O apoio à inovação e ao sector tecnológico fazem parte das prioridades do Governo, para, com mais investimento, um maior número de empresas e quadros qualificados, alavancar o processo de diversificação económica de Macau. O território, diz quem está envolvido no sector, tem as condições necessárias para alcançar os resultados pretendidos
Texto Tony Lai
Quando Alenc Wang e os seus parceiros lançaram, em 2016, a plataforma de entrega de comida e produtos de supermercado Aomi, em Macau, ficaram surpreendidos com o desconhecimento e a escassez de opções na cidade de soluções e aplicações tecnológicas, nomeadamente em comparação com o Interior da China e outras regiões. “Na altura, foi um desafio, devido à baixa sensibilização do público sobre soluções e aplicações tecnológicas, como pagamentos móveis e ‘big data’, bem como devido ao desenvolvimento moroso da infra-estrutura tecnológica”, recorda Alenc Wang.
Oito anos volvidos e o panorama, diz o empresário, é totalmente diferente, fruto de um desenvolvimento acelerado da indústria tecnológica e da transformação do ambiente para a investigação e inovação em termos de tecnologia de ponta, um progresso alicerçado nas políticas de apoio do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). “O ecossistema é completamente diferente agora”, sublinha.
A evolução no sector deverá conhecer novos avanços, uma vez que a indústria da tecnologia de ponta é um dos sectores-chave no âmbito da estratégia governamental “1+4” de diversificação adequada da economia. A tecnologia de ponta é uma das indústrias consideradas de desenvolvimento prioritário – em paralelo com as áreas das finanças modernas, da “big health” e das convenções, exposições, comércio, desporto e cultura –, através do apoio do sector basilar do turismo e lazer.
De acordo com o Plano de Desenvolvimento da Diversificação Adequada da Economia da Região Administrativa Especial de Macau (2024 – 2028), publicado no final do ano passado – e que visa atenuar a dependência da economia do sector do jogo –, a cidade deverá aumentar gradualmente a proporção destas quatro grandes indústrias emergentes no seu produto interno bruto (PIB). Estas actividades não-jogo deverão representar, no futuro, cerca de 60 por cento do PIB da RAEM.
“Actualmente, a maior parte dos recursos e resultados da indústria de tecnologia de ponta de Macau encontra-se na fase inicial da cadeia industrial e o principal investimento na investigação científica é oriundo dos recursos do Governo”, aponta o plano de diversificação.
Relativamente à investigação científica, os resultados de Macau “ocupam o quarto lugar” entre as cidades da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, atrás de Guangzhou, Shenzhen e Hong Kong, com destaque para os resultados nas indústrias da medicina tradicional chinesa, aeroespacial, biotecnologia e circuitos integrados.
Para promover o desenvolvimento da indústria da tecnologia de ponta, o Governo traçou várias metas para os próximos cinco anos.
Até ao final de 2028, as autoridades estimam que o valor acumulado do investimento do Governo em investigação e desenvolvimento da inovação científica e tecnológica atinja, no mínimo, 5 mil milhões de patacas. Até lá, o Governo da RAEM pretende conceder certificações a pelo menos 40 empresas do sector.
Estimular o crescimento
Para fomentar a criação e expansão de empresas tecnológicas locais, a Direcção dos Serviços de Economia e Desenvolvimento Tecnológico (DSEDT) introduziu, no ano passado, o Programa de Certificação de Empresas Tecnológicas. As empresas locais de tecnologia que se inscrevam no programa são avaliadas com base em diversos critérios, incluindo o conteúdo e dimensão da actividade exercida, situação de investigação e desenvolvimento e grau de inovação. Após a avaliação, as empresas elegíveis são reconhecidas e certificadas como “empresa tecnológica potencial”, “empresa tecnológica em crescimento” ou “empresa tecnológica de referência”.
“O programa visa identificar empresas tecnológicas locais de excelência através de um mecanismo de avaliação e certificação, proporcionando diferentes graus de certificações oficiais a estas empresas. Isto pode ajudá-las a expandir os seus negócios”, afirma a DSEDT em resposta à Revista Macau. “Juntamente com a vasta gama de medidas de apoio fornecidas pelo Governo da RAEM, [este programa] pode criar uma escada de crescimento para as empresas tecnológicas de Macau e ajudar ao seu desenvolvimento.”
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A DSEDT diz ainda que “continuará a recolher informação sobre o ambiente operacional e as necessidades de desenvolvimento das empresas tecnológicas de Macau através de vários canais e a fornecer medidas de apoio personalizadas às empresas certificadas”.
Desde o lançamento do programa, em 2023, um total de 24 empresas locais a operar nas áreas de tecnologia da informação e comunicação, circuitos integrados e medicina tradicional chinesa foram certificadas. O total inclui cinco “empresas tecnológicas de referência” e 19 “empresas tecnológicas potenciais”, destaca a DSEDT.
Entre as cinco empresas tecnológicas de referência está a Macao e-Media Development Co. Ltd., operadora da aplicação Aomi. “Esta certificação oficial é como um selo de aprovação e reconhecimento das nossas capacidades em investigação e inovação tecnológica”, afirma Alenc Wang, co-fundador e director de tecnologia da Aomi.
O programa de certificação do Governo, realça Alenc Wang, deverá também ajudar a que eventuais negociações com outras empresas e departamentos governamentais decorram com maior serenidade e credibilidade, para além de apoiar a obtenção de financiamento para projectos de investigação e inovação.
Segundo o responsável, a Aomi planeia candidatar-se a financiamento e subsídios do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia (FDCT), sob alçada do Governo da RAEM, para vários projectos de investigação envolvendo inteligência artificial (IA) e análise de “big data”. A empresa está a colaborar com universidades de Macau e do Interior da China – incluindo a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau – nestes projectos de investigação.
“É crucial que empresas como a nossa estabeleçam colaborações com universidades e instituições de investigação. Embora tenhamos profissionais qualificados no desenvolvimento de aplicações tecnológicas, faltam talentos que possam trabalhar nos aspectos teóricos do processo de investigação”, afirma Alenc Wang. “Este tipo de colaboração também pode reduzir os nossos custos relacionados com investigação e desenvolvimento.”
Elevar a cooperação
A promoção deste tipo de relação de trabalho entre empresas tecnológicas, universidades e instituições de investigação, conhecida como “colaboração entre indústria-universidade-investigação” em termos oficiais, foi destacada pelo Governo da RAEM como uma iniciativa essencial para acelerar o desenvolvimento da indústria da tecnologia de ponta. No plano de diversificação, as autoridades comprometem-se a incentivar este tipo de cooperação e a apoiar as empresas na exploração de soluções de ponta e a expandir as suas operações. O plano também visa melhorar a gestão e os incentivos para a transferência e transformação dos resultados da investigação das universidades locais para “reduzir as incertezas na cooperação entre as universidades e o sector privado”.
Neste âmbito, será dada prioridade ao desenvolvimento da investigação científica nas áreas da medicina tradicional chinesa, concepção de chips, Internet das Coisas, inteligência artificial, ciência espacial, materiais avançados e ciências da saúde.
Desde Fevereiro de 2023, o FDCT tem procurado aperfeiçoar os seus programas de subsídio para projectos de investigação tecnológica, diz o organismo em resposta à Revista Macau. O FDCT oferece agora programas de subsídio especificamente adaptados para empresas tecnológicas, universidades e projectos de colaboração entre o sector privado e instituições de ensino superior.
“Ao estabelecer um mecanismo de apoio à investigação e desenvolvimento nas empresas, fortalecendo a colaboração indústria-universidade-investigação (…) e implementando outras medidas, o FDCT observou um maior número de candidaturas de projectos de investigação locais”, afirma o organismo.
Indústrias prioritárias |
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– Concepção de circuitos integrados, desenvolvimento de tecnologias de fabrico avançadas, investigação e desenvolvimento de software elementar ou de tecnologia avançada – Produtos de inteligência artificial, investigação e desenvolvimento de sistemas de aplicação, software e tecnologia destinados à informatização das indústrias e empresas – Investigação e desenvolvimento de tecnologia de serviços de informação em rede, construção e operação de plataformas na Internet, desenvolvimento de produtos de segurança cibernética e de dados – Desenvolvimento de tecnologias e produtos das ciências emergentes e de tecnologias de engenharia biológica e biomédica |
Nos últimos anos, vários projectos subsidiados pelo FDCT foram implementados com sucesso. Estes incluem, por exemplo, a utilização de tecnologia biométrica de reconhecimento de íris em departamentos governamentais; a aplicação de uma fórmula especial de betão de nano-espuma moldado na construção da quarta ponte entre Macau e a Taipa; a implementação de um sistema inteligente de reconhecimento de voz em hotéis locais; e a adopção de um método inovador de detecção de defeitos de impressão em departamentos governamentais.
Em 2023, o FDCT despendeu 450 milhões de patacas em subsídios para vários projectos ao abrigo dos diferentes programas, incluindo 256 novos projectos. Relativamente ao “Programa de Apoio Financeiro para Combinar Indústria-Universidade-Investigação com Empresas”, o FDCT afirma ter aprovado até à data 27 projectos nas áreas das tecnologias de informação e comunicação, ciências da vida, medicina, engenharia e tecnologia de materiais. Estes projectos receberam um montante superior a 5,6 milhões de patacas. Além disso, o FDCT estabeleceu uma plataforma de correspondência em 2021 para empresas tecnológicas e universidades, que facilitou a concretização de 54 projectos.
O FDCT acrescenta que continuará a reforçar o apoio às empresas tecnológicas, especialmente àquelas certificadas, bem como a aumentar o apoio financeiro à investigação e ao desenvolvimento e a promover uma maior colaboração entre o sector privado, universidades e instituições de investigação.
Macau acolhe, desde 2021, a “Beyond Expo”, evento focado no sector tecnológico com exposições e fóruns especializados. Organizado pela Associação Geral de Tecnologia de Macau, o evento atrai anualmente centenas de oradores e investidores, além de milhares de participantes.
Start-ups e incubação
Segundo Alfred Wong, professor associado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Macau, a actualização dos programas de subsídios do FDCT pode ajudar a acelerar significativamente o desenvolvimento da indústria de tecnologia de ponta na RAEM. “A recente revisão dos programas reduziu o limite para candidaturas, permitindo que mais start-ups tecnológicas locais tenham oportunidades de receber subsídios para o desenvolvimento dos seus projectos”, salienta o académico.
Alfred Wong realça que a promoção de um ecossistema vibrante e sustentável para start-ups será crucial para o desenvolvimento do sector. “Com start-ups tecnológicas mais activas e bem-sucedidas na cidade, podemos demonstrar aos jovens locais que a indústria da tecnologia de ponta é viável em Macau, atraindo-os para que se envolvam no sector”, acrescenta.
Actualmente, existem dois grandes centros de incubação na cidade – o Centro de Incubação de Negócios para os Jovens de Macau, gerido por uma empresa de capitais públicos, e o Centro de Inovação e Empreendedorismo da Universidade de Macau – que disponibilizam escritórios e outro tipo de apoio, como aconselhamento jurídico, para as start-ups tecnológicas de Macau. Reconhecendo que a dimensão das empresas tecnológicas locais é “relativamente pequena” e que são poucas as empresas com mais de 100 trabalhadores, as autoridades comprometem-se a fornecer apoio adicional às start-ups do ramo, incluindo espaços de escritórios através de incubadoras públicas e privadas.
Alenc Wang, da Aomi, vai ainda mais longe, falando na necessidade de criar um plano para se estabelecer mais centros de incubação na cidade e fornecer apoios direccionados especificamente às start-ups tecnológicas. “Estes centros devem estar focados em ajudar start-ups de tecnologia na sua fase embrionária, pois são estas novas empresas que mais precisam de apoio, desde espaços físicos até financiamento”, sugere. “Além disso, mais competições e eventos de empreendedorismo tecnológico podem ser organizados para enriquecer ainda mais o ambiente para estas start-ups.”
Outro desafio no percurso de muitas destas empresas, na perspectiva de Alenc Wang, é a escassez de mão-de-obra qualificada a nível local. Dada a falta de quadros qualificados no sector, uma parte da equipa da Aomi está actualmente baseada na vizinha cidade de Zhuhai, no Interior da China. “Os membros da nossa equipa em Zhuhai têm uma vasta experiência em investigação e desenvolvimento tecnológico, tendo trabalhado anteriormente em grandes empresas tecnológicas chinesas, como a Baidu e a Alibaba”, explica o empresário. “Macau deveria introduzir mais incentivos para atrair talentos [não locais] para a indústria da tecnologia de ponta, ao mesmo tempo que se criam as condições para formar mais talentos locais.”
Nos próximos cinco anos, de acordo com o plano de diversificação, o Governo da RAEM pretende atrair para a cidade, bem como formar um maior número de licenciados em vários domínios da tecnologia.
Um dos objectivos é atrair, pelo menos, 2000 licenciados “de reconhecida excelência no domínio da ciência e tecnologia para desenvolverem as suas carreiras em Macau e em Hengqin”, realça o documento. Será também reforçada a “formação de quadros qualificados de Macau em disciplinas de ciências e engenharia e concedidas mais bolsas de estudos nestas áreas”.
“Apoiar-se-ão, pelo menos, 2000 estudantes de Macau de instituições de ensino superior para realizarem estágios em empresas tecnológicas de Macau ou do Interior da China”, acrescenta o documento.
Apoio além-fronteiras
A Zona de Cooperação Aprofundada entre Guangdong e Macau em Hengqin tem um papel activo no desenvolvimento da indústria de tecnologia de ponta de Macau, contribuindo não só para a formação de quadros qualificados, mas também alargando horizontes para o crescimento de start-ups e empresas locais. A investigação e desenvolvimento de tecnologia, juntamente com a indústria transformadora de alto valor acrescentado, são identificadas como correspondendo a uma das quatro principais indústrias em Hengqin, numa estratégia alinhada com as políticas de incentivo de Macau.
“[A DSEDT] tem desempenhado um papel pragmático na formulação de políticas e medidas científicas e tecnológicas em Hengqin. Isto inclui o aconselhamento sobre o quadro de desenvolvimento e medidas de apoio para áreas específicas no âmbito da Zona de Cooperação Aprofundada, como a concepção de circuitos integrados e a medicina tradicional chinesa”, afirma o organismo. “[As autoridades de Macau e de Hengqin] também discutem a possibilidade de organizar mais eventos na área da tecnologia de ponta, como concursos de empreendedorismo tecnológico.”
Além disso, a DSEDT, em colaboração com a instituição homóloga em Zhuhai, apoiou o estabelecimento de uma aliança, no ano passado, que reúne universidades, instituições de investigação tecnológica, empresas e instituições financeiras de ambas as regiões. O objectivo desta aliança é promover o fluxo eficiente de recursos científicos e tecnológicos entre Macau e Zhuhai, bem como a partilha de resultados e benefícios mútuos.
O FDCT também tem defendido o conceito de “investigação e desenvolvimento em Macau, transformação em Hengqin”. Neste âmbito, algumas empresas tecnológicas e instituições académicas de Macau, apoiadas pelo FDCT, colaboraram com empresas do Interior da China para fabricar microchips em Hengqin.
“Aderindo a este conceito, [o FDCT] continuará a facilitar colaborações entre instituições de investigação tecnológica de Macau e empresas em Hengqin [e noutras zonas do Interior da China]. Isto permite que projectos e resultados de investigação de Macau sejam aplicados e comercializados em Hengqin”, acrescenta o fundo.
Embora reconheça o papel positivo que a Zona de Cooperação Aprofundada pode desempenhar na comercialização e produção de soluções ou produtos que tenham resultado da investigação tecnológica em Macau, o professor Alfred Wong defende que a legislação em vigor – tanto em Macau como em Hengqin – deve ser actualizada de forma a agilizar procedimentos, nomeadamente em matérias relacionadas com o fluxo de capital e a propriedade intelectual.
No plano de diversificação, o Governo prevê, até 2028, um desenvolvimento gradual da indústria local de tecnologia de ponta. Esperam-se melhorias significativas em áreas como concepção de circuitos integrados, biomedicina, tecnologia digital, entre outras, que poderão assim contribuir de forma mais preponderante para a economia local.
Em Setembro do ano passado, entraram em vigor dois programas para captar “quadros altamente qualificados” e “profissionais de nível avançado” em tecnologia de ponta. O objectivo é atrair candidatos formados nas 100 melhores universidades do mundo ou nas 20 melhores instituições do Interior da China.
Embora possa levar mais tempo para que a indústria da tecnologia de ponta produza resultados substanciais, Alfred Wong acredita que certos segmentos tecnológicos com valor médio a alto poderão crescer a um ritmo mais elevado. A título de exemplo, refere que o corpo docente da sua faculdade está actualmente envolvido na investigação e desenvolvimento de baterias ambientais, um projecto que tem potencial para progredir mais rapidamente.
Tal como Alenc Wang, da Aomi, Alfred Wong observa que o ambiente e o ecossistema do sector tecnológico em Macau melhoraram significativamente nos últimos anos, devendo continuar a crescer num futuro imediato. “Fui júri em vários concursos locais de empreendedorismo tecnológico e inovação”, conta o académico. “Houve um número considerável de ideias promissoras em cada um desses eventos, algo que demonstra que a inovação existe e deve ser estimulada”, conclui.