Diversificação económica

Saúde para todos

O Hospital Macau Union tem uma área bruta total de cerca de 308.000 metros quadrados
A complexidade e as necessidades do sector da saúde representam um desafio exigente, mas Macau tem as prioridades bem definidas. A indústria da “big health” de medicina tradicional chinesa faz parte do plano de diversificação económica do Governo e o novo complexo hospitalar irá alavancar o desenvolvimento do sector

Texto Tony Lai

“As bases da medicina tradicional chinesa em Macau são bastante sólidas e abundantes.” A afirmação é de Cheong Weng Heng, presidente da Associação dos Investigadores, Praticantes e Promotores da Medicina Chinesa de Macau, que diz que “existem, em Macau, muitos praticantes experientes na área da medicina tradicional chinesa”. 

“O sector da medicina tradicional chinesa tem potencial para um maior desenvolvimento”, assegura o mesmo responsável. 

Embora a medicina ocidental continue a ser uma pedra basilar nos cuidados de saúde em Macau, a prática milenar da medicina tradicional chinesa continua a ser bastante procurada pelos benefícios que apresenta em termos de tratamentos e recuperação. 

O sector deverá ainda ganhar maior relevância no âmbito da estratégia de diversificação adequada da economia “1+4” do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), com a medicina tradicional chinesa destinada a desempenhar um papel fundamental na promoção da indústria local de cuidados de saúde.

A “big health”, com especial enfoque na medicina tradicional chinesa, é uma das indústrias consideradas de desenvolvimento prioritário – em paralelo com as áreas da tecnologia de ponta, das finanças modernas, das convenções e exposições, de comércio, desporto e cultura –, através do apoio do sector basilar do turismo e lazer.

No Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da Região Administrativa Especial de Macau (2024-2028), publicado no final do ano passado, as autoridades sublinharam a importância de desenvolver a área da “big health” de medicina tradicional chinesa, o que passa por modernizar a indústria, promover a investigação e internacionalização do sector, acelerar o desenvolvimento académico-científico e transformar Macau num centro regional de saúde no país.

Nos últimos anos, registaram-se, em Macau, progressos significativos no que toca a infra-estruturas de investigação e desenvolvimento na área da medicina tradicional chinesa, como a criação do Laboratório de Referência do Estado para Investigação de Qualidade em Medicina Chinesa, estabelecido conjuntamente pela Universidade de Macau e a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. 

A criação do Centro de Investigação e Desenvolvimento em Medicina Chinesa de Macau, na Universidade de Macau, e do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação Guangdong-Macau (GMTCM, na sigla em inglês) demonstram também o compromisso das autoridades de Macau em nutrir o sector da medicina tradicional chinesa.

O Parque GMTCM, que cobre uma área de 500 mil metros quadrados na vizinha ilha de Hengqin, foi inaugurado em 2011 para impulsionar a industrialização e a internacionalização da indústria local da medicina tradicional chinesa, contribuindo para a diversificação económica de Macau. Até Julho de 2024, um total de 231 empresas de Macau, do Interior da China e de outros países estavam registadas no Parque GMTCM, concentrando-se no fabrico de produtos farmacêuticos e equipamento médico, entre outros.

Fabricado em Hengqin, registado em Macau

Olhando para o futuro da medicina tradicional chinesa e da indústria da “big health”, o plano de diversificação económica do Governo enfatiza o reforço da colaboração entre as instituições académicas de Macau e as empresas farmacêuticas do Interior da China, com vista a impulsionar a investigação e o desenvolvimento de novos produtos de medicina tradicional chinesa. O plano destaca ainda a sinergia entre Macau, o Parque GMTCM e a Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin como fundamental para o desenvolvimento do sector, procurando incentivar os intervenientes da indústria a tirar partido das políticas e medidas anunciadas pelos dois lados de forma a promover a inovação e a criação de produtos registados em Macau, cuja investigação e produção tenha sido desenvolvida em Hengqin.

Recentemente, as autoridades da Zona de Cooperação Aprofundada divulgaram uma orientação abrangente destinada a dar um novo ímpeto à indústria da “big health”, bem como aos esforços para promover a diversificação da economia de Macau. Entre as principais medidas delineadas estão incentivos monetários, como um apoio anual de até 40 milhões de renminbis (cerca de 45 milhões de patacas) para grandes empresas de saúde envolvidas no sector da medicina tradicional chinesa e no fabrico de produtos farmacêuticos em Hengqin, com registo em Macau. Além disso, as empresas envolvidas na investigação e desenvolvimento de produtos inovadores de medicina tradicional chinesa poderão receber bónus pecuniários no valor de até 150 milhões de renminbis por ano. São também oferecidos subsídios equivalentes a 30 por cento em investimentos superiores a 1,5 mil milhões de renminbis no sector, incentivando ainda mais o desenvolvimento e a inovação no sector.

O Parque GMTCM visa impulsionar a industrialização e a internacionalização da indústria local da medicina tradicional chinesa

Cheong Weng Heng reconhece que tanto o Parque GMTCM como a Zona de Cooperação Aprofundada podem facilitar o desenvolvimento do sector local da medicina tradicional chinesa. “O parque industrial atraiu o estabelecimento de inúmeras empresas que abrangem diversos aspectos da cadeia industrial da medicina tradicional chinesa”, observa o responsável. “O parque industrial promoveu também colaborações com outras regiões, facilitando a exportação e a expansão do mercado de produtos de medicina tradicional chinesa.”

No final de Junho de 2024, o Parque GMTCM facilitou o registo de 13 produtos farmacêuticos de medicina tradicional chinesa de empresas de Macau e do Interior da China em Moçambique, bem como nove produtos no Brasil. Estes produtos incluem ofertas de medicina tradicional chinesa de empresas de Macau, como a Fábrica de Medicina Chinesa Cheong Kun e a Fábrica de Produtos Farmacêuticos Macau-Union, Lda.

Novos regulamentos

Segundo Cheong Weng Heng, os avanços no que diz respeito às regulamentações e políticas relevantes também contribuíram para consolidar o crescimento do sector da medicina tradicional chinesa. Nomeadamente, adianta, a criação do Instituto para a Supervisão e Administração Farmacêutica (ISAF), em 2022, e a implementação da “Lei da actividade farmacêutica no âmbito da medicina tradicional chinesa e do registo de medicamentos tradicionais chineses” desempenharam um papel fundamental no progresso observado nos últimos anos.

“Após a criação do ISAF e a aplicação dos regulamentos subsequentes, foi criado um sistema de registo e gestão de qualidade na área da medicina tradicional chinesa alinhado com as normas internacionais”, explica Cheong Weng Heng. “Isto demonstra a dedicação de Macau em melhorar a supervisão no sector da medicina tradicional chinesa, garantindo a sua segurança, eficácia e qualidade.”

Em linha com o plano de diversificação adequada da economia, o Governo da RAEM espera um aumento sustentado do valor acrescentado da indústria da medicina tradicional chinesa entre 2024 e 2028, após ter alcançado 320 milhões de patacas em 2022. As autoridades pretendem também que o número de fábricas de medicamentos tradicionais chineses e de fábricas de produtos alimentares de “big health” – que se cifrava em 16 em 2022 – aumente até 2028. Também o número de medicamentos tradicionais chineses registados em Macau deverá conhecer um “aumento significativo” comparativamente aos seis registados no final de 2022.

Turismo médico

Apesar da ausência de uma definição unificada para a indústria da “big health”, Joey Lao Chi Ngai, presidente da Associação Económica de Macau, enumera seis áreas-chave para o desenvolvimento do sector, com foco na medicina tradicional chinesa: produtos farmacêuticos; equipamento médico; produtos relacionados com a saúde, como suplementos e artigos médicos para a pele; turismo médico e de saúde; cuidados médicos a idosos; e serviços como seguros de saúde.

“Embora a escala actual do sector da medicina tradicional chinesa de Macau seja ainda relativamente pequena, o interesse no seu desenvolvimento tem aumentado constantemente nos últimos anos”, observa Joey Lao. “Isso é evidente através do estabelecimento de empresas de medicina tradicional chinesa e de cuidados de saúde de renome no Interior da China e em Macau, além dos planos de expansão de empresas locais e de empresas farmacêuticas.”

No início do corrente ano, a Associação Económica de Macau divulgou um relatório de 122 páginas que analisa estratégias de desenvolvimento a curto e médio prazo para a indústria da “big health” em Macau. Destacando o potencial do turismo médico e de saúde em Macau, o relatório realça o ambiente favorável ao desenvolvimento deste segmento devido ao número de resorts integrados de classe mundial, aliado ao elevado número de turistas que a cidade recebe anualmente. Os dados oficiais revelam que Macau recebeu 28,21 milhões de turistas em 2023, cerca de cinco vezes mais do que no ano anterior. Em 2019, antes da pandemia da COVID-19, o número de visitantes atingiu o valor recorde de 39,4 milhões.

“O avanço do turismo médico e de saúde de Macau deve estar alinhado com as condições do turismo local, enfatizando a gestão da saúde e a melhoria dos serviços médicos tradicionais”, sublinha Joey Lao. De acordo com o relatório, os produtos de turismo médico da cidade podem ser integrados tanto na medicina ocidental como na medicina tradicional chinesa, abrangendo, por exemplo, exames de saúde com terapias da medicina tradicional chinesa, como a acupunctura, a moxibustão, a massagem e a ventosaterapia. 

As clínicas médicas privadas também podem desenvolver produtos de turismo médico, como a medicina estética, exames médicos e vacinas. “Ao focarem-se nestes aspectos, os visitantes de Macau poderão desfrutar de experiências de viagem únicas aliadas a serviços médicos de qualidade”, acrescenta o presidente da Associação Económica de Macau.

Novo hospital

Neste contexto, o Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas – Centro Médico de Macau do Peking Union Medical College Hospital (Hospital Macau Union) afigura-se como um elemento fundamental no desenvolvimento do turismo médico em Macau. 

O Hospital Macau Union, situado na zona adjacente à Estrada do Istmo, no Cotai, é gerido conjuntamente pelo Governo da RAEM e pelo conceituado Peking Union Medical College Hospital. 

Segundo a secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, Ao Ieong U, o Peking Union Medical College Hospital destacou mais de 50 médicos especialistas e pessoal médico para Macau. O novo complexo hospitalar – que iniciou operações, a título experimental, em Dezembro de 2023 – presta já tratamentos em 24 especialidades médicas, adiantou a governante em comentários no início de Agosto. 

O Hospital Macau Union entra oficialmente em funcionamento em Setembro

A mesma responsável disse ainda esperar que os trabalhos de recrutamento do pessoal médico para o Hospital Macau Union possam ser finalizados “ainda este ano”, com a contratação de um total de 400 profissionais.

Para Joey Lao, “embora os serviços de saúde primários de Macau tenham merecido o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde”, a intenção de desenvolver o turismo médico e de saúde enfrentava “grandes desafios até à criação do Hospital Macau Union”.

“Aproveitando o prestígio do Peking Union Medical College Hospital, bem como tirando partido de equipamentos médicos de última geração e de uma gama diversificada de medicamentos, o novo hospital está preparado para emergir como uma instituição médica líder na área da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, podendo até estender a sua influência ao Sudeste Asiático e até a outras geografias”, refere Joey Lao.

E acrescenta: “Equipado com clínicas de turismo médico, um centro de gestão de saúde, serviços reprodutivos, enfermarias de internamento de elevada qualidade e ofertas especializadas, como medicina estética, tratamento de tumores e serviços de medicina tradicional chinesa, o novo hospital está preparado para impulsionar o crescimento do turismo médico e de saúde em Macau”.

O novo complexo hospitalar – que entra oficialmente em funcionamento este mês de Setembro – tem uma capacidade de 800 camas hospitalares e 26 salas para operações. A instituição irá oferecer também equipamentos médicos avançados, tais como um sistema de radioterapia adaptativa com recurso a inteligência artificial e um acelerador linear multifuncional com um conjunto de novas tecnologias de irradiação para tratamento de cancro.

De acordo com o plano de diversificação adequada da economia, o Governo da RAEM pretende posicionar o novo hospital como um “centro regional de saúde de nível nacional”. O objectivo passa por atrair um maior número de visitantes que procuram experiências especializadas de turismo médico, acrescenta o documento.

Promoção e abrangência

De acordo com a deputada Wong Kit Cheng, o novo complexo hospitalar “não só irá satisfazer as crescentes necessidades médicas dos residentes de Macau, como também deverá atrair potenciais utentes do exterior”. 

Para que tal aconteça, acrescenta, “o Governo deve intensificar os esforços de promoção fora de Macau para dar a conhecer a vasta gama de serviços e pessoal médico especializado do hospital, permitindo que um público mais vasto passe a conhecer os serviços médicos de Macau”.

“À medida que o Hospital Macau Union se torna numa instituição mais reconhecida entre os turistas, haverá uma mudança gradual na procura de serviços e tratamentos médicos na cidade”, afirma a deputada, que é também vice-presidente da Associação Promotora de Enfermagem de Macau. “Consequentemente, isto também estimulará o desenvolvimento de sectores relacionados, como os seguros médicos e os serviços intermédios de turismo médico.”

O relatório da Associação Económica de Macau traçou um panorama geral sobre as instituições médicas em Macau. Segundo o estudo, com a abertura do Hospital Macau Union, a cidade passou a contar com cinco hospitais, 13 instituições médicas afiliadas ao Governo e 719 clínicas privadas, incluindo 150 clínicas de medicina tradicional chinesa. No final de 2023, estes cinco hospitais disponibilizavam colectivamente 1882 camas, o que representa um rácio de 2,8 camas por 1000 doentes.

Para promover o crescimento da indústria da “big health”, as autoridades de Macau pretendem também agilizar os processos de aprovação e os mecanismos de licenciamento de instituições médicas. A visão inclui a introdução de uma nova categoria de instalações médicas – os hospitais de dia – estrategicamente posicionadas entre os hospitais e clínicas tradicionais. Isto permitirá flexibilizar a autorização de alguns serviços que actualmente só podem ser prestados nos hospitais, como, por exemplo, procriação medicamente assistida, terapia avançada, cirurgia estética, entre outros.

Wong Kit Cheng afirma que este é um passo na direcção certa. “A actual regulamentação não tem acompanhado as últimas alterações na sociedade e a crescente procura por serviços médicos mais diversificados por parte dos utilizadores”, refere a deputada. “Se não se evoluir, acabar-se-á por sobrecarregar inadvertidamente os nossos hospitais e limitar as opções de tratamento oferecidas aos utilizadores.”

Profissionais qualificados

No final de 2023, Macau contava com 1980 médicos, 2980 enfermeiros, 728 praticantes de medicina tradicional chinesa e 306 dentistas. A proporção de profissionais médicos em relação à população cifrava-se em, respectivamente, 2,9 médicos e 4,4 enfermeiros por 1000 residentes.

“No que toca à prestação de serviços médicos, embora seja necessária uma infra-estrutura avançada e equipamentos modernos, a experiência dos médicos continua a ser o principal factor que influencia a qualidade do serviço”, destaca Wong Kit Cheng.

Nesse sentido, prevê-se que a integração dos serviços médicos, de educação e de investigação no novo complexo hospitalar ajude a melhorar a qualidade e a experiência dos profissionais locais, afirma a deputada. Além disso, o hospital poderá oferecer também programas de formação profissional, intercâmbios académicos e outro tipo de iniciativas em colaboração com entidades privadas locais e organizações sem fins lucrativos com o intuito de formar um maior número de profissionais locais, adianta.

Além de pessoal para os hospitais, Wong Kit Cheng diz que é também preciso satisfazer as necessidades de mão-de-obra em todo o espectro da indústria da saúde, incluindo nas empresas farmacêuticas. A deputada defende que deve ser efectuada uma avaliação abrangente das necessidades de mão-de-obra da indústria, para se delinear uma política correcta e eficaz, abrangendo o cultivo de talentos locais e a importação de profissionais qualificados.

A formação de quadros para a indústria da “big health” e para a medicina tradicional chinesa surge como uma prioridade no plano de diversificação económica. “[O Governo] irá impulsionar os programas de formação conjunta com as instituições de ensino superior do exterior, nomeadamente cursos de duplo doutoramento em farmácia, na área do envelhecimento cognitivo, em medicina clínica e em farmácia clínica”, destaca o documento, delineando também o objectivo de aumentar o número de cursos de ensino superior relacionados com a indústria de “big health” de medicina tradicional chinesa de 34, no final de 2022, para 45 até 2028. 

Além disso, as autoridades pretendem também promover o intercâmbio entre os praticantes de medicina tradicional chinesa do Interior da China e de Macau através da organização de uma série de seminários, fóruns e workshops, conforme detalhado no plano de diversificação adequada da economia.

Métodos de financiamento

Paralelamente ao desenvolvimento de talentos, Joey Lao frisa a necessidade de se criar uma política sustentada e de apoio financeiro para impulsionar o crescimento da indústria da “big health”. Nomeadamente, ressalva, algumas grandes empresas de prestação de cuidados de saúde em Macau manifestaram preocupação em relação aos elevados custos operacionais comparativamente a outras regiões, bem como o limitado número de opções de financiamento. Para as entidades que pretendem investir na indústria da ‘big health’ em Macau, o Presidente da Associação Económica de Macau defende um maior envolvimento do sector financeiro local, propondo encorajar o sector financeiro a criar linhas de crédito específicas para o financiamento de grandes empresas da área da saúde, bem como para start-ups de Macau.

“O Governo poderia introduzir um regime específico de garantia ao financiamento adaptado para as grandes empresas e start-ups da área da saúde, facilitando o acesso ao financiamento”, remata.