O denominado “bolo frio”, assim como os bolos de feijão vermelho, são especialidades que granjearam fama à Pastelaria Ng Teng Kei. O negócio, a celebrar 75 anos de existência, mantém-se fiel às raízes: continua sob gestão da família do fundador – agora na terceira geração – e toda a produção é artesanal
Texto Cherry Chan
Fotografia Lei Heong Ieong
São os conhecimentos passados de geração em geração que dão aos produtos da Pastelaria Ng Teng Kei um sabor especial. O negócio, que ganhou nome na zona de S. Lourenço, comemora em 2024 os seus 75 anos: tal como no passado, são muitos os locais – e agora turistas – que se deslocam propositadamente a esta área da cidade para comprar os seus afamados e exclusivos bolos de feijão vermelho. No Inverno, virão para experimentar o “bolo frio”, outra especialidade disponibilizada.
O nome da pastelaria tem origem na alcunha “tio não pára”, pela qual era carinhosamente conhecido o fundador, Ung Iok Chun, pela forma empenhada como se dedicava ao trabalho, em conjunto com a sua esposa. O nome colou-se-lhe de tal forma que o próprio decidiu utilizá-lo para o negócio e assim nasceu a designação Pastelaria Ng Teng Kei, baseada na pronúncia em cantonense da expressão “não pára” (“ng teng”).
Do fundador, o negócio passou para o filho, Ng Kuok Weng. Este começou ainda jovem a ajudar o pai, retendo dele o espírito de dedicação ao ofício.
A arte de dominar o feijão
Hoje, a gestão da Pastelaria Ng Teng Kei recai sobre uma nova geração. É Ng Chi Kwong, neto do fundador, que assegura o negócio, mantendo as receitas e métodos artesanais criados desde os tempos do avô.
O responsável explica que, inicialmente, o seu avô apenas vendia gelatina chinesa de ervas, também conhecida como “gelatina negra” ou, em inglês, “grass jelly”. No entanto, esse era um negócio sazonal, de Verão. “Então, alguns vizinhos sugeriram à nossa família que podíamos vender ‘bolo frio’ no Inverno.”
Tal trata-se de uma especialidade de Chaozhou, de onde era natural Ung Iok Chun, na província de Guangdong. Crocante no exterior e macio no interior, com aroma a ovos, este bolo deve o seu nome ao facto de ser apenas servido durante o tempo mais frio, nomeadamente no Inverno – isto porque, durante o Verão, as altas temperaturas podem derreter o açúcar colocado no seu exterior, afectando a sua textura crocante.
Já a invenção do bolo de feijão vermelho – inicialmente apenas vendido no Inverno, mas agora disponível todo o ano – surgiu da constatação do fundador de que era necessário um maior leque de produtos para assegurar a sustentabilidade do negócio. Sendo um apreciador de feijão vermelho, Ung Iok Chun “cozinhava e fazia sempre pratos novos” à base deste ingrediente, conta o neto. “Depois de várias tentativas – cozinhando a vapor, assando e utilizando outros métodos –, finalmente descobriu que fritar o bolo de feijão vermelho lhe dava o melhor sabor.”
Ainda hoje, são estes produtos – gelatina chinesa de ervas, “bolo frio” e bolo de feijão vermelho – que levam muitos residentes e turistas aos estabelecimentos da Pastelaria Ng Teng Kei, assegura Ng Chi Kwong.
Ligação à rua
Se hoje o negócio é constituído por dois estabelecimentos – no Complexo Municipal do Mercado de S. Lourenço e, logo ali ao pé, na Rua da Praia do Manduco –, tudo começou através da venda ambulante, em 1949.
Nos primórdios do negócio, Ung Iok Chun percorria as várias ruas da cidade, vendendo os seus produtos. Mais tarde, a então administração portuguesa passou a emitir licenças para os vendilhões ambulantes, restringindo a área geográfica onde cada um podia levar a cabo as suas vendas. Foi então que, a partir de 1954, a marca se estabeleceu na zona da Rua da Praia do Manduco.
A venda de rua durou até 2010. Nessa altura, o negócio mudou-se para o Centro de Comidas do Mercado de S. Lourenço. No entanto, foi por pouco tempo que os sabores da Pastelaria Ng Teng Kei estiveram ausentes do local onde se tornaram famosos: pouco depois, foi aberto um estabelecimento da marca na Rua da Praia do Manduco, com venda directa para a rua.
Ng Chi Kwong explica que a decisão de ter um segundo estabelecimento se prendeu com o facto de que muitos clientes estavam habituados há décadas a acederem aos produtos da pastelaria directamente na rua. Pretendeu-se manter a conveniência e essa ligação ao consumidor, refere o responsável, acrescentando que ter porta – neste caso, janela – aberta para a rua é também uma boa maneira para chegar a potenciais novos clientes.
“Na loja [da Praia do Manduco], temos gelatina chinesa de ervas, ‘bolo frio’ e bolo de feijão vermelho, além de outras comidas mais tradicionais”, diz Ng Chi Kwong. “No Centro de Comidas, temos mais produtos, como, por exemplo, algumas sobremesas e bebidas.”
A Pastelaria Ng Teng Kei ostenta o título de “Marca Típica de Macau”, uma iniciativa promovida pelo Governo em conjunto com associações comerciais locais. Ng Chi Kwong elogia o esquema, acrescentando que também incluiu apoio de uma equipa de especialistas para o ajudar a elevar o nível do negócio.
“A equipa procurou conhecer, primeiro, os nossos procedimentos de produção, os nossos produtos e até mesmo as nossas embalagens”, conta. “Depois, forneceu opiniões valiosas sobre como melhorar as embalagens, ter um marketing mais atraente, etc.”
De acordo com o responsável, as medidas implementadas acabaram por contribuir para tornar a marca mais conhecida. Hoje, a Pastelaria Ng Teng Kei integra também o programa “Lojas com Características Próprias”, promovido pela Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico.
Aposta na qualidade
Popularidade à parte, Ng Chi Kwong não tem planos imediatos para fazer crescer as vendas. A sua principal preocupação, assegura, está na qualidade: maior quantidade exigiria novos modos de produção e até de conservação dos produtos. “Se quisermos expandir o negócio, temos de analisar como lidar com o aspecto do armazenamento”, afirma.
“Actualmente, os nossos produtos são completamente isentos de conservantes, o que tem a vantagem de serem frescos e saudáveis, mas a desvantagem de não terem um longo período de conservação”, observa o responsável. “Vendemo-los frescos, para que sejam mais saborosos, e fazemo-los à mão”, diz Ng Chi Kwong, acrescentando que, “por conseguinte, não é viável aumentar o volume de produção neste momento”.
A Pastelaria Ng Teng Kei continua, pois, a trabalhar numa base artesanal. “Talvez no futuro, se conseguirmos descobrir como manter eficazmente o sabor e a qualidade e, ao mesmo tempo, preservá-los durante um período de tempo mais longo, possamos expandir a produção e a pastelaria possa aumentar a sua escala”, afirma Ng Chi Kwong.
O responsável reconhece desafios em garantir a sustentabilidade da relação custo-eficácia subjacente a uma insistência em produtos artesanais no que toca à pequena pastelaria. “No entanto, gostaríamos de continuar a transmitir esta tradição: veremos primeiro se há outros membros da família ou outras pessoas interessados em aprender ou assumir o negócio.”
Ainda assim, existem momentos que mostram que o esforço vale a pena, garante Ng Chi Kwong. “Por vezes, há pessoas idosas a passar com os netos e é muito comovente ver diferentes gerações a comer juntas os nossos bolos.”