Marcas com história

Café Chip Seng: aromas únicos de Macau

A Companhia de Café Chip Seng conta com mais de oito décadas de existência
Com mais de oito décadas de existência, a Companhia de Café Chip Seng Limitada evoluiu de uma loja onde os grãos de café eram torrados artesanalmente em grandes woks para uma empresa com fábrica própria e sistemas modernos. O que não mudou foi o foco em manter a produção em Macau e procurar apresentar sabores distintivos – já lá vão três gerações

Texto Vitória Man Sok Wa
Fotografia Cheong Kam Ka

É algo impossível de passar despercebido. Ao longo da última década, o consumo de café – e de toda a cultura associada a esta prática – conheceu um “boom” significativo em Macau, tanto em termos de quantidade como de qualidade. Multiplicaram-se os pequenos estabelecimentos especializados, com barista incluído, oferecendo uma panóplia de variedades da bebida, dos mais tradicionais expressos e “americanos” a mil e uma variantes de “mochas” e “macchiatos”.

Bastante anterior a esta tendência, a Companhia de Café Chip Seng Limitada não deixa, porém, de beneficiar dela. Fundada em 1942, a empresa é hoje um dos maiores fornecedores locais de café em grão e moído, a retalho e por grosso: uma parte significativa do consumo em restaurantes, hotéis e outros estabelecimentos da cidade tem por base grãos importados pela Chip Seng.

Parte importante do processo tem lugar na unidade fabril da empresa, localizada na zona da Areia Preta. É aí que o chamado “café verde” – isto é, grãos de café crus – é torrado. Este é um passo essencial para a qualidade final do produto, já que a temperatura a que decorre o processo e a sua duração têm impacto nos sabores e aromas finais.

De Hong Kong para Macau

O café tem uma história relativamente curta na China, onde o consumo de chá está enraizado há séculos. Em Macau e Hong Kong, o produto foi introduzido por influência ocidental, nomeadamente europeia.

Vong Bo On, o fundador da Chip Seng, teve o seu contacto inicial com a bebida em Hong Kong. Em 1932, em parceria com um sócio, abriria o seu primeiro negócio de comercialização de café na então colónia britânica. Em 1942, coincidindo com a invasão japonesa de Hong Kong, Vong Bo On muda-se para Macau, onde estabelece a Chip Seng, com loja no Largo de S. Domingos.

“Nessa altura, navios comerciais provenientes de países como Portugal e o Brasil atravessavam invariavelmente as águas em redor de Macau. O meu avô comprava grãos de café não torrados a esses navios”, recorda Jeffrey Vong Chiok Va, actual director-geral da empresa familiar, agora nas mãos da terceira geração.

O responsável explica que, nos primórdios da Chip Seng, “os grãos de café eram torrados à mão em grandes panelas tipo wok”. Porém, o processo não assegurava uma torrefacção uniforme e os sabores do café acabavam adulterados pelo impacto do fumo.

As operações de produção da Chip Seng utilizam maquinaria especializada importada da Europa

Actualmente, é tudo diferente. As operações de produção da Chip Seng utilizam maquinaria especializada importada da Europa e o processo é gerido através de sistemas informatizados. Tal permite, por exemplo, regular a temperatura de torrefacção do café com uma precisão de 0,1 graus Celsius, assegurando sabores e aromas equilibrados e um controlo detalhado da qualidade, bem como garantindo a uniformidade do produto.

Marca com sabor local

Uma das áreas na qual a Chip Seng mais investe é a gestão dos sabores e aromas dos diferentes tipos de café que produz. Jeffrey Vong nota que, dada a diversidade de tipos de grãos de café, temperaturas e tempos de torrefacção e técnicas passíveis de serem utilizadas, é possível obter um vasto leque de variações.

Em contraste com as práticas do tempo do fundador, as compras de café da Chip Seng são agora normalmente efectuadas através de centros de comércio internacional e já não directamente junto de comerciantes de café em bruto. Jeffrey Vong afirma que, entre os países de língua portuguesa com produção cafeeira relevante, o café do Brasil é o mais popular localmente.

Uma característica que o responsável faz questão de incluir nos seus cafés é o “sabor” a Macau. O empresário insiste que, desde a torrefacção até à embalagem, todo o processo de produção deve ser realizado localmente, o que granjeou à empresa o selo “Fabricado em Macau”, atribuído pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau.

“A técnica e o conhecimento do café são cruciais para quem trabalha neste domínio”, nota Jeffrey Vong, sublinhando que a formação de profissionais especializados requer tempo e recursos significativos. “Não é possível adquirir as competências e a experiência necessárias para se tornar um torrefactor de café e gestor de uma fábrica sem passar por um período de formação e desenvolvimento”, acrescenta. “A nossa empresa tem vantagem, porque temos 82 anos de experiência: a nossa missão é manter as técnicas que foram desenvolvidas pelo meu avô.”

O café com marca Chip Seng está actualmente também disponível do outro lado das Portas do Cerco, ao abrigo do Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Interior da China e Macau (CEPA). O produto obteve recentemente certificação Halal, a qual garante que a respectiva produção respeita os preceitos islâmicos e que este pode ser consumido por quem é muçulmano, incluindo turistas de visita a Macau. Tal, acredita Jeffrey Vong, reforça a reputação da cidade como destino turístico internacional.

Segundo o empresário, os próximos passos para a Chip Seng incluem a expansão no mercado do Sudeste Asiático.

Um prazer adquirido

Jeffrey Vong explica que, nos primórdios do século XX, o consumo de café a nível local era sobretudo uma prática comum entre os ocidentais. Gradualmente, a bebida começou a ganhar tracção junto da comunidade chinesa, particularmente entre operários e outros trabalhadores que gostavam de beber café com o lanche da tarde, de forma a beneficiarem dos efeitos da cafeína para o resto da sua jornada laboral. Ainda assim, a qualidade do café não constituía uma preocupação significativa para os consumidores em geral.

Nos últimos anos, a situação em Macau mudou drasticamente. Primeiro, pela mão de cadeias internacionais de café, como a Starbucks, e, mais recentemente, através do nascimento de diversos pequenos estabelecimentos locais especializados. Nas palavras de Jeffrey Vong, a expansão do sector e o maior interesse do público pela cultura associada ao café tiveram um impacto positivo no negócio de venda da Chip Seng.


“A diversidade cultural de Macau deu origem a um sabor Chip Seng característico, que encapsula a essência da cidade”

JEFFREY VONG 
DIRECTOR-GERAL DA COMPANHIA DE CAFÉ CHIP SENG LIMITADA

“No passado, os restaurantes e ‘cha chaan teng’ em Macau apenas serviam café instantâneo”, diz o responsável. “No entanto, já não é esse o caso, pois a maioria dos estabelecimentos serve agora café moído na hora.”

O caso dos “cha chaan teng” – vulgo “estabelecimentos de comidas”, na terminologia de Macau – é paradigmático. Este é um tipo de cafetaria tradicional, um modelo originário de Hong Kong, onde são usualmente praticados preços acessíveis e servidos pãezinhos, sandes, bolos, cozinha ocidental localizada, bebidas e, por vezes, pratos chineses. Vários servem uma combinação conhecida como “yuenyeung” (“鴛鴦”), que mistura café, chá e leite condensado. No entanto, para se adaptar aos tempos, muitos destes estabelecimentos de comidas estão agora a dar maior importância à qualidade do café que colocam nas mesas.

“No que respeita aos ‘cha chaan teng’, que representam o estabelecimento de café mais comum em Macau, para além do café em grão, é agora necessário fornecer equipamento de moagem e formação”, refere Jeffrey Vong.

Mais que uma bebida, uma experiência

O director-geral da Chip Seng enfatiza que o consumo de café tem vindo a evoluir, sendo, cada vez mais, uma experiência. “Se alguém aspira a abrir um negócio de venda ao público de café, é imperativo perceber que o mero fornecimento de um produto de alta qualidade é insuficiente”, explica. “Os clientes também desejam uma experiência imersiva, com um ambiente distintivo dentro do estabelecimento. Se não for esse o caso, poder-se-á perguntar por que razão os clientes não compram café na máquina de venda automática.”

A Chip Seng procura também adaptar-se às novas exigências do público. Jeffrey Vong explica que, sob a sua gestão, houve um esforço significativo para modernizar os sistemas operativos e de fabrico. Para além disso, a empresa tem procurado alargar aquilo que é a experiência tradicional de beber café, através da introdução de conceitos inovadores.

Um exemplo prende-se com a harmonização de sabores entre café e… cerveja, algo actualmente disponível nalguns resorts integrados da cidade. A ideia surgiu em conversa com um executivo de uma cervejeira local: seria possível consumir os dois produtos ao mesmo tempo? A pergunta levou o director-geral da Chip Seng a investigar o tema, eventualmente lançando uma experiência de degustação que combina café e cerveja, na qual os clientes provam cada um dos produtos segundo uma ordem pré-determinada, com o objectivo de identificar três sabores distintos. A combinação permite eliminar o amargor da cerveja, deixando no paladar apenas o sabor doce do lúpulo.

“Provei dezenas de tipos de café e de cerveja até descobrir uma combinação mágica”, conta Jeffrey Vong, descrevendo o processo de investigação. “Ao beber este tipo de café e este tipo de cerveja, os sabores de ambas as bebidas sofrem uma mudança transformadora.”

Por outro lado, a Chip Seng inspirou-se nas tradições chinesas para desenvolver um outro produto, designado por “café da manhã” (“早晨咖啡”). Isto porque, segundo a medicina tradicional chinesa, o café é considerado algo que gera “calor interno” no organismo, prejudicial à saúde. Por conseguinte, é defendido que o consumo regular da bebida pode levar ao desenvolvimento de inflamações internas.

O controlo das condições de torrefacção dos grãos de café é essencial para assegurar a qualidade do produto final

Para resolver o problema, Jeffrey Vong testou uma grande variedade de misturas de grãos de café, acabando por identificar uma combinação que, segundo a medicina tradicional chinesa, não gera “calor interno”. Nasceu assim o primeiro tipo de café desenvolvido em conjugação com conceitos da medicina tradicional chinesa.

Para lá do café

Embora o café seja o produto que tenha dado fama à Chip Seng, a empresa não comercializa apenas este tipo de artigo. Desde a sua fundação que o chá é outra das suas áreas de negócio.

A base de clientes da Chip Seng no que toca à venda de café e chá é muito similar, refere Jeffrey Vong. “A técnica de torrefacção do chá é semelhante à do café”, acrescenta o empresário. “Importamos principalmente folhas de chá da Índia e depois, na nossa fábrica, tal como o café, preparamos o chá com determinadas temperaturas e técnicas para obter um sabor e aroma distintos.”

A Chip Seng actua também como agência de importação e comercialização de produtos alimentares da Europa e dos países de língua portuguesa. “Temos pessoal baseado na Europa que é responsável por acompanhar a evolução da cultura do café e da gastronomia do outro lado do mundo”, frisa Jeffrey Vong. O empresário acrescenta que a firma está a tentar expandir a sua gama de produtos, para venda em Macau e potencialmente no resto da Ásia.

Olhando para o futuro, o principal objectivo é que a Chip Seng possa seguir o exemplo das grandes marcas de café centenárias da Europa, sendo capaz de manter, ao longo dos tempos e de forma consistente, os aromas e sabores dos seus produtos. Jeffrey Vong defende que uma marca local, que reúna características de Macau e qualidade superior, pode representar a cidade no palco internacional.

“A diversidade cultural de Macau deu origem a um sabor Chip Seng característico, que encapsula a essência da cidade”, defende o responsável. “É um feito notável para uma marca atingir quase um século de existência e ter sobrevivido a três gerações na mesma família. Neste contexto, a marca Chip Seng pode ser considerada um activo valioso que pode ser aproveitado para promover Macau à escala mundial.”