A percussão Baatyam é um estilo musical tradicional e peculiar que quase desapareceu. Graças a entusiastas locais, esta arte foi preservada e está agora nas mãos de jovens pupilos de Macau
Texto Tony Lai
Fotografia Wong Sio Kuan
Cheng Po Wei é aluno do terceiro ano de uma escola secundária local e tem aulas de violoncelo há já quase uma década. Porém, uma vez por semana, deixa de lado o violoncelo e escolhe um conjunto de instrumentos musicais peculiares para praticar, incluindo caixa, pratos e gongos, entre outros. Estes instrumentos chineses constituem um conjunto instrumental tradicional conhecido como percussão Baatyam, originário da província de Guangdong.
“Quando estava no 4.º ou 5.º ano da escola primária, os meus pais perguntaram-me se estava interessado em aprender percussão Baatyam, e pensei porque não”, relembra Cheng Po Wei. Embora a adaptação a um novo género musical não tenha representado um grande desafio, levou algum tempo para o jovem músico se adaptar ao seu estilo divergente. “É bastante alto e estrondoso em comparação com o violoncelo”, salienta. “Mas depois de um tempo, habituei-me e gosto de tocar violoncelo e percussão Baatyam.”
Estas palavras são, muito provavelmente, música para os ouvidos dos seus pais e de William Ng, o presidente da Associação Taoista de Macau, já que Cheng Po Wei está entre as dezenas de crianças e jovens que recebem formação em percussão Baatyam naquela associação. Este cultivo entre as gerações mais jovens insere-se nos esforços recentes para preservar este estilo de performance instrumental tradicional, que foi incluído no Inventário do Património Cultural Imaterial de Macau em 2020.
O termo “Baatyam” significa “oito tipos de sons” em chinês, referindo-se aos oito materiais para fazer instrumentos musicais chineses: ouro, pedra, seda, cabaça, bambu, argila, couro e madeira. Com o tempo, o termo expandiu-se para representar instrumentos chineses como tambores, gongos, pratos, suonas, flautas, erhu e sanxian.
Os registos históricos indicam que a percussão Baatyam ganhou popularidade na província de Guangdong durante o período intermédio da Dinastia Qing chinesa (1644-1911). De acordo com William Ng, a percussão Baatyam foi inicialmente baseada em canções de ópera cantonense antes de evoluir para performances instrumentais onde os sons dos instrumentos musicais substituíram as vozes.
No passado, em Macau, esta forma de execução instrumental foi frequentemente apresentada em banquetes de casamento, festivais religiosos em templos, cerimónias taoistas e rituais relacionados com a indústria pesqueira local. “Naquela época, os percussionistas do Baatyam eram como as bandas que vemos nos casamentos de hoje em dia”, explica o mesmo responsável.
Esta arte performativa também era comum em funerais. “No passado, quando as pessoas faleciam em Macau, os seus corpos não eram guardados nas morgues antes dos enterros, mas sim em casa”, continua William Ng. “No dia do enterro, havia uma procissão para transportar o corpo da casa do falecido até ao cemitério, e a percussão Baatyam era tocada ao longo do caminho.”
Filho e herdeiro de Ng Tin San, um aclamado mestre taoista e ilustre intérprete de percussão Baatyam em Macau entre as décadas de 1930 e 1970, William Ng conhece bem esta herança cultural. “Desde muito jovem acompanhei e ajudei o meu pai em qualquer local ou altura que ele trabalhasse em cerimónias religiosas ou procissões. Ao longo dos anos, aprendi e consegui destacar-me na percussão Baatyam”, afirma.
Do declínio à modernização
No entanto, a popularidade desta forma de arte tradicional diminuiu gradualmente desde a década de 1970, na sequência das mudanças socio-económicas em Macau, como o desaparecimento dos desfiles fúnebres, a simplificação das cerimónias e rituais religiosos e o declínio da indústria pesqueira local.
Tendo assumido a batuta do seu pai na liderança do clã taoista local, William Ng reconhece que os esforços se concentraram principalmente na defesa e preservação da música ritual taoista nos primeiros anos, prestando pouca atenção à percussão Baatyam. A música ritual taoista foi inscrita na Lista do Património Cultural Imaterial Nacional em 2011, tendo o jovem William Ng sido designado como “Transmissor Representativo” deste património cultural na lista nacional três anos depois. A música ritual taoista também foi, temporariamente, incluída como parte do património cultural imaterial de Macau em 2009 e foi oficialmente inscrita no Inventário do Património Cultural Imaterial do território em 2017, na sequência da implementação da primeira Lei de Salvaguarda do Património Cultural de Macau.
“Embora a percussão Baatyam faça parte da música ritual taoista, não lhe dedicámos muita atenção nos primeiros anos, porque não havia muitas partituras disponíveis. Existem cerca de 500 partituras preservadas localmente para a música ritual taoista, enquanto existem apenas cerca de 10 partituras para percussão Baatyam”, explica William Ng. As principais partituras de percussão Baatyam que foram preservadas na cidade incluem: “Oito Imortais Conferindo Longevidade”, “Primeiro-Ministro de Seis Estados”, “O Imperador de Jade Mantendo a Corte”, “A Luta entre Cortesãos”, “Encontrando o Amor Verdadeiro na Adversidade”, “Uma Carta de Longe”, “Nomeando Académicos”.
A percussão Baatyam só recebeu uma segunda vida quando Dai Dingcheng, actualmente professor de Musicologia na Universidade da Cidade de Macau e investigador veterano dos tipos musicais e rituais da cidade, entrevistou Ng Tin San e escreveu um artigo em 2012 sobre o seu significado cultural e histórico para Macau e a necessidade de preservar esta arte performativa. Desde então, a Associação Taoista de Macau, liderada por William Ng, reconheceu o seu potencial e tem-se dedicado à sua preservação.
Trabalhando em conjunto com Dai Dingcheng e Wang Zhongren, este último um estudioso de música ritual do Interior da China que agora dirige a orquestra da Associação Taoista de Macau, e com o apoio do Instituto Cultural de Macau, William Ng publicou, no final de 2015, um livro sobre a história local da percussão Baatyam e suas partituras, intitulado “Percussão Baatyam de Macau”.
Com a ajuda destes dois estudiosos da música, a associação também modificou e modernizou as partituras existentes. “A intenção é que a percussão Baatyam possa ser tocada por uma orquestra com o envolvimento de mais instrumentos, mantendo a melodia principal”, explica William Ng em entrevista à Revista Macau. “Esta mudança enriquece e eleva a textura musical da percussão Baatyam.”
Dezenas de espectáculos
Aumentar a consciência pública e o conhecimento da percussão Baatyam também é um aspecto crucial dos esforços de conservação. Antes da pandemia da COVID-19, a orquestra da associação, formada em 2008, conduziu mais de 90 espectáculos de música ritual taoista em Macau, Interior da China, Hong Kong, Taiwan, Malásia, Singapura e outros locais no estrangeiro entre 2010 e 2019.
“Destas actuações, cerca de 60 incluíram performances de percussão Baatyam para oferecer ao público uma visão mais profunda desta forma de arte”, sublinha William Ng. “A apresentação da percussão Baatyam deve ser misturada com outras apresentações musicais rituais taoistas, ou o público ficará rapidamente entediado. Num concerto de música ritual taoista com duração inferior a duas horas, o ideal é que o segmento de percussão Baatyam dure cerca de 10 minutos.”
Após o levantamento das restrições de viagem relacionadas com a pandemia, a orquestra realizou um espectáculo em Pequim no ano passado e tem planos para realizar actividades na Malásia este ano, fortalecendo ainda mais o intercâmbio de práticas culturais entre Macau e outros locais. “Também colaborámos com a Orquestra Chinesa de Macau em apresentações de percussão Baatyam três vezes ao longo dos anos, destacando o sucesso da modernização deste conjunto instrumental”, observa o presidente da Associação Taoista de Macau.
Assegurar o futuro
A associação também atribui grande importância à necessidade de estimular o interesse das gerações mais jovens por este tipo de arte performativa. Para este efeito, são oferecidas aulas regulares adaptadas especificamente para adultos e crianças, respectivamente, ensinando vários instrumentos musicais chineses usados na música ritual taoista e na percussão Baatyam. Desde 2013, a associação também organiza colaborações anuais com escolas locais, especialmente a Escola Secundária Lou Hau, onde instrutores da associação visitam as escolas para ministrar estas aulas. “Na verdade, é mais fácil ensinar crianças do que adultos, que podem precisar de mais tempo para adquirir habilidades de percussão”, refere William Ng.
Em 2022, a associação deu um salto significativo ao estabelecer oficialmente uma orquestra juvenil dedicada à percussão Baatyam e à música ritual taoista. Esta iniciativa permitiu abrir mais oportunidades para os jovens locais cultivarem os seus talentos e mostrarem as suas habilidades no palco. A orquestra juvenil, que participou numa mostra anual em Macau no final do ano passado, conta actualmente com cerca de 30 membros.
“Após anos de preservação, a maioria dos aspectos da percussão do Baatyam, como as suas partituras, estão bastante estáveis. Portanto, o foco principal agora é garantir a sobrevivência deste património cultural, o que significa formar pessoas para aprender e tocar e dar continuidade a esta tradição”, afirma William Ng.
Loi Hong Tai é outro elemento da orquestra juvenil que aprendeu e praticou percussão Baatyam e música ritual taoista com William Ng durante vários anos. Aluno do 2.º ano do ensino secundário, Loi Hong Tai embarcou nesta viagem quando ainda estava no 1.º ano da escola primária, por sugestão dos seus pais, que são membros da Associação Taoista de Macau. “Participo nos ensaios semanais sempre que estou livre e disponível”, diz o jovem estudante. “É um desafio praticar percussão Baatyam fora da associação, porque produz sons altos e os vizinhos certamente reclamariam se eu o fizesse em casa.”
Descrevendo a percussão Baatyam como uma forma de arte “única”, Loi Hong Tai também valoriza as oportunidades que esta lhe proporcionou, incluindo actuações em Hong Kong e em vários locais do Interior da China, incluindo Pequim.
Cheng Po Wei e Loi Hong Tai não têm dúvidas quanto à intenção de continuar a praticar percussão Baatyam até terminarem o ensino secundário. “É difícil dizer o que acontecerá no futuro – se ficarei muito ocupado com a escola ou com o trabalho”, diz Cheng Po Wei. “Mas, por enquanto, a prática semanal é viável e eu gosto.”