Martinho Moniz

A arte da simplicidade, na cozinha e na vida

Pratos simples e genuínos são o segredo de Martinho Moniz
Trocou Portugal pela Ásia há quase uma década e meia e diz ter encontrado em Macau um lugar a que pode chamar de lar. O território deu-lhe espaço e margem de manobra para cultivar uma forma própria e despretensiosa de estar na cozinha. A gastronomia portuguesa de Martinho Moniz é simples e genuína. Tem a cor da perseverança e o sabor dos entardeceres da infância

Texto Marco Carvalho
Fotografia Leong Sio Po

“A minha cozinha portuguesa não é a melhor, mas é, sem qualquer dúvida, a mais distinta.” Antes que a conversa avance e amadureça, Martinho Moniz faz questão de colocar tudo em pratos limpos: os sabores lusos, tal como os recria e pratica, podem não ser os melhores de Macau, mas são, irrefutavelmente, os mais genuínos. Radicado há 14 anos em Macau, o chef português – ou cozinheiro, como prefere que lhe chamem – não esconde o orgulho pelas raízes e pela forma como determinaram a postura que adoptou entre tachos e panelas.

Criado na Barreira, uma pequena aldeia dos arredores de Leiria, e habituado desde tenra idade aos lavores da terra, Martinho Moniz resgatou aos anos frugais da infância o apreço pela simplicidade.

“A minha comida é uma comida sustentável, é uma comida de convívio, uma comida de quem gosta de ir ao restaurante para comer”, argumenta. “Por vezes, o que os clientes querem é saciar a nostalgia, querem é reviver aqueles sabores que os faziam felizes.”

No altar das inspirações, duas grandes referências: o chef António Silva, presença constante na televisão portuguesa nas décadas de 1980 e de 1990, e a mãe. Foi, de resto, por intercessão materna, que o jovem Martinho Moniz se estreou nas lides da cozinha.

“Em minha casa fazia-se tudo. Fazia-se pão, broa, o folar na Páscoa. Foi este conjunto de experiências que me alertou para a possibilidade de ser um dia cozinheiro”, confessa. “Aos meus 16 anos, senti que teria que rumar a um projecto que me pudesse dar futuro e senti que ser chef de cozinha, na altura por influência do chef Silva e da minha mãe, me poderia dar esse futuro”, acrescenta.

Estudou Cozinha na Escola Profissional de Leiria e, já com o domínio das técnicas apurado, lançou-se à conquista do mundo, entre tascas e palácios, com a simplicidade de quem pressente que os objectivos não se cozinham com ilusões.

“Abracei várias experiências, desde cozinha regional de pequenos restaurantes até cozinha para banquetes e para eventos de grandes dimensões”, conta. “Depois tive a oportunidade de afinar esse conhecimento que adquiri nas cozinhas mais tradicionais e ganhar experiência numa cozinha mais internacional, que ainda assim preservava e valorizava alguns sabores lusitanos, como foi o caso no Pestana Palace, em Lisboa”, recorda Martinho Moniz.

Macau, uma nova casa

A porta da Ásia abriu-se por Hong Kong, mas a ausência do substrato português que faz de Macau uma realidade única em toda a Ásia dificultou a missão de que foi incumbido. Ainda assim, em pouco mais de meio ano, transformou um restaurante falido numa casa de sucesso. A façanha não passou despercebida e, em 2011, instala-se em Macau e assume o estatuto de chef executivo no restaurante Guincho a Galera.

“Na Ásia, e mais particularmente em Macau, entrei um bocadinho a preencher uma lacuna que eu senti que aqui havia quando cá cheguei. Existia cozinha portuguesa muito boa, mas também existia espaço para afirmar um conceito diferente, muito próprio e muito meu. Isto que fique bem assente: nunca vim cá para ensinar nada a ninguém. Mas com os meus costumes e as minhas vivências sou o único e tento mostrar que a minha cozinha portuguesa pode não ser a melhor, mas é sem dúvida diferente”, assegura.

“E que cozinha é essa? É uma cozinha que aposta na sustentabilidade, na cor e na frescura e que, ao mesmo tempo, vai ao encontro daquilo que necessitamos de comer”, sustenta o agora responsável pela cozinha do restaurante Vic’s, na Doca dos Pescadores.

A confecção dos pratos procura valorizar os sabores lusitanos


Pratos como o polvo, o arroz de marisco, o leitão ou a sopa da pedra são referências incontornáveis no restaurante. Mas, no panorama da restauração de Macau, o Vic’s pauta a diferença por algo que espelha o apego às raízes e o próprio percurso de Martinho Moniz. É dos poucos restaurantes locais com o seu próprio jardim aromático: “Temos tomilho, manjericão, alecrim, papaias e até aqui tenho um pinheiro. E um pinheiro porquê? Porque sou de Leiria e Leiria é indissociável do pinhal”, explica.

Martinho Moniz diz que encontrou em Macau uma nova casa e uma forma muito concreta de realização pessoal: “Macau é a minha primeira casa. Hong Kong foi, realmente, uma dádiva, mas aqui consegui edificar uma casa que levo ao colo e que estimo como se fosse minha. Muitas vezes, as pessoas vêm cá e não vêm ao Vic’s, vêm ao Martinho. Isso é, para mim, muito tranquilizante. Permitiu-me alcançar a minha ideia de realização pessoal: acordar feliz, trabalhar e ir para casa cedo”, enuncia.

Depois de se sentir realizado em Macau, Martinho Moniz quer agora levar para Portugal um pouco da cultura gastronómica do território. O cozinheiro tenciona, até ao final do ano, ultimar detalhes de um projecto de restauração no centro histórico de Alcobaça, paredes meias com o primeiro mosteiro plenamente gótico erguido em Portugal.

“Abracei uma nova cidade em Portugal, que é Alcobaça, através de um projecto que se chama “My Alcobaça”. É um projecto de topo, na zona histórica da cidade, junto ao mosteiro. Concluímos recentemente a primeira fase, da recuperação de azulejos, telhados e criação de um terraço, um espaço onde vamos ter um cheirinho a Oriente. Temos lá uma grande surpresa do Oriente, em fase de desenvolvimento”, remata Martinho Moniz.