Salvo-conduto para não chineses

Passagem facilitada

O Interior da China está agora mais acessível a residentes permanentes de Macau de nacionalidade não chinesa: o lançamento de salvos-condutos para este grupo marca uma mudança significativa no que toca à passagem fronteiriça, reduzindo de forma significativa a burocracia. O impacto da nova política, dizem várias personalidades ouvidas pela Revista Macau, é de grande alcance

Texto Viviana Chan

Entusiasmo e grande expectativa: é desta forma que é recebida por dirigentes associativos locais a decisão do Governo Central de passar a conceder a portadores de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) de nacionalidade não chinesa acesso a um salvo-conduto para entrada e saída do Interior da China. A medida, dizem, estimula o intercâmbio e a cooperação entre as comunidades estrangeiras residentes na RAEM e o resto do País.

Billy Chan, presidente da Câmara de Comércio Australiana em Macau, descreve a medida como um “salto”, colocando os residentes permanentes da RAEM de nacionalidade não chinesa num patamar similar ao dos residentes permanentes de nacionalidade chinesa no que toca à facilidade de acesso ao Interior da China – anteriormente, só estes últimos eram elegíveis para um salvo-conduto.

Segundo diz, a mudança traz uma série de benefícios óbvios, a começar pela eliminação da necessidade de requerer um visto para passar para o Interior da China. Não só se poupa nas páginas de passaporte que já não precisam de ser carimbadas a cada passagem fronteiriça, como também se reduz a burocracia associada a cada deslocação. “É uma grande vantagem para entrarmos na Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau e, mais amplamente, na China”, enfatiza.

A política foi anunciada pela Administração Nacional de Imigração no início de Julho e os interessados puderam começar a requerer a emissão de salvos-condutos poucos dias depois, a 10 de Julho. Na altura, foi anunciada uma medida similar contemplando o acesso ao Interior da China por parte dos residentes permanentes de Hong Kong de nacionalidade não chinesa.

Maior facilidade, mais conveniência

O novo salvo-conduto possui validade de cinco anos, permitindo entradas múltiplas no Interior da China. Cada estadia pode ter uma duração de até 90 dias. A apresentação do requerimento para emissão do documento não está limitada a membros de uma determinada categoria profissional ou nacionalidade: todos os residentes permanentes de nacionalidade não chinesa são elegíveis.

De acordo com dados oficiais da RAEM, o universo de potenciais beneficiários da medida é de cerca 19.500. Em pouco mais de um mês depois da entrada em vigor da política, já tinham sido emitidos 160 salvo-condutos, bem como concluída a apresentação de um número superior a 1400 pedidos.

De acordo com dados oficiais da RAEM, o universo de potenciais beneficiários da medida é de cerca 19.500

Os residentes permanentes da RAEM com nacionalidade não chinesa podem apresentar os seus requerimentos junto da Agência de Viagens e de Turismo China (Macau), designada pela Administração Nacional de Imigração para tratar destes processos. O salvo-conduto pode ser utilizado para deslocações ao Interior da China relacionadas com investimentos, visitas familiares, viagens de lazer, negócios, seminários e intercâmbios, entre outros motivos.

O salvo-conduto é emitido na forma de um cartão electrónico inteligente, com uma fotografia e os dados do titular. A análise e aprovação dos pedidos leva aproximadamente 20 dias úteis, de acordo com as autoridades do Interior da China. Na primeira passagem fronteiriça utilizando o salvo-conduto, o titular deve fornecer as respectivas impressões digitais; após isso, poderá utilizar as vias automáticas.

A emissão de salvos-condutos para entrada no Interior da China a residentes permanentes da RAEM de nacionalidade não chinesa abriu também acesso a outras oportunidades. No final de Agosto, foi confirmado que, fazendo uso do salvo-conduto, estes residentes passam também a poder beneficiar da política de circulação de veículos da RAEM na província de Guangdong. Tal permite-lhes requerer uma licença provisória para entrada e saída do Interior da China para o seu veículo particular registado em Macau.

Segundo declarações do Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, citadas num comunicado de imprensa, a nova política de salvos-condutos para não chineses “é uma demonstração importante de abertura alargada do País”. Além disso, “representa uma vantagem para apoiar a RAEM a captar quadros qualificados de excelência do exterior”.

De acordo com o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento, esta é uma iniciativa “importante”, que “proporciona um melhor ambiente e condições favoráveis” às empresas de Macau para desenvolverem actividades no Interior da China. Esta nova política procura promover um intercâmbio “mais amplo entre os residentes do Interior da China e da RAEM”, assim como tornar o comércio e investimento “mais convenientes”, considera o organismo.

Billy Chan concorda. O dirigente da Câmara de Comércio Australiana em Macau destaca a importância dos novos salvos-condutos na facilitação de acesso ao Interior da China de empresários não chineses radicados em Macau. “Para muitos empresários australianos, que precisam de viajar quase diariamente entre as duas regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong e o Interior da China, esta medida facilita muito o processo”, afirma. 

Embora, desde o ano passado, os nacionais de diversos países tenham passado a ficar isentos de visto para poder entrar no Interior da China, a nova política de atribuição de salvo-conduto é vista como mais benéfica, por ser mais abrangente e permitir estadias de maior duração. “É uma medida inovadora, que facilita as deslocações”, observa Billy Chan.

O dirigente associativo considera que a política promove a integração regional de Macau no seio do resto da Grande Baía. “Estamos realmente entusiasmados com esta nova medida”, remata o responsável. “Sabemos que muitos dos nossos membros já completaram os seus requerimentos.”

Sentimento de pertença

Maria Amélia António, presidente da Casa de Portugal em Macau, esteve entre as primeiras pessoas a requerer a emissão de salvo-conduto para deslocação ao Interior da China. De nacionalidade portuguesa e residente há várias décadas em Macau, considera que a nova política “é de grande importância”, ajudando os portugueses radicados na RAEM a sentirem-se mais integrados na sociedade local, além de contribuir para que mantenham contacto com o Interior da China.

“Muitos vivem aqui há anos, gostam da cidade e querem sentir-se parte” do território, refere a também advogada. “Esta política contribui para que não se sintam isolados e possam ter uma vida mais integrada” no âmbito da comunidade local, para a qual as deslocações regulares ao Interior da China se tornaram cada vez mais comuns.

Maria Amélia António acredita que a nova medida vai facilitar consideravelmente as viagens de residentes não chineses ao lado de lá da fronteira, eliminando a necessidade de planeamento meticuloso e com antecedência. “A política permitirá que as pessoas decidam viajar para o Interior da China de forma mais espontânea, aproveitando um fim-de-semana livre ou uma outra qualquer oportunidade”, explica.

Comentando o procedimento para obtenção do salvo-conduto, Maria Amélia António elogia o processo. “Estava tudo bem organizado e não foi demorado. Apesar de ser uma iniciativa recente, tudo decorreu de forma muito serena e sem complicações.”

Estando à frente de uma das principais associações de cariz cultural ligadas à comunidade portuguesa de Macau, a responsável espera que o salvo-conduto permita também um maior intercâmbio cultural com o Interior da China. “Acredito que a facilidade de deslocação pode abrir portas a muitas oportunidades. As pessoas poderão viajar mais facilmente, o que pode facilitar a organização de exposições e a troca de informações. Há muitas possibilidades que surgem a partir disso”, afirma.

Maior abertura

Lourenço Lameiras, presidente da Associação Amizade dos Trabalhadores do Exterior de Macau, considera que a atribuição de salvos-condutos a nacionais não chineses tem um significado relevante. “Esta política avança no sentido da abertura”, diz. “Com esta medida, as pessoas terão acesso a mais oportunidades, conforme o seu raio de acção se estenda por todo o Interior da China.”

O dirigente associativo sublinha que um maior acesso ao Interior da China poderá ajudar os residentes da RAEM de nacionalidade não chinesa a terem uma melhor ideia do que se passa para lá das Portas do Cerco. “Podem testemunhar directamente a prosperidade e o progresso do País”, refere Lourenço Lameiras.

À Revista Macau, o economista Samuel Tong Kai Chung, presidente do Instituto de Gestão de Macau, destaca que a política de atribuição de salvo-condutos a nacionais não chineses faz parte dos sinais de “reformas profundas” em curso no País. Na sua opinião, a nova medida traz uma série de benefícios práticos.

“Se olharmos de perto, é claro que a política vai facilitar o investimento, as visitas familiares, o turismo, a investigação e os intercâmbios comerciais”, considera Samuel Tong. “Antes, os estrangeiros a viver na RAEM que desejassem realizar essas actividades precisavam de solicitar diferentes tipos de vistos, cada um com os seus próprios trâmites. Agora, com este novo salvo-conduto, válido por cinco anos e permitindo estadias de até 90 dias, fica tudo muito mais simples e prático.”

Com o salvo-conduto, os residentes permanentes da RAEM não chineses já não precisam de requerer visto para entrar no Interior da China

O economista nota que esta é uma mudança substancial para uma comunidade que abrange muitos empresários e profissionais qualificados, como advogados e elementos ligados ao sector financeiro. “Para esses indivíduos, a nova política é extremamente vantajosa, permitindo-lhes realizar uma variedade de actividades no Interior da China, com maior facilidade. Anteriormente, o processo era mais moroso e complexo, desencorajando muitas dessas iniciativas.” O presidente do Instituto de Gestão de Macau acrescenta: “Esta política facilita a integração desses indivíduos com os seus homólogos no Interior da China, promovendo investimentos e colaborações empresariais”.

Em termos mais globais, considera o académico, um acesso simplificado também pode incentivar os residentes permanentes da RAEM de nacionalidade não chinesa a investir mais no Interior da China. “Sabemos que o Interior da China deseja aumentar o investimento e o turismo, e esta política estimula a procura e facilita o investimento.”

Samuel Tong, também membro da Comissão de Desenvolvimento de Quadros Qualificados, defende que o acesso ao salvo-conduto pode ser igualmente um atractivo para captar talentos do exterior para indústrias emergentes em Macau, como a “big health” e as finanças modernas. Isso, afiança o responsável, pode ajudar a diversificação económica do território.

“A conveniência de poder entrar e sair do Interior da China com facilidade torna Macau um local ainda mais atractivo para profissionais qualificados”, diz Samuel Tong. “A facilidade de viajar oferecida pela política também pode incentivar a mobilidade de talentos dentro da região da Grande Baía, promovendo uma maior colaboração e inovação.”

O presidente do Instituto de Gestão de Macau acrescenta que o salvo-conduto para nacionais não chineses cria um ambiente mais acolhedor para o investimento. “Esta política responde ao apelo para integrar todos no desenvolvimento nacional”, defende. “As barreiras são reduzidas e as oportunidades de integração e desenvolvimento são ampliadas, beneficiando tanto os indivíduos como as economias regionais.” 

Samuel Tong acredita que a política terá frutos positivos. “A capacidade de viajar facilmente e de se envolver em actividades económicas e culturais no Interior da China cria um ambiente de maior cooperação e entendimento mútuo. Isso é essencial para o crescimento sustentável e a prosperidade de Macau dentro da região da Grande Baía.”