursos financeiros”, afirma o responsável, acrescentando que a oferta complementa as mais de mil unidades de habitação social disponíveis para idosos locais com recursos financeiros limitados e com rendas mensais mais baixas. Estes apartamentos de habitação social estão espalhados pelo Edifício Cheng Chong na Ilha Verde, o Edifício Fai Fu no Fai Chi Kei e o Edifício Toi Fai em Toi San.

A Residência do Governo para Idosos, sublinha Paul Pun, desempenha um “papel crucial” ao aliviar a crescente escassez de instalações de cuidados a idosos, uma vez que os residentes nesta faixa etária enfrentam um período de espera de pelo menos 18 meses para garantir um lugar num dos lares de idosos na região.

À medida que a população local continua a envelhecer, prevê-se que o tempo de espera nas instalações de cuidados a idosos aumente. Em 2020, os indivíduos com 65 ou mais anos constituíam mais de 14 por cento da população local, um número que deve ultrapassar os 21 por cento até 2029, de acordo com as Projecções da População de Macau (2022-2041) da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos.

“A Residência do Governo para Idosos destina-se a idosos com capacidade de autocuidado, que procuram algum nível de assistência e apoio de emergência, ao mesmo tempo que pretendem uma maior autonomia e privacidade em comparação com os centros tradicionais de cuidados a idosos”, refere Paul Pun. “A Residência do Governo para Idosos pode melhorar significativamente a qualidade de vida dos nossos idosos locais.”

Cada apartamento está mobilado com uma cama de solteiro ou duas camas de solteiro, bem como dispõe de decoração básica, cozinha, mobiliário, eletrodomésticos e uma casa de banho totalmente equipada. Estas unidades estão também equipadas com dispositivos de gerontecnologia – soluções tecnológicas concebidas para adaptar os ambientes em que vivem os idosos – que emitem alertas de incêndios e inundações e auxiliam em casos de emergência.

Além disso, a Residência do Governo para Idosos dispõe de três restaurantes e estabelecimentos de comida no primeiro piso, e irá também contar com um supermercado.

O complexo alberga ainda um centro de apoio 24 horas e um centro de saúde para idosos, num esforço colaborativo entre o IAS e os Serviços de Saúde. Este centro de saúde irá oferecer uma vasta gama de serviços, contando com uma equipa de diferentes profissionais médicos e integrando serviços de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação, de modo a fornecer uma série de apoios de saúde aos idosos residentes. A conveniência será também alargada aos idosos através de serviços de telemedicina.

Os apartamentos foram integralmente adaptados para serem utilizados por idosos

Além disso, o IAS estabeleceu também uma parceria com a União Geral das Associações de Moradores de Macau para lançar uma aplicação móvel focada no apoio a idosos que vivem sozinhos.

Transição suave, mais oferta

Chow Wai Yee, membro da Comissão para os Assuntos do Cidadão Sénior, defende o envolvimento das associações locais na formação de equipas de voluntários para apoiar os idosos durante o período de transição para o novo complexo residencial do Governo. “Muitos destes idosos provavelmente residiram nas suas casas durante décadas, estabelecendo laços profundos com vizinhos das suas comunidades”, salienta a responsável. “A adaptação a um novo ambiente exigirá, sem dúvida, tempo (…) e é crucial abordar atentamente as suas necessidades [durante esta fase inicial]”, acrescenta.

No entanto, esta mudança representa um passo positivo para estes idosos, salienta a também secretária-executiva da Associação de Reabilitação Fu Hong de Macau. “O Governo estimou que cerca de 5000 a 6000 idosos vivem sozinhos ou como casais em edifícios antigos e sem elevadores, estando muitos destes edifícios em mau estado devido à gestão inadequada do imóvel. Assim, a Residência do Governo para Idosos melhora significativamente as condições de vida dos idosos”, sublinha.

Após a inauguração do novo complexo residencial para idosos, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego começou a reforçar a segurança dos peões através da implementação de semáforos nas estradas adjacentes ao edifício. Serão também adicionadas paragens de autocarro, melhorando a acessibilidade à rede de transportes para os residentes idosos.

Com o actual desconto de 20 por cento aplicável por apenas três anos, Chow Wai Yee ressalva a necessidade de o Governo considerar estender esse período ou rever o esquema de arrendamento no futuro para que os requisitos estejam alinhados com a capacidade financeira dos inquilinos e para tornar este projecto mais apelativo para os idosos. Chow Wai Yee defende ainda que deveria ser planeada a construção de mais residências para idosos, dada a procura que se verificou por este primeiro complexo.

O Estudo sobre a Política de Habitação para Fins Residenciais da RAEM, publicado em 2022 pela Direcção dos Serviços de Estudo de Políticas e Desenvolvimento Regional, apontava que a procura por residências para idosos atingiria 2800 fracções no próximo ano, subindo para 3400 unidades no ano de 2030. De acordo com o documento, “após a conclusão do projecto pioneiro de residência para idosos, o Governo da RAEM irá determinar o número de fracções a serem construídas, tendo em conta a análise da proporção da população idosa, os dados de imóvel próprio, as características do imóvel próprio”, bem como “a situação concreta do pedido dos idosos”.

Para a deputada Ella Lei Cheng I, este projecto pioneiro deve servir para melhorar o planeamento futuro das necessidades habitacionais dos idosos. “Ao recolher meticulosamente informações sobre vários aspectos, como as taxas de utilização, o planeamento das infra-estruturas e as instalações da Residência do Governo para Idosos, o Governo pode melhorar a qualidade dos projectos futuros”, afirma. “Dados os amplos recursos disponíveis em termos de terrenos públicos, o Governo está numa posição confortável para construir rapidamente unidades habitacionais adicionais para idosos, se tal for considerado necessário.”

Esforços concertados

Tendo em conta as actuais infra-estruturas que fazem parte da Residência do Governo para Idosos, a deputada sublinha a importância de alargar continuamente o leque de instalações e serviços disponíveis para os idosos, incluindo a prestação de serviços de apoio domiciliário. “Enquanto a Residência do Governo para Idosos serve pessoas com capacidade de autocuidado, esses idosos podem eventualmente deparar-se com acidentes ou doenças súbitas que necessitam de serviços de atenção domiciliar de forma intermitente”, exemplifica Ella Lei.

Actualmente, no âmbito da Residência do Governo para Idosos, para os residentes sem plena capacidade de autocuidado está disponível a opção de solicitar que um cuidador resida com eles e faça a gestão das suas necessidades diárias, sujeito a aprovação do IAS. Nos actuais regulamentos, não existem restrições específicas na relação entre os idosos e os cuidadores.

“Além dos sistemas de previdência social, pensões e benefícios existentes, a Residência do Governo para Idosos amplia ainda mais o leque de medidas de apoio aos idosos”, realça Ella Lei. “No entanto, dado o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida dos residentes, mais esforços são necessários para atender às crescentes necessidades dos idosos”, adianta.

Uma opinião que tem eco nos comentários de Chow Wai Yee. “Alguns idosos residentes em edifícios mais antigos podem optar por sair da Residência do Governo para Idosos, preferindo permanecer nas comunidades a que chamam casa há décadas”, observa. “Por isso, é imperativo que o Governo continue a melhorar os serviços e a prestação de cuidados aos idosos dentro dessas comunidades, como a incorporação de mais produtos e soluções de gerontecnologia, além de procurar aumentar as cotas em lares de idosos, para melhorar o bem-estar geral destes residentes.”