A celebrar um quarto de século de existência, a Associação Audio-Visual Cut tem como principal objectivo promover o cinema contemporâneo em Macau. O grupo tem sido um dos principais divulgadores do talento local no campo audiovisual
Texto Vitória Man Sok Wa
A criação da Associação Audio-Visual Cut não podia ter sido mais prosaica: foi a resposta prática para uma questão burocrática ligada à criação de uma sala para edição digital de filmes – dificilmente um enredo digno de Hollywood. No entanto, 25 anos depois, o grupo é hoje uma das principais plataformas de promoção do cinema em Macau, tendo apoiado os primeiros passos no mundo da sétima arte de diversos realizadores locais. Além disso, a empresa Cut Lda., que está ligada à associação, é a actual concessionária da operação da Cinemateca Paixão.
Tudo isto era, porém, algo difícil de imaginar nos finais do longínquo ano de 1998. Na altura, uma das preocupações dos poucos cineastas do território prendia-se com a falta de recursos a nível local para proceder à edição digital de filmes: ao contrário de hoje, para tal não bastava apenas um computador portátil; era necessário equipamento especializado, cujos custos eram bastante elevados.
Para apoiar os realizadores de Macau, o então Leal Senado – actualmente Instituto para os Assuntos Municipais – tinha planos para criar um espaço dedicado à edição digital de filmes, mas pretendia que este fosse gerido por uma associação local. Mediante esse propósito, o realizador Albert Chu Iao Ian decidiu então convidar outros dois cineastas para, juntos, criarem a Associação Audio-Visual Cut, cuja existência ficou oficializada no início de 1999.
Partindo da sala de edição digital de filmes e de três membros fundadores, a associação expandiu-se e passou a organizar sessões de exibição de filmes, assim como workshops para promover a produção cinematográfica. A Cut conta hoje com mais de uma centena de membros, tendo organizado mais de 100 eventos ao longo do último quarto de século. Durante esse período, o grupo apoiou a produção de cerca de uma dezena de filmes locais, tendo impulsionado o surgimento de uma nova geração de realizadores de Macau, interessados em filmar a cidade com visão de autor e fazer disso carreira.
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“Criámos a associação no calor do momento”, admite um dos co-fundadores, Vincent Hoi Kuok Meng. “Na verdade, não tínhamos grandes planos ou objectivos iniciais”, acrescenta o também realizador, responsável pela longa-metragem “Before Dawn Cracks”, de 2007, seleccionada para a edição desse ano do Hong Kong Asian Film Festival.
“No entanto, tínhamos paixão pelo cinema”, refere o cineasta. “Isso, aliado ao conhecimento e experiência que tínhamos nesta área, especialmente o Albert – um dos poucos em Macau que já tinha então um mestrado em cinema –, levou-nos a organizar regularmente sessões de cinema, baseadas no nosso gosto artístico, atraindo cada vez mais membros para a nossa associação.”
Promover o talento local
Para além da exibição de filmes, os workshops de formação co-organizados pela Cut e entidades governamentais foram outra fonte de captação de membros. “Na altura, eu era o responsável por estes workshops”, conta Vicent Hoi. “Descobri que existiam muitos jovens com paixão pelo cinema e muita ambição: muitos tornaram-se eventualmente membros da Cut e levaram a sua paixão pelo cinema até ao ensino superior.”
Com o apoio do Instituto Cultural, a Cut deu mais um passo em frente na promoção do cinema de autor em Macau, associando-se à produção de documentários e filmes sobre o território. Um marco histórico para o grupo – e para a própria história da indústria audiovisual local – foi a trilogia “Histórias de Macau” (também conhecida por “Macau Stories”), que contou igualmente com o apoio da Fundação Macau.
Cada filme apresentava um conjunto de curtas-metragens sobre a cidade, produzidas por diferentes realizadores locais. O primeiro foi rodado em 2008, seguindo-se em 2011 “Histórias de Macau 2: Amor na Cidade”; o capítulo final, “Histórias de Macau 3: Labirinto Urbano”, chegou oficialmente às salas de cinema do território em 2015 e, ao contrário dos filmes anteriores, já foi executado com recurso a uma equipa técnica e elenco maioritariamente locais, tendo também a pós-produção sido feita no território.
O trabalho da Cut eventualmente deu frutos. Vários realizadores locais creditam à associação um papel de relevo no seu percurso e no desenvolvimento do seu interesse pela sétima arte. É o caso de Tracy Choi Ian Sin, realizadora do premiado “Sisterhood”, de 2016, ou de Mike Ao Ieong Weng Fong, cuja primeira longa-metragem, “Quero Ser uma Cadeira de Plástico” (“I Want to be a Plastic Chair”), foi seleccionada para a edição do ano passado do prestigiado Taipei Golden Horse Film Festival, em Taiwan.
A par de realizadores, a Cut tem também contribuído para a formação de profissionais noutras vertentes das artes audiovisuais. É o caso de Christina Chan, directora de produção cinematográfica local. “A Associação Cut mudou a minha vida profissional”, garante a própria. “Comecei por ser contabilista. Depois, conheci a Cut em 1999 e comecei a interessar-me por cinema. A partir de 2003, enveredei pelo sector e, em 2007, decidi dedicar-me totalmente à profissão de produtora de cinema.”
“Nos últimos 15 anos, surgiram muitos novos realizadores locais. Graças à história e às características de Macau, é possível fazer filmes independentes e cultivar novos talentos”
ALBERT CHU IAO IAN
REALIZADOR E CO-FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO AUDIO-VISUAL CUT
Tanto Albert Chu como Vincent Hoi consideram que o mercado cinematográfico de Macau ainda está numa fase de desenvolvimento inicial, mas ambos asseguram que existe potencial. Como explica Albert Chu, ainda são necessárias a nível local empresas que invistam de forma consistente no sector e na produção de filmes, assim como entidades comerciais dedicadas ao agenciamento de talento e produção, distribuição e marketing de obras cinematográficas. Actualmente, a produção local é sobretudo estimulada através de incentivos governamentais, sublinham ambos os realizadores.
A escala do mercado dificulta o investimento privado no cinema feito em Macau, admite Albert Chu. “Tradicionalmente, os investidores consideram que apenas os filmes comerciais podem dar lucro. No entanto, o custo de produção de um filme comercial é muito elevado, o que torna quase impossível que tal aconteça em Macau, dado tratar-se de um mercado tão pequeno”, com um retorno potencial baixo, refere.
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Ainda assim, o realizador acredita que há espaço para melhorias. “Em muitos casos, quando um filme local recebe financiamento do Governo, é mais fácil atrair investimento de Hong Kong e de outras regiões. A série de filmes ‘Histórias de Macau’, produzida pela Cut, é um exemplo disso”, diz.
Sonhos do grande ecrã
Dificuldades à parte, o veterano cineasta considera que a indústria cinematográfica local tem experienciado um rápido desenvolvimento. “Nos últimos 15 anos, surgiram muitos novos realizadores locais. Graças à história e às características de Macau, é possível fazer filmes independentes e cultivar novos talentos artísticos. Actualmente, a cada ano, são produzidos cerca de três filmes locais e muitos são seleccionados para festivais de cinema”, afirma.
Olhando para o futuro, Albert Chu acrescenta que as oportunidades oferecidas pela Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau podem também beneficiar o cinema do território. Tratando-se de um mercado maior, os cineastas locais podem obter mais apoios, de forma a criar longas-metragens de qualidade.
Vincent Hoi está igualmente optimista e acredita que a diversificação económica vai contribuir para o crescimento do cinema com selo de Macau. “O cinema é um sector diversificado. A música, o entretenimento, a dança e a edição são elementos que também fazem parte do sonho cinematográfico. Isso é crucial. Macau já tem muitos destes elementos e pode fazer melhor. A qualidade cinematográfica e os talentos locais já existem.”