A editora de livros infantis Mandarina celebra este ano o quinto aniversário, com a fundadora Catarina Mesquita apostada em continuar a imaginar contos – para miúdos e graúdos – inspirados nas tradições de Macau
Texto Nelson Moura
Quando Catarina Mesquita chegou a Macau, em 2013, trazia já na bagagem a experiência de trabalho numa editora infantil em Portugal. “Já na altura pensei que, num território com tantas crianças, um projecto para crianças fazia sentido. Só que, entretanto, eu adiei, adiei e deixei. Deixei andar o tempo, comecei a trabalhar noutras coisas, a perceber um bocadinho o que era Macau e como funcionava”, conta à Revista Macau.
Seguiram-se experiências como jornalista, editora e como promotora de leitura na Escola Portuguesa de Macau (EPM), onde se manteve até ao ano passado. Pelo meio, tomou a decisão de passar das ideias à acção para concretizar o que há muito já fazia parte dos planos. Coincidindo com a época do Ano Novo Chinês em 2019, quando Catarina Mesquita conceptualizava a editora, surgiu o nome Mandarina, pelo simbolismo de prosperidade e sorte na cultura chinesa.
“Naturalmente, rima com o meu nome Catarina, apesar de eu não ter pensado nisto na primeira ideia. Essencialmente foi por ser um símbolo local de prosperidade e de sorte”, destaca.
A decisão de finalmente lançar a editora acabou por ter origem num momento de mudança pessoal, com o nascimento do seu filho. “Eu estava em casa. E pensei, o que eu vou fazer agora? Estou aqui embrenhada no mundo das crianças. Acho que é a altura ideal para começar o projecto”, explica Catarina Mesquita.
Assim nasceu a Mandarina Books, iniciando um percurso vagaroso, mas determinado. A primeira publicação foi um livro de autocolantes que, apesar de esgotado, será reimpresso este ano, em que a editora celebra o seu quinto aniversário.
Esta publicação seria depois transformada num bloco de cartas com 100 palavras e em que todas as ilustrações ensinam expressões e palavras em português, chinês e inglês, usando sempre elementos muito presentes nas ruas de Macau.
“Por exemplo, um táxi é um táxi preto como os de Macau. O autocarro é fácil de identificar, pois é um autocarro amarelo local”, diz a fundadora.
Um ano depois seguiu-se o primeiro grande projecto com o livro “Na Rua”, que narra as aventuras de uma criança portuguesa e do seu pai pelas ruas da cidade, a folhas meias com a estória de uma criança chinesa que explora Macau com a sua avó.
A obra contou com a colaboração de Joe Tang, um escritor local com experiência na área da literatura infantil, para garantir autenticidade na representação da cultura chinesa, com as ilustrações a cargo de Fernando Chan.
Catarina Mesquita foi a autora da estória portuguesa, protagonizada por Júlia, enquanto Joe Tang foi o autor da estória de Pou, num livro que permite aos pequenos leitores descobrir Macau e o seu património.
Passeios em muitas línguas
A Mandarina rapidamente se destacou por ser uma editora bilingue e, em alguns casos, trilingue, num mercado editorial juvenil já de si pequeno e em que escasseia este tipo de oferta.
Todas as edições são bilingues ou trilingues, sendo a maioria delas em português e chinês, com Catarina Mesquita a destacar a decisão de usar o chinês tradicional por ser mais comummente usado em Macau.
“A maioria das obras tenho sido eu a escrever, com o conceito a sair da minha cabeça. No caso do ‘Na Rua’, foi um processo sempre muito simples. O Joe dava os inputs dele, eu dava os meus e nunca tivemos grandes desafios. O maior desafio, às vezes, é mesmo só questões de tradução. Às vezes, eu escrevo de uma determinada maneira, a tradutora diz que prefere que seja de outra forma, mas mesmo isto se resolve”, conta a escritora.
Catarina Mesquita tem uma forte ligação com Macau, um amor que se reflecte em todos os projectos da Mandarina. “A maioria dos projectos foi sempre em parceria com alguém que tem uma relação muito forte com Macau”, explica.
“A nossa tradutora, Tian Yuan, foi simplesmente uma pessoa que viu a página da Mandarina, mandou uma mensagem e disse ‘Eu sou tradutora, tenho uma filha pequena e gostava de deixar um legado. Posso traduzir os vossos livros?’.”
Catarina Mesquita revestiu-se da missão de produzir integralmente a primeira publicação, sem a ajuda de subsídios. “Fiz o investimento, as coisas correram bem e permitiram-me continuar a investir”, afirma.
A editora acabou também por testemunhar os desafios da pandemia da COVID-19, decidindo retratar o seu impacto nas diferentes comunidades de Macau no seu segundo livro, “Em Casa”.
“Este livro surgiu durante o período da COVID, em pleno confinamento. Estava fechada em casa a pensar no que seria a minha vida a partir de agora. Muitas pessoas diziam-me para continuar o ‘Na Rua’, mas, numa conversa com o Joe, decidimos fazer o ‘Em Casa’”, conta a fundadora da Mandarina.
“Eu aprendi muito com este livro, que fala precisamente sobre como o confinamento afectou as diferentes comunidades”, retrata.
Um mundo ilustrado
Os livros da Mandarina têm sempre bem presente elementos que Catarina Mesquita considera essenciais na literatura infantil: ilustrações de qualidade e estórias que não simplificam demasiado o mundo.
“Claro que depende muito do gosto pessoal de cada um, mas eu acho que as ilustrações são fundamentais. Porque dão muito espaço às crianças para criar além do livro e não estarem tão presas no texto”, refere.
Outro elemento essencial, diz, é ter uma estória que seja simples, mas que não “trate as crianças como seres menores” e explique demasiado ou “acriance” muito o mundo. “São pessoas como nós, só estão noutro nível de desenvolvimento”, aponta.
Ter um filho influenciou a criatividade que a escritora entrega às páginas, mas Catarina Mesquita considera ter sido a sua experiência como promotora de leitura na EPM que mais a inspirou nos seus livros.
“Eu estive dois anos a ensinar leitura orientada na EPM, fazia promoção de leitura ao ensino primário e todas aquelas ideias que eles têm e as perguntas que me faziam eram muito inspiradoras”, comenta.
Entretanto, a editora lançou também uma edição de Natal do “Na Rua” e livros personalizados por encomenda, como o “Costa Nunes”, que serve como registo de memórias para os alunos do jardim de infância.
Mais recentemente, a Mandarina colaborou também com o Instituto Internacional de Macau (IIM) para a colecção “Os Pequenos Exploradores de Macau”, um projecto que contou com o apoio do Fundo de Desenvolvimento da Cultura e que se focou em temas como património, festividades, gastronomia e profissões tradicionais em Macau.
A ideia para a colecção partiu de comentários de outras pessoas que diziam que não existiam livros para crianças que lhes ensinassem mais sobre a cidade.
“Esta coleção teve grande sucesso, com a primeira e segunda edições esgotadas”, indica Catarina Mesquita. “Temos feito muita promoção dos ‘Pequenos Exploradores’ nas escolas, em parceria com o IIM. Portanto, temos ido a quase todas as escolas chinesas. Também temos intenção, por exemplo, de fazer visitas de grupo guiadas aos locais”, acrescenta.
Apesar dos desafios financeiros e da forte concorrência de plataformas online, Catarina Mesquita está determinada em continuar um projecto que lhe dá imensa gratificação.
Para já, diz a fundadora, o presente passa pela continuação das sessões de leitura e, eventualmente, mais tarde, pela expansão para outros mercados, incluindo o Interior da China.
“As sessões de leitura são uma aposta que eu tenho na sequência dessa experiência na EPM. Faço sessões a contar uma estória na sequência de um tema qualquer. Celebramos o Dia da Mãe com mães [num evento] em que, enquanto se conta a estória, há sessão fotográfica para poderem recordar aquele momento”, afirma Catarina Mesquita.
Outras sessões incluíram a participação do cartunista local Rodrigo de Matos, que ilustrou em tempo real uma estória que as crianças contaram.
Para o futuro, Catarina Mesquita diz querer organizar ainda mais sessões de leitura e desenvolver ainda mais a criação de estórias com Macau como pano de fundo e inspiração.
“Eu acho que é bom poder mostrar coisas diferentes, produtos diferentes, livros um bocadinho mais artísticos”, conclui a fundadora da Mandarina.
No que toca à expansão comercial, a editora quer dar um passo de cada vez, para diminuir eventuais riscos.
“Acho que os livros podem ser vendidos internacionalmente, em Portugal, ou na China. Sem dúvida, esse poderia ser o próximo passo da Mandarina. Entrar no mercado chinês seria um salto completamente diferente”, remata.